Cumprimento da sentença relativa às obrigações de fazer e não fazer

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas819-848

Page 819

538. Noção de obrigação de fazer e não fazer

As obrigações correspondem a prestação que o devedor fica sujeito a realizar em favor do credor. Dizem-se positivas quando a prestação corresponde a uma ação do devedor, e negativas quando se cumprem por meio de uma abstenção.

As de fazer são típicas obrigações positivas, pois concretizam-se por meio de "um ato do devedor". A res debita corresponde normalmente a prestação de trabalho, que pode ser físico, intelectual ou artístico. Pode também assumir maior sofisticação, como no caso de promessa de contratar, cuja prestação não se resume a colocar a assinatura num instrumento; mas envolve toda a operação técnica da realização de um negócio jurídico (um contrato), em toda sua complexidade, e com todos os seus efeitos.1São exemplos comuns de obrigações de fazer a contratação da pintura de quadro, da reforma de um automóvel, da construção de uma casa, da realização de um espetáculo artístico, da demolição de um prédio e tantos outros modos de criar coisas ou fatos novos. Às vezes a prestação de fazer é personalíssima, outras vezes não, conforme só deva ser cumprida pessoalmente pelo devedor, ou admita a respectiva execução indistintamente pelo devedor ou por outra pessoa. Nessa última hipótese, a obrigação de fazer é considerada fungível, e no primeiro caso, ela se diz infungível. Essa diferença terá significativo reflexo sobre a execução judicial, como a seguir se verá.

As obrigações de não fazer são tipicamente negativas, já que por seu intermédio o devedor obriga-se a uma abstenção, devendo manter-se numa situação omissiva (um non facere). É pela inércia que se cumpre a prestação devida. Se fizer o que se obrigou a não fazer, a obrigação estará irremediavelmente inadimplida. A execução forçada, na espécie, não se endereça à realização da prestação devida, mas ao desfa-

Page 820

zimento daquilo que indevidamente se fez, e se isto não for possível, converte-se em reparação de perdas e danos.2

A jurisprudência erigida sob a égide do Código de 1973 entende que as obrigações de fazer e não fazer, exequíveis na forma do art. 461 daquele diploma (art. 536, do NCPC), não são apenas as derivadas de relações negociais privadas. Também aquelas originadas de deveres decorrentes da lei, no terreno tanto do direito privado, como do direito público, podem ser objeto de condenação e execução, sob o procedimento próprio do cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer. Tudo o que se há de cumprir mediante um facere ou um non facere caberia, processualmente, no regime do art. 461 e §§, do CPC/73 e, portanto, também no regime do Código atual (art. 536, NCPC).34O novo Código, aliás, tem texto expresso sobre o tema, de sorte a positivar que as regras pertinentes ao cumprimento das obrigações de fazer e não fazer aplicam-se, no que couber, também às sentenças que reconheçam "deveres de fazer e de não fazer de natureza não obrigacional" (art. 536, § 5º5).

539. Execução específica e execução substitutiva

Como ao direito repugna constranger alguém fisicamente a fazer alguma coisa, e como as obrigações de fazer e não fazer dependem sempre de um comportamento pessoal do devedor, regra antiga dispunha que o inadimplemento, na espécie, resolverse-ia em perdas e danos.

Todavia, considerando que essa solução era, em muitos casos, injusta e insatisfatória, criou-se a concepção da fungibilidade de certas obrigações de fazer, que seria aplicável sempre que a prestação devida não fosse personalíssima e pudesse ser cumprida a contento mediante ato de terceiro. Assim, a execução da obrigação poderia ser feita de maneira específica, proporcionando no credor exatamente o resultado ajustado, mesmo sem a colaboração do devedor. A este, afinal, caberia suportar os custos da realização in natura da prestação por obra de outrem. A adjudicação do empreendimento a um terceiro fazia-se por meio de uma empreitada judicial, segundo o complicado procedimento traçado pelo Código de Processo Civil de 1973 nos artigos 632 a 643 (no atual, arts. 815 a 823).

Quando a prestação somente pudesse ser cumprida pelo devedor, por sua natureza ou convenção, o inadimplemento somente poderia ser remediado pela conversão em indenização (art. 633, do CPC/73; art. 816, do NCPC). Nesses casos, a obrigação de fazer ou não fazer, era qualificada de infungível.

Page 821

Tal como se almeja no plano moderno de direito substancial, também na esfera do direito processual civil, a prestação jurisdicional em favor do credor de obrigação de fazer e de não fazer assumiu, nos últimos tempos, um compromisso sempre crescente com a "tutela específica", como sendo esta a que melhor serve ao processo justo e efetivo. Ou seja, o devedor haverá de ser condenado a realizar, em favor do credor, exatamente a prestação a que se acha obrigado, pelo contrato ou pela lei (NCPC, art. 497). A conversão da obrigação em perdas e danos ("tutela substitutiva") deixou de ser faculdade do juiz e somente acontecerá em duas situações: a) se o próprio credor a requerer, nos casos em que o direito substancial lhe permitir tal opção; ou b) quando a execução específica se mostrar impossível, de fato ou de direito (v.g., obrigação infungível, ou prestação tornada impossível por culpa do devedor), de modo a torná-la inalcançável pela parte.

Essa estrutura processual, que já constava da reforma do CPC/1973 (art. 461, § 1º), prevalece hoje como critério básico da tutela às obrigações de fazer e de não fazer reguladas pelo CPC/2015, tanto na fase de conhecimento (arts. 497 e 499) como no estágio executivo do cumprimento da sentença (art. 536).

Na verdade, e com mais propriedade, a fungibilidade, ou não, é atributo mais do objeto do que propriamente da obrigação de fazer ou não fazer. É o fato do devedor (isto é, a prestação por ele devida) que pode ou não ser substituído por fato de terceiro. Mais precisamente, deve-se dizer que a prestação de fato pode ser fungível ou infungível. É, nessa ordem de ideias, por antonomásia que se qualifica, de maneira abreviada, a obrigação como fungível ou infungível, em lugar de falar-se, extensivamente, em obrigação de prestação de fato fungível ou infungível.

540. Tutela específica

I - Técnica processual na legislação anterior (tutela específica e tutela subsidiária)

Ao cumprimento forçado, em juízo, da prestação na forma prevista no título da obrigação de fazer ou não fazer, atribuiu-se o nomem iuris de "tutela específica". A execução do equivalente econômico denominou-se "tutela substitutiva" ou "subsidiária".

A modernização do Código de Processo Civil de 1973, na disciplina do cumprimento das obrigações em questão, deu-se por meio das Leis nos 8.952 de 13 de dezembro de 1994, e 10.444, de 07 de maio de 2002, que imprimiram nova redação ao art. 461, e acrescentaram-lhe diversos parágrafos.

A primeira grande norma da reforma consistiu em eliminar o arbítrio judicial nas conversões das obrigações da espécie em perdas e danos. Imperativamente o caput do art. 461, CPC/73 impôs ao juiz a concessão da tutela específica. A sentença que desse provimento ao pedido de cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer deveria condenar o devedor a realizar, in natura, a prestação devida. Para que essa condenação fosse dotada de maior efetividade, a norma do art. 461, CPC/73 se afastava do complexo

Page 822

procedimento tradicionalmente observável nas execuções das obrigações de fazer e não fazer (arts. 632 a 643, do CPC/73) e recomendava uma providência prática e funcional: na sentença de procedência do pedido, competiria ao juiz determinar "providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento".

Dessa maneira, tão logo transitada em julgado a condenação, as providências determinadas na sentença (ou em complemento desta) seriam postas em prática por meio de mandado dirigido ao devedor ou por meio de autorização para as medidas a cargo do credor ou de terceiros sob sua direção. Assim, tarefas que, primitivamente, eram do devedor podiam ser autorizadas ao próprio credor, que as implementaria por si ou por prepostos, como previsto no art. 249 do Código Civil. Concluída a obra, caberia ao credor apresentar nos autos as contas dos gastos efetuados e dos prejuízos acrescidos, para prosseguir na execução por quantia certa. As medidas de cumprimento deviam ser, em regra, precedidas de autorização judicial, inseridas na sentença ou em decisão subsequente. Entretanto, nos casos de urgência, como, v.g., na premência de demolir edificação em perigo de ruína, ou diante da necessidade inadiável de afastar riscos ecológicos ou de danos à saúde, e outros, de igual urgência, havia autorização legal para que o credor executasse ou mandasse executar o fato, independentemente de autorização judicial, para posteriormente reclamar o cabível ressarcimento (Código Civil, art. 249, parág. único).

Os poderes do juiz para fazer cumprir especificamente a obrigação de fazer, seja na regulamentação do Código anterior, seja na do atual, não ficam restritos à autorização para que o credor realize ou mande realizar por terceiro o fato devido. Pode o juiz adotar outras providências que, mesmo não sendo exatamente o fato devido, correspondam a algo que assegure o resultado prático equivalente ao do adimplemento (NCPC, art. 497). Por exemplo, o fabricante de um aparelho eletrônico ou de um veículo automotor, que deve garantir seu funcionamento durante certo tempo, não efetua a contento os reparos necessários. Diante da gravidade do defeito e da impossibilidade de manter o...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT