Cumprimento de sentença - natureza jurídica

AutorGelson Amaro de Souza/Gelson Amaro de Souza Filho
CargoDoutor em Direito (PUC/SP) Advogado (Presidente Prudente-SP) Professor por concurso dos cursos de graduação e mestrado da UENP - Universidade Estadual do Norte do Paraná (Campus de Jacarezinho-PR)/Advogado e jornalista Especialista em Direito Penal
Páginas36-47

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Introdução

A estrutura jurídica do processo em busca da realização ou a efetiva-ção do direito sempre foi vista sob duas etapas distintas e sequenciais, que são a fase de conhecimento (definição) e a fase de execução (cumprimento), ressalvados apenas aqueles casos em que a tutela se esgota no próprio provimento judicial, como se dá com a sentença declaratória, constitutiva e na condenatória satisfativa (art. 466-A do CPC), que dispensam a fase executiva.

Por mais que se queira falar em processo sincrético, em que ambas as etapas se apresentam conjunta-mente, isto parece impossível1, pois a execução (cumprimento) somente aparece depois que a outra (definição) é encerrada; além do que, cada uma tem objeto e objetivo (finalidade) diferenciados2. A cognição (conhecimento) é uma tutela voltada para o passado, enquanto que o cumprimento (execução) é tutela voltada para o futuro3.

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Não se pode, em verdade, fundir a atividade cognitiva e a executiva como se fossem a mesma coisa, porque a primeira se volta para o passado (conhecimento do que houve - leva-se em conta fato passado), a segunda está voltada para o futuro (fazer cumprir o que ficou decidido através de fatos novos). Ainda há outra diferença marcante: é que a cognição (conhecimento) é atividade intelectual, e a execução (cumprimento) é atividade material (realização).

No processo de conhecimento sobrepõe-se a inteligência (intelectualidade), e no cumprimento (execução) do julgado prepondera a prática de atos novos, com o uso até mesmo de força, para impor a satisfação do direito reconhecido. No processo de conhecimento procura-se descobrir qual das partes tem direito e qual tem obrigação. Na fase do cumprimento, já se sabe quem tem direito e quem tem obrigação, não mais necessitando de definição do direito, apenas da atividade prática para o cumprimento do julgado.

Se lide de definição foi resolvida, o processo de cognição cumpriu o seu objetivo e não há razão para a sua continuidade. Eventual necessidade de procedimento executivo para impor o cumprimento de sentença não pode mais pertencer ou integrar o processo de conhecimento condenatório. Fosse o mesmo processo de cognição, o juiz manteria a sua jurisdição e poderia julgar questões de ordem pública pertencente ao processo de conhecimento (art. 267, § 3o, do CPC).

1. Processo de conhecimento

O processo de conhecimento é a modalidade de processo voltada para o passado (toma-se por base fato passado)4 e que se inicia diante de dúvida existente entre as partes quando cada qual pensa estar com o direito. Diante desta situação litigiosa, torna-se necessária uma decisão que vai definir o direito, isto é, um julgado que vai dizer qual das partes está com a razão.

Exige-se processo de conhecimento para definir e dar conhecimento a quem tem o direito. Uma vez esclarecido e conhecido o direito pelo julgamento de mérito, o processo de conhecimento deixa de ser necessário, encerrando-se, sob o manto do princípio de que em termos de processo, este somente continuará enquanto houver necessidade. Ninguém, com bom senso, dirá que o processo, mesmo depois de cumprido seu objetivo e atingida a sua finalidade, ainda deverá continuar em andamento.

1.1. Objeto do processo de conhecimento

Todo processo tem por objeto uma lide5. Conforme for a espécie de lide, também o será a espécie de processo ou procedimento6. O objeto do processo de conhecimento é uma lide de definição. Sem lide não há processo.

Iniciado o processo, se posteriormente a lide desaparecer, ele será extinto por falta de objeto. Assim se dá nos casos de acordo ou transação entre as partes, entre tantos outros, em que a lide desaparece. No caso do processo de conhecimento em que o seu objeto é a lide de definição, uma vez que esteja definido o direito, desaparece esta lide e, com isso, o objeto do processo, o que o leva à extinção. A sentença de mérito extingue o processo de conhecimento, pondo fim à atividade cognitiva do juiz7.

Não me parece possível dizer que a fase de cumprimento de sentença seja continuidade do processo de conhecimento, porque os objetivos são outros. No processo de conhecimento é solucionar a lide de definição, e na fase de execução é pôr fim à lide de satisfação. Como foi anotado acima, o processo de conhecimento se volta ao passado e o cumprimento (execução) de sentença se volta para o futuro, com prática de atos novos. Seus objetos e objetivos são diferentes e incompatíveis entre si.

1.2. Objetivo do processo de conhecimento

Se o objeto do processo de conhecimento é uma lide de definição, o seu objetivo é a solução desta lide. Assim, o processo de conhecimento existirá enquanto não houver definição de quem está com o direito. Uma vez definido o direito, desaparece a lide de definição e o processo será extinto, porque cumpriu a sua finalidade e atingiu o seu objetivo8.

Com o direito definido, não há mais razão para a continuidade do processo e procedimento de conhecimento. Cumprida a finalidade do processo de conhecimento, este é extinto pela perda de objeto. A sentença que julga o processo de conhecimento, a ele põe fim, nada obstante forte corrente doutrinária em sentido contrário.

Não foi a simples mudança de redação dada pela Lei 11.232/05, ao art. 162, § Io, do CPC, capaz de alterar esta situação, como já anotamos alhures9. Mesmo em momento posterior à nova redação dada pela Lei 11.232/05, autores de nomeada continuam ensinando que a sentença é o ato que extingue o processo e põe fim à atividade jurisdicional do juiz, no processo respectivo10.

1.3. Início do processo

O processo começa pela iniciativa da parte e ganha impulso oficial (artigos 262 e 263 do CPC). O início do processo se dá com a apresentação da petição inicial

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ao protocolo para distribuição ou quando remetida via internet com assinatura eletrônica ou ainda quando apresentada pelo autor di-retamente ao juiz para despacho.

A partir daí, durante toda a existência do processo este estará sob o principio do impulso oficial. Fosse o cumprimento de sentença uma simples continuação do mesmo procedimento, estaria ela subordinada ao principio do impulso oficial e não haveria necessidade de nova petição do credor para dar início à fase executiva, conforme exige o art. 475-J do CPC. Se a legislação exige nova postulação é porque não é simples continuação.

1.4. Encerramento do processo de conhecimento

O encerramento do processo de conhecimento se dá quando ele atinge a sua finalidade, que é solucionar a lide de definição, quando então põe fim à jurisdição cognitiva11 e também à dúvida em relação ao direito e ditando quem tem razão e quem não a tem. Isto é, quem tem direito e quem tem obrigação a cumprir. Uma vez solucionada a lide de definição, em face da sentença de mérito que é terminativa, deixa o processo de conhecimento de ter finalidade12. Mesmo após a Lei 11.232/05, a sentença é reconhecida como provimento final do processo, como recentemente anotou Viana13. Também Quartieri14 mantém o mesmo entendimento, sustentando que a sentença é o ato final do processo. Para Martins15, com a sentença o juiz cumpre e encerra o seu ofício jurisdicional. Para outros autores a sentença é o ponto final do processo16. Se a sentença não encerrasse o processo de conhecimento condenatório, o juiz continuaria na presidência do processo e poderia reapreciar as questões de ordem pública como dispõe o art. 267, § 3o, do CPC. Mas, a norma só o permite fazê-lo enquanto não houver julgamento de mérito, o que implica dizer, que, com o julgamento de mérito o processo está encerrado17. Enquanto não encerrado o processo, o juiz pode modificar o decidido, mas com o encerramento não pode mais apreciar a questão decidida e, como o juiz não pode modificar a sentença, fica certo de que esta1S extingue o processo18.

Outro aspecto que merece atenção é o sucumbencial, visto que no sistema processual brasileiro somente se admite aplicar a sucum-bência no final do processo (art. 20 e 27 do CPC). Se a sentença conde-natória não extinguisse o processo de conhecimento, não se poderia falar em atribuição dos encargos sucumbenciais neste ato.

1.5. Coisa julgada no processo de conhecimento

A coisa julgada só existirá uma vez no processo19. Se, após o julgamento do processo de conhecimento condenatório e ultrapassada a fase recursal ou de remessa necessária, surge a coisa julgada, é porque o processo está encerrado, porque, enquanto não encerrado o processo, ele estará sujeito a modificação, e, enquanto sujeito a modificação, não se pode falar em coisa julgada.

Durante o processo, pode haver a figura da preclusão, mas não haverá a coisa julgada. A coisa julgada impede o juiz de julgar novamente qualquer que seja a matéria decidida, entretanto, a preclusão que acontece durante o processo não impede ao juiz de reapreciar as questões de ordem pública (art. 267, § 3o, do CPC)20.

Uma vez proferida a sentença e não mais sendo possível alterá-la via recurso ou pela remessa necessária, dá-se a coisa julgada (art. 467 do CPC), ressalvam-se os casos de...

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