Cumprimento da Sentença - Lei 11.232, de 22 de dezembro de 2005

AutorDorival Renato Pavan
Ocupação do AutorJuiz de Direito em Campo Grande, MS
Páginas237-419

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1. A Lei 11 232, de 22.12.05. Breve notícia histórica sobre os modelos de execução

Em Roma, antes ainda da era Cristã, a atividade jurisdicional eraexercidapor um praetor, que tinha diversas atribuições administrativas e, dentre elas, a de prestar a jurisdição, promovendo o prévio acertamento do direito postulado. Todavia, como o praetor, por exercer funções prevalentemente administrativas, não tinha conhecimento jurídico, recorria a um particular, denominado iudex, que era o encarregado de definir o litígio, sentenciando. Particular que era, todavia, o iudex não podia fazer valer o direito reconhecido, o que obrigava o vencedor a promover uma segunda ação, desta feita para executar a sentença, o que fazia através da denominada actio iudicati.

Se se traçar um paralelo desse sistema com o atual, ver-se-á grande semelhança com o sistema do juízo arbitral, com a diferença, aqui, de que as partes indicam os árbitros no momento da convenção, enquanto que o árbitro, no sistema da actio iudiati,era indicado pelo praetor, no que ficou o período conhecido como ordo iudiciorum privatorum.

Mais tarde, já na era Cristã, passou-se para o período da extraordinária cognitio, instituindo-se uma justiça pública totalmente oficializada, em que o conhecimento e a execução (actio iudicati, ainda mantida), fazia-se exclusivamente perante o praetor.

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Como se sabe, o império romano foi dominado pelo povo germânico, que não conhecia o sistema de prévio acertamento para ulterior execução. Ali, a execução era privada, realizada mediante os atos de força do próprio credor, cabendo ao devedor recorrer ao poder público para impugnar os atos do credor. Vê-se, assim, que na cultura do povo germânico, a cognição era posterior à execução, surgindo, por conseqüência da miscigenação dos povos, um choque cultural que necessitava ser conciliado.

Coube a Martino de Fano, já no período medieval (século XIII), a idéia de conciliação dos sistemas em vigor, abolindo a execução privada mas, ao mesmo tempo, eliminando a necessidade das duas ações (conhecimento e execução) que era própria do povo romano.

Adotou ele a idéia romana de que havia necessidade de um prévio processo de acertamento do direito em litígio, mas, de outro tanto, não seria mais necessário o uso da actio iudicati,deformaque para cumprimento do que havia sido decidido não haveria necessi-dade de um novo processo, mas poderia ser ela executada por simples impulso oficial. Surge a executio per officium iudicis, sistema em parte resgatado pela Lei 11.232/06. Nossa evolução, portanto, foi resgatar as idéias que presidiram a construção desse modelo de processo sincrético, existente desde o Século XIII e que vigorou por muitos séculos na Europa.

Todavia, com a evolução do mercantilismo, decorrente da ampliação da navegação e descoberta de novas terras, houve a necessi-dade de documentação dos atos negociais através de títulos que permitiriam ao credor valer-se diretamente do processo de execução, sem passar pelo processo de conhecimento, estando aí o embrião da execução por título extrajudicial, que autorizava a execução sem sentença. Aparece o sistema da executio parata, ou seja, a execução pronta para ser operada, com base em documento reconhecido com força de título executivo e que se equiparava à sentença do processo de conhecimento.

Em decorrência desse fato passaram a coexistir as duas formas de execução, quais sejam, a executio per officium iudicis e a executio

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parata, que nada mais era do que a actio iudicati fundada no título a que a lei reconhecia força executiva, equiparado à sentença.

Coube ao direito francês, todavia, por obra do Código de Napoleão, quebrar a harmonia do sistema vigorante, promovendo uma unificação das execuções. E, para tanto, partiu-se do princípio de que como as execuções de títulos de crédito eram mais numerosas do que as decorrentes da sentença proferida no processo de conhecimento, deu-se preferência ao procedimento próprio dos títulos executivos extrajudiciais, abolindo-se, infelizmente, a executio per officium iudicis, de forma que restabeleceu-se aquele primitivo sistema em que havia a necessidade do uso de dois processos (conhecimento + execução) para fazer valer um mesmo direito.

O Código de Processo Civil de 1973 adotou esse sistema, estabelecendo uma dicotomia clara entre a execução por título judicial e a execução por título extrajudicial, sendo que na primeira modalidade, após a sentença do processo de conhecimento, havia a necessidade de uso de um segundo processo, agora para execução, em tudo igual à execução por título extrajudicial, exceto quanto à matéria reservada aos embargos, em que havia alguma distinção em face da prévia existência de um processo de conhecimento, que sepultava a possibilidade de discussão de algumas matérias já ali deduzidas e que não poderiam ser reavivadas.1

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Entrementes, é bem de se ver que pelo próprio sistema processual civil brasileiro essa dicotomia nunca foi absoluta, porque já havia a previsão para as ações executivas lato sensu (como as sentenças proferidas na ação possessória e nas ações de despejo) e as sentenças de mandamento (como no mandado de segurança).

Por força, todavia, da técnica exagerada do processo e do processualismo exacerbado, a questão do tempo de duração do processo sempre foi um fator de incômodo para todo e qualquer operador do direito, em especial para o jurisdicionado.

Pensou-se, inicialmente, em promover uma completa reformulaçã o do Código de Processo Civil, mediante o envio de um novo projeto ao Congresso Nacional. Viu-se de antemão a inviabilidade de assim proceder, em face da demora que haveria na sua aprovação.

Como o Código de Processo Civil sempre foi festejado como uma das principais obras de arquitetura jurídica do Século XX, a sugestão acatada foi a de se promover reformas pontuais, detectando os pontos de estrangulamento da prestação jurisdicional, para ali se promover as alterações necessárias. E foi o que ocorreu com as Leis
8.950, 8.951 e 8.952, todas de 13 de dezembro de...

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