Cultura grega da antiguidade: aspectos filosóficosociológico-políticos

AutorMoacyr Motta da Silva
CargoDoutor e Mestre pela Universidade Federal de Santa Catarina
Páginas71-85

Moacyr Motta da Silva1

Page 71

1 Introdução

O estudo que ora realizamos visa aos seguintes objetivos: revisitar aspectos históricos, políticos, sociais, culturais considerados relevantes na era do pensamento da Grécia da Antiguidade2 . Entre os temas propostos destacam-se ligeiras passagens sobre estratificação da Sociedade; oPage 72 Trabalho Humano e a Condição Social; o cenário da organização política da Polis3 ; o pensamento filosófico; a Religião; o surgimento da filosofia; a Filosofia Pré-socrática; a Filosofia Clássica. Reconhecemos que o estudo ora desenvolvido não tem a preocupação de esgotar qualquer dos temas selecionados. Conforta-nos, por outro lado, sabermos que os âmbitos ora tratados constituem alguns dos principais que iluminam a Filosofia do Direito. Por fim, reexaminamos a temática da cultura da Grécia da Antiguidade, com vistas ao enriquecimento da concepção do Direito da Pós-Modernidade. A significação do pensamento da cultura helênica da Antiguidade, a cada geração que se sucede, mostra-se atual e jamais ultrapassada. O estudo da filosofia tratado neste capítulo refere-se ao pensamento do mundo ocidental. O estudo do pensamento grego selecionado para o presente trabalho, compreende breves aspectos da cultura da antiguidade. Com este recorte metodológico, os pensadores pesquisados, os temas, as reflexões compreendem o tempo que inicia no século VI antes de Cristo e vai até o século VI depois de Cristo.4 O marco temporal estabelecido não constitui regra rígida, podendo variar para mais ou para menos dentro dos dados pesquisados. As linhas de pensamento focalizadas em cada um dos filósofos estudados representam, para o presente trabalho, espécies de focos de luminosidade. O estudo busca fundamentos para uma nova visão do Direito da Pós- Modernidade. Estas luzes refletidas são como minúsculas estrelas que brilham no firmamento. Por exemplo, no Direito da Pós-Modernidade, o estudo sobre a conduta do Homem nas relações do setor público ou do privado, do ponto de vista da moral, mostra-se incompleto se deixarmos de buscar seus fundamentos nas teorias éticas de Aristóteles. Do mesmo modo, a ciência genética que se ocupa da manipulação de embriões humanos; de células-tronco e de transgênicos, encontra-se num impasse ético por pretender separar a ciência médica de fundamentos da ética. Em igual impasse se mostra o estudo em torno da idéia de Democracia, sem enlaçá-la com as teorias de Platão. Temas ligados à Pós-Modernidade, nos domínios da Antropologia e da Sociologia que se dedicam ao estudo da mudança, da renovação do Homem, na busca de novos meios de convivência, têm raízes na filosofia da clássica Grécia Antiga. Cita-se, neste particular, a teoria de Michel Maffesoli, cuja linha de pensamento propõe revisão do estudo do Ser, como desejo voluntário de quebrar paradigmas existenciais, com vistas à renovação do espírito. Ou seja, todo movimento renovatório do chamado fenômeno do nomadismo5 . A filosofia de Michel Maffesoli por certo encontrará raízes nos ensinamentos de Platão, no diálogo "O Homem no Estado de Natureza"6 . A breve amostra deste plano de pesquisa tem, igualmente, a intenção de estimular o operador do direito a compartilhar com o estudo da Filosofia do Direito, reconhecendo-se que esta área de saber não pode ser pensada, discutida, sem o conhecimento dos fundamentos de pensadores da Filosofia da Grécia da Antiguidade. O autor revela que, diante de pesquisa realizada em obras que tratam da História da Filosofia, não encontrou certa unidade de classificação quanto às Escolas ou linhas do pensamento filosófico. Cada tratadista pesquisado elabora a classificação, segundo seu ângulo de observação. Diante desta circunstância, optamos pela elaboração de certa classificação que reúna, de forma didática, alguns dos principais pensadores, segundo suas épocas. Do ponto de vista metodológico, a produção de artigo temático observa o limite de texto. Para não quebrar a regra, o autor procurará abordar os temas, mediante síntese de idéias. Diante de recomendações de ordem metodológicas, a riqueza temática do presente estudo não autoriza que penetremos em certas particularidades de cada assunto tratado.

2 A estratificação da Sociedade7

A Grécia da Antiguidade, do ponto de vista da estratificação da Sociedade, apresentava classes distintas. Significativa parcela da população que habitava o solo da Grécia se constituía de estrangeiros. Entendia-se por estrangeiro a pessoa originária de outros povos que passava a habitar as terras gregas. Do ângulo da estratificação social da polis, o estrangeiro era reconhecido como escravo. Em tal condição, não desfrutava dos direitos políticos, ou seja, faltava-lhe o direito de participar da vida política da polis. Na condição de escravo, dedicava-se ao trabalho na cidade ou no campo ou às atividades de manufaturas. Amplo era o rol de ocupações do trabalho escravo. Entre outras, destacam-se as de mineiro, de auxiliar do comércio, incluindo-se as ligadas ao trabalho pré-industrial, como a produção de lampiões, roupas e artefatos de armas8 . A seguinte classe encontrada na estratificação social da Grécia representava-se pelo meteco9. Trata-se da figura do estrangeiro, da categoria de escravo, que adquiria parte da liberdade política e se tornava parcialmente, cidadão10 . A polis de Atenas não proibia que o escravo adquirisse o direito de gozar da cidadania parcial. Ao contrário, Atenas parecia receptiva ao estrangeiro. O meteco e sua família era convidado a participar de importantes celebrações na polis11 .

Page 73

Para conquistar, parcialmente, a cidadania, o escravo precisava demonstrar a existência de trabalhos considerados relevantes. Mediante o processo de reconhecimento da cidadania, o escravo passava à condição de meteco. Nessa condição, era homenageado, tanto em sessão solene individual ou coletiva. O meteco não gozava dos direitos políticos plenos, como, por exemplo, a participação de assembléia de cidadãos (dêmos)12 . Essas restrições não impediam que por motivo de necessidade política fosse chamado à assembléia para prestar informações de interesse da polis13 .

Do cidadão. A principal população da Grécia da Antiguidade, ainda que quantitativamente menor, compunha-se de cidadãos. Considerava-se cidadão, a condição ter nascido na Grécia, ter pai e mãe cidadãos gregos14 . O cidadão podia exercer mais de uma ocupação, por exemplo, a de agricultor e a de soldado. O jovem de Atenas, do sexo masculino, após adquirir a maioridade, submetia-se a escrutínio, espécie de exame para a cidadania. Uma das primeiras obrigações perante a polis, consistia na prestação do serviço militar. Somente após completar trinta anos de idade, o cidadão do sexo masculino passava a freqüentar as Assembléias da polis, com o direito de ocupar funções públicas15 . Apenas o cidadão do sexo masculino podia ser proprietário de prédios e de terras. A mulher, via de regra, dedicava-se às atividades domésticas16 . Não gozava do direito de participar da vida política da polis17 . Na mitologia e na encenação cômica aparece a mulher com o direito de participar de assembléia política (dêmos)18 . A assunção ocorria por três dias, período no qual a mulher assumia a direção da polis. Tratava-se dos festejos das Tesmoforias19 . Reuniam-se em acampamento próprio utilizado pelo cidadão do sexo masculino. Durante as encenações, as mulheres escolhiam as que representariam no festival. Esses dados revelam que apenas na mitologia e no teatro cômico as mulheres gozavam do direito de participar de Assembléia (dêmos)20 .

A riqueza de certa parcela dos cidadãos originava-se da exploração de metais, como a prata, o chumbo, o ouro e o ferro21 . Os cidadãos ricos exerciam influência ponderável nas atividades políticas. Pequeno número de cidadãos desfrutava de riqueza, sendo a maioria deles, pessoas pobres22 . Enquanto a classe pobre necessitava trabalhar em tempo integral para se sustentar, a classe abastada vivia do comércio, da indústria extrativa de minerais como o chumbo, o cobre23 . A massa de pobres na Grécia se constituía de escravos e de gregos (homens, mulheres e crianças). Do ponto de vista de condições de vida, tanto os escravos quanto os gregos encontravam-se no mesmo nível de carência, tais como de trabalho, de habitação, de alimentos e de proteção à saúde. A riqueza concentrava nas mãos de uma minoria de cidadãos gregos. Em segundo plano, igualmente, pequena parcela da riqueza achava-se nas mãos dos metecos. A desigualdade de condições de vida do povo que habitava o solo da Grécia mostrava, em cores fortes, o desapreço pelos governantes em relação aos seus governados.

3 O Trabalho humano e a condição social

O trabalho humano examinado na cultura da Grécia da Antiguidade constitui um modelo a não ser seguido por nenhuma civilização culta. Significativa parcela da classe rica grega inspirada na crença de Zeuz24 , não concebia o trabalho pesado, duro, senão pelo escravo, o estrangeiro25 . Ao contrário de outros como Hesíodo26 e Sólon27 , que sustentavam representar o trabalho o caminho para uma prosperidade moralmente justa. Em regra o escravo era negociado nos mercados populares, como objeto de trabalho. Na polis havia também o escravo público28 . Constituía-se de modalidade especial de mão de obra escrava. Os dirigentes da polis compravam o escravo para formar a força policial destinada a manter a ordem nas reuniões da assembléia.29 Releva notar que essa classe de escravo, por assumir a função de guardião público, desfrutava de...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT