Cumprimento da sentença condenatória

AutorHumberto theodoro júnior
Ocupação do Autordesembargador aposentado do tribunal de justiça de minas gerais. professor titular aposentado da faculdade de direito da ufmg. doutor em direito
Páginas795-818

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524. A noção de sentença condenatória perante as novas técnicas de cumprimento dos julgados

A história da execução do título judicial construiu-se em torno da sentença condenatória, embora no estágio atual já não perdure, em caráter absoluto, como veremos adiante, um vínculo exclusivo entre o cumprimento forçado e aquela modalidade de sentença. A estrutura da sentença condenatória, contudo, é importante para compreender o procedimento utilizado na execução forçada dos títulos formados em juízo.

As obrigações, no plano do direito material, correspondem a vínculos jurídicos que conferem a um dos seus sujeitos o poder de exigir do outro determinada prestação. A não realização da prestação devida, por parte do sujeito passivo, é que se apresenta como o objeto da pretensão que a sentença condenatória tem de enfrentar e solucionar.

Por trás dessa modalidade de sentença, portanto, está sempre uma crise na relação obrigacional, pois o credor, para ter seu direito subjetivo satisfeito, depende de ato do devedor. O inadimplemento provocado pelo comportamento omissivo do devedor é "uma crise de cooperação", como explica Proto Pisani1.

É para enfrentar essa crise que a sentença define a prestação a que o demandado fica sujeito a realizar para restaurar ou prevenir o direito subjetivo violado ou ameaçado. No pensamento de Proto Pisani não é necessário que a sentença prepare uma execução forçada para ser havida como condenatória; basta que formule a regra concreta a ser observada por quem violou ou ameaçou o direito de outrem. Essa injunção ditada em face do causador da "crise de falta de cooperação" é que justifica e explica a condenação

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a ser cumprida pelo ofensor do direito subjetivo alheio2. A atividade jurisdicional não fica, portanto, limitada ao acertamento de direito e obrigação, entra a predispor remédios tendentes a permitir a ulterior intromissão do órgão judicial na esfera jurídica do condenado, invasão essa que poderá assumir o feitio de verdadeira execução forçada ou de medidas coercitivas de várias modalidades, todas, porém, tendentes a provocar o cumprimento da prestação definida no acertamento condenatório.

A intervenção judicial no âmago dessa crise se dá para sujeitar o devedor às consequências do inadimplemento. A sentença condenatória acerta (declara) não só a existência do direito subjetivo do credor, como a sanção em que o inadimplente está incurso, ou seja, define também a prestação que haverá de ser realizada pelo condenado em favor da parte vencedora no pleito judicial3.

Como o vencido pode não realizar espontaneamente a prestação que lhe cabe, e como a sentença não é apenas um parecer, mas um comando de autoridade, reconhecese que lhe corresponde a função de fonte da execução forçada. O condenado não poderá impunemente abster-se de cumprir a condenação, pois o órgão judicial, diante do definitivo acertamento da situação jurídica dos litigantes, tomará, em satisfação do direito reconhecido ao credor, as providências necessárias para forçar a realização da prestação definida na sentença.

Antigamente, tinha o credor de instaurar sempre um novo processo (processo de execução), por meio do exercício de uma nova ação (a ação de execução de sentença) para fazer atuar a tutela jurisdicional até suas últimas consequências4. A efetividade da jurisdição, para o credor, não era alcançada no processo de conhecimento, pois ficava na dependência de novo processo posterior ao encerramento da relação processual cognitiva.

Como, em alguns casos, a lei permitia a expedição do mandado de cumprimento da sentença, de imediato, sem necessidade de movimentação da ação executiva autônoma, construiu-se uma teoria segundo a qual seriam de naturezas distintas (a) a sentença condenatória (exequível por meio de nova ação - a ação executiva), e (b) a sentença executiva lato sensu e a sentença mandamental (estas exequíveis por simples mandado, dentro da mesma relação processual).

A distinção era, porém, equivocada. Pelo objeto, não havia distinção entre os dois grupos de sentenças. Todos se referiam a acertamentos de direitos violados e de

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sanções correspondentes. A diferença não estava no ato de sentenciar, mas apenas na forma de operar os efeitos condenatórios.

Quando se classificavam as sentenças em declaratórias, constitutivas e condenatórias sempre se levava em conta o objeto (o conteúdo do ato decisório). Já quando se cogitou das sentenças executivas ou mandamentais, o que se ponderou foram os efeitos de certas sentenças. Não pode, como é evidente, uma classificação ora lastrear-se no objeto ora nos efeitos, sob pena de violar comezinha regra de lógica: toda classificação deve compreender todos os objetos do universo enfocado e deve observar um só critério para agrupar as diversas espécies classificadas.

Pode haver, portanto, classificação por objeto e classificação por efeitos. Não pode, todavia, admitir-se como correta uma classificação que utiliza, para formação de alguns grupos de elementos, o critério do conteúdo e, para outros, o dos efeitos5.

Isto levaria, fatalmente, a superposições e conflitos entre as espécies irregularmente agrupadas.

Na verdade, uma sentença condenatória (segundo seu objeto ou conteúdo), tanto pode ser de efeito imediato como diferido, sem que isto lhe altere a substância. A diferença levaria não a comprometer-lhe o caráter condenatório, mas apenas o comportamento posterior a seu aperfeiçoamento. No plano dos efeitos é que a diferença se registraria. Aí, porém, o que estaria em jogo não seria mais o interior do ato (seu conteúdo) e, sim, o seu exterior (os seus efeitos).

Assim, à luz do critério censurado, a sentença que ordena a entrega de coisa até recentemente era sentença condenatória, cuja execução se dava pelo processo da actio iudicati. Depois da Lei nº 10.444, de 07.05.2002, que introduziu o art. 461-A no CPC/1973, teria adquirido a natureza de sentença executiva já que passou a ser exequível sem depender da actio iudicati. Houve, porém, alguma alteração em seu conteúdo ou objeto? Nenhuma. Seu cumprimento (ato externo e ulterior) é que mudou de critério operacional.

Posteriormente, com a reforma arquitetada pela Lei nº 11.232, de 22.12.2005, todas as sentenças passaram a um regime único de cumprimento e nenhuma delas dependeria mais de ação executiva separada para ser posta em execução. Teria sido extinto algum tipo de sentença quanto ao objeto ou conteúdo? Nenhum. As sentenças, como sempre, continuaram a ser, segundo o conteúdo, declaratórias, constitutivas e condenatórias6.

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Assim, após as profundas reformas da execução, passou a não mais haver, na sistemática do CPC/1973, distinção entre as sentenças condenatórias. Todas passaram a ser de cumprimento independente de ação executiva autônoma. Todas se realizavam por meio de mandado expedido após sua prolação, na mesma relação processual em que se formou a sentença. O sistema, portanto, passou a ser o da executio per officium iudicis e não mais o da actio iudicati. Em regra, ação autônoma de execução somente continuou a existir para os títulos extrajudiciais.

525. Cumprimento de sentença e contraditório

Embora tenha sido abolido do direito processual civil brasileiro a ação autônoma de execução de sentença, transformando-a em simples incidente do processo em que a demanda foi acolhida, não há como recusar ao executado a garantia do contraditório e da adequada defesa.

É evidente o reconhecimento ao devedor de opor-se ao cumprimento de sentença, não pelo clássico remédio dos embargos à execução, mas por meio de simples petição destinada a acusar ilegalidades, excessos ou quaisquer irregularidades ocorridas, sejam pertinentes ao mérito ou às formalidades procedimentais, quando dos atos executivos postos em prática7.

526. Necessidade de requerimento do exequente

O novo Código agora deixa expressa a necessidade de requerimento do exequente para se dar início ao cumprimento da sentença que reconhece o dever de pagar quantia certa, seja provisório ou definitivo (NCPC, art. 513, § 1º). Rejeita-se, desta forma, o início do cumprimento da sentença por impulso oficial do juiz. Uma vez, porém, requerido o cumprimento do julgado, pode essa atividade satisfativa prosseguir até as últimas consequências por impulso oficial.

O art. 775 do NCPC, repetindo norma que já constava do art. 569 do CPC/73, proclama que "o exequente tem o direito de desistir de toda a execução ou de apenas alguma medida executiva". Nisso consiste o clássico princípio da livre disponibilidade

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da execução pelo credor, do qual decorre a necessidade de esperar dele a iniciativa da atividade processual executiva, contemplada no § 1º do dispositivo sub examine.

Nota-se, contudo, que o novo Código, que foi expresso quanto à matéria na disciplina do cumprimento de sentença relativa a obrigação de quantia certa, silenciou-se, a seu respeito, quando regulou a execução de sentença relacionada às obrigações de fazer, não fazer e entregar coisas. O que permite a conclusão, já adotada em doutrina, de que nessas últimas hipóteses, a diligência de fazer cumprir a condenação seria um consectário automático da própria sentença, a dispensar qualquer impulso da parte vencedora8.

Invoca-se para sustentar essa tese a previsão do art...

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