O Custo do Processo e a Participação Judicial Ambiental

AutorÁlvaro Luiz Valery Mirra
Páginas559-599
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1. O custo do processo coletivo ambiental como obstáculo a ser
superado para a participação judicial ambiental
Os sistemas jurídicos da maior parte dos países, entre os quais o Brasil,
como se sabe, não preveem a gratuidade dos serviços judiciários prestados ao
conjunto da população.1505 A regra, ao contrário, é a da onerosidade, para os
usuários, do serviço relativo à administração da justiça. O processo judicial,
assim, tem um custo, que, não raro, se mostra elevado.1506
O custo do processo compreende, normalmente, as despesas processuais
realizadas pelas partes desde o ingresso em juízo até a efetivação das decisões
proferidas, bem como os honorários dos advogados que atuaram em defesa
dos interesses dos contendores.1507 Além disso, abrange, também, em caráter
eventual, determinadas imposições pecuniárias aos litigantes, em razão da res-
ponsabilidade pela execução de provimentos provisórios ou nais ou por força
da caracterização da litigância de má-fé.
Como é fácil de perceber, o custo nanceiro do processo pode constituir
- e frequentemente constitui - obstáculo ao acesso à justiça, notadamente para
1505. CANOTILHO, J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada: artigos
1º a 107. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2007. v. 1, p. 410-412; CAPPELLETTI, Mauro. Proce-
so, ideologias, sociedad. Trad. Santiago Sentís Melendo e Tomás A. Banzhaf. Buenos Aires: Ediciones
Jurídicas Europa-America, 1974. p. 543; TROCKER, Nicoló. Processo civile e costituzione: problemi
di diritto tedesco e italiano, cit., p. 295 e nota 1; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de
direito processual civil, cit., v. 2, p. 632-633 e 638.
1506. CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile, cit., v. 1, p. 435; FRIEDMAN, Lawrence
M. Réclamations, contestations et litiges et l’État-Providence de nos jours, cit., p. 253-254.
1507. CARNELUTTI, Francesco. Sistema di diritto processuale civile, cit., v. 1, p. 436; DINAMARCO, Cân-
dido Rangel. Instituições de direito processual civil, cit., v. 2, p. 633-635.
CAPÍTULO 2
O CUSTO DO PROCESSO
E A PARTICIPAÇÃO JUDICIAL AMBIENTAL
Participação, Processo Civil e Defesa do Meio Ambiente
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os litigantes menos favorecidos economicamente.1508 Essa circunstância tem
levado os Estados a buscarem soluções aptas a superar ou minimizar a referida
barreira de ordem nanceira, a m de permitir mais fácil acesso ao sistema ju-
diciário para a generalidade das pessoas, independentemente de sua condição
econômica ou social.1509
No processo coletivo ambiental, por evidente, a situação não é diversa1510, já
que o custo do processo é capaz não só de desencorajar a propositura de deman-
das em defesa do meio ambiente pelos legitimados ativos, como também de di-
cultar a atuação processual dos demandantes e dos sujeitos intervenientes, diante
das despesas a serem satisfeitas para a prática de atos processuais e a obtenção
de providências instrutórias, sobretudo de natureza técnica e cientíca, mediante
a realização de perícias, no mais das vezes de expressivo valor. Dessa forma, no
processo coletivo ambiental, o custo nanceiro do processo aparece como fator
suscetível de comprometer tanto a participação pelo processo em si mesma con-
siderada, barrando as iniciativas judiciais dos sujeitos intitulados à participação
judicial ambiental, quanto a participação no processo, durante todo o desenrolar
do procedimento, em especial no concernente à instrução da causa.
Tal realidade do processo coletivo ambiental exige que se concebam so-
luções especícas e apropriadas para o regime nanceiro do processo, volta-
das a não desestimular o ajuizamento das demandas destinadas à proteção do
meio ambiente e a não limitar a atividade processual dos demandantes.
Nunca é demais lembrar, no tema, que os titulares do poder de agir em
juízo na defesa do meio ambiente não atuam em defesa de um direito individu-
al, mas de um direito a todos pertencente em caráter indivisível. Por essa razão,
como assinala Hein Kötz, uma vez considerada de interesse geral a propositura
1508. Trata-se de aspecto salientado com insistência pela doutrina do direito processual. A propósito, ver,
entre outros, CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Nor-
theet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988. p. 21-22; COMOGLIO, Luigi Paolo; FER-
RI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile, cit., p. 76-77; CAPPELLETTI, Mauro.
Proceso, ideologias, sociedad, cit., p. 150; TROCKER, Nicoló. Processo civile e costituzione: problemi
di diritto tedesco e italiano, cit., p. 295 e 299; DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentali-
dade do processo, cit., p. 335-340; WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In:
GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel; WATANABE, Kazuo. Participação e
processo, cit., p. 135; MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil: teoria geral do processo,
cit., v. 1, p. 184-186; PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, cit., p. 112-113.
1509. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito
processual civil, 1, cit., p. 52.
1510. Ver no tema, em especial, BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra
o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente
e do consumidor. In: MILARÉ, Édis (Coord.). Ação civil pública (Lei 7.347/85: reminiscências e
reexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1995. p. 108-110; RO-
DRIGUES, Marcelo Abelha. Ação civil pública e meio ambiente, cit., p. 301. Em tema de processos
coletivos em geral, MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações coletivas no direito comparado e
nacional. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002. p. 30-33.
A Participação Judicial na Defesa do Meio Ambiente
561
de demandas coletivas, regras especiais devem ser estabelecidas a m de enco-
rajar a atuação dos indivíduos e entes intermediários legitimados, de tal sorte
que estes pouco ou nada tenham de pagar para agir e intervir ou para parti-
cipar efetivamente ao longo do procedimento, não se excluindo, tampouco, a
previsão de expedientes tendentes até mesmo a recompensar pecuniariamente
a iniciativa e a atuação processual do demandante ou do interveniente.1511
Dependendo da opção feita em um determinado ordenamento jurídico, as
medidas adotadas poderão levar à exoneração do ônus do adiantamento das des-
pesas processuais1512, à isenção total ou parcial dos encargos decorrentes da sucum-
bência1513 e à exclusão ou severa restrição da cominação de sanções pecuniárias
para as iniciativas judiciais em prol da preservação da qualidade ambiental reputa-
das improcedentes, sem prejuízo da instituição, em acréscimo, de graticações de
ordem nanceira para a propositura das demandas1514 e da organização de serviços
de assistência jurídica e/ou judiciária gratuita para os legitimados ativos.
Neste Capítulo, pretende-se analisar, precisamente, as normas concer-
nentes ao custo nanceiro dos processos coletivos ambientais, sob a ótica do
direito brasileiro vigente e dos novos modelos - transnacionais e nacionais - de
processos coletivos. Procurar-se-á vericar, no ponto, as regras existentes e as
projetadas e sua repercussão como fator de estímulo ou desestímulo à partici-
pação judicial ambiental.
2. O custo do processo coletivo ambiental no direito brasileiro vigente
2.1. Observações iniciais
O direito brasileiro vigente tem se mostrado atento à questão do custo
do processo coletivo destinado à defesa do meio ambiente e dos demais direitos
difusos, ao prever, em variadas hipóteses, disciplina diversa daquela tradicional
do Código de Processo Civil, relativa ao ônus do adiantamento das despesas
processuais pelo interessado na realização de determinado ato ou diligência,
com o reembolso nal pelo vencido, a quem cabe, igualmente, o pagamento
1511. KÖTZ, Hein. La protection en justice des intérêts collectifs: tableau de droit comparé. In: CAPPEL-
LETTI, Mauro (Org.). Accès à la justice et État providence. Paris: Econômica, 1984. p. 97-102.
1512. É o que prevê, no direito português, a Lei n. 83/95 (art. 20, n. 1), sobre a ação popular.
1513. Uma vez mais, a respeito, em Portugal, a Lei n. 83/95 (art. 20, nºs 2 e 3). Em sentido semelhante, na
Colômbia, a Lei n. 472/1998, também sobre as ações populares (art. 38).
1514. É o que se passa, novamente, com o direito colombiano, no qual a Lei n. 472/1998 prevê que o autor
da ação popular tem o direito de receber incentivo nanceiro a ser xado pelo juiz, entre 10 e 150
salários mínimos.

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