A cruz versus a espada: a resistência do ceas durante a ditadura militar

AutorGrimaldo Carneiro Zachariadhes
Páginas31-46
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A CRUZ VERSUS A ESPADA: A RESISTÊNCIA DO CEAS DURANTE A DITADURA
MILITAR
Grimaldo Carneiro Zachariadhes
RESUMO: Neste artigo será estudada a resistência do CEAS aos militares durante a
ditadura militar. Procurarei demonstrar que a oposição do CEAS, diferentemente de
outros setores da esquerda baiana, começou a se destacar a partir dos Anos de Chumbo.
Através, principalmente, dos Cadernos do CEAS uma revista da instituição que
começou a ser publicada a partir de março de 1969 -, os membros do Centro Social
denunciaram o caráter autoritário e a violação dos direitos humanos promovidos pelo
Governo e criticaram o modelo econômico excludente dos militares. E, durante toda a
ditadura, o CEAS acabou se tornando um local de aglutinação das esquerdas e dos
Movimentos Sociais que lutassem pela volta ao Regime democrático e por melhores
condições de vida.
A partir do Pós-2ª Guerra Mundial, a Companhia de Jesus, Ordem fundada por
Inácio de Loyola no século XVI, passou por grandes mudanças. Os inacianos em todo o
mundo, com a intenção de aumentar sua influência dentro da sociedade, se
comprometeram mais com os problemas do seu tempo. A partir principalmente da
segunda metade do século XX, os jesuítas começaram a priorizar em seu trabalho
apostólico as questões sociais. Os inacianos viam os problemas sociais como um
empecilho para a evangelização da sociedade e por isso trabalharam para ajudar a
solucioná-los.
Um instrumento adotado pela Companhia de Jesus para enfrentar os problemas
sociais nesse período foram os Centros de Informação e Ação Social (CIAS). Esses
Centros tinham como objetivo difundir a Doutrina Social da Igreja e também ser um local
de reflexão sobre as questões sócio-econômicas de um determinado lugar e que tentava
ajudar os inacianos (e a sociedade) na superação dos problemas mostrando as causas e
os meios para isto. Em Salvador, foi fundado o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS)
pelos jesuítas que formavam a vice-província da Bahia, na década de 1960. O CEAS se
desenvolveu durante o período em que o país vivia sob uma ditadura militar e a instituição
acabou se destacando na resistência aos militares no estado.
A partir de março de 1969, o CEAS começou a publicar uma revista que foi
chamada de Cadernos do CEAS que reflete bem o pensamento da instituição. Os
Cadernos nasceram como uma forma da instituição poder analisar a realidade do Brasil
naquele momento, e entender as transformações que o país passava em um período de
crescimento acelerado da economia. Entretanto, surgiram, também, como uma maneira
de reagir aos militares, como afirmou Joviniano Carvalho Neto, os Cadernos do CEAS
“por terem surgido no período ditatorial, foram muito orientados pela luta contra o regime
autoritário, utilizando a força das idéias” (CEAS, 1994:15).
Do Golpe Militar aos Anos de Chumbo
Como é de conhecimento geral, em 31 de março de 1964, os militares derrubaram
o presidente da República, João Goulart, que acabou se exilando no Uruguai e com isso
enterraram definitivamente as chamadas “Reformas de Base” defendida pelo presidente
e por vários setores da sociedade. Logo após o Golpe militar começou uma violenta
repressão às esquerdas. A sede da União Nacional dos Estudantes (UNE) foi queimada,
universidades invadidas e integrantes das Ligas camponesas, da Ação Popular e do
Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) perseguidos e presos, além da cassação dos
direitos políticos de várias pessoas.
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A repressão, no contexto baiano, do pós-Golpe, também foi intensa. A residência
universitária da Universidade da Bahia foi invadida e 45 estudantes e 2 funcionários
presos (Brito, 2003:36). A sede do Jornal da Bahia também foi invadida e matérias do
periódico que sairia naquele dia foram censuradas (Gomes, 2001:11). A sede do
SINDIPETRO – Sindicato dos petroleiros foi tomada por forças combinadas da Polícia
militar e do Exército (Oliveira jr.,1995:175-179). Os prefeitos de Salvador, Vitória da
Conquista, Feira de Santana e de Ilhéus foram depostos dos seus cargos.
Porém, é importante lembrar que amplos setores da sociedade baiana legitimaram
o Golpe Militar. Nos jornais da época, existem inúmeras manifestações de vários grupos e
entidades aprovando a deposição de João Goulart pelos militares. A Associação
Comercial da Bahia cumprimentava o Movimento que salvou o país da “iminente ameaça
de sua comunização” e “uma delegação de senhoras cristãs” homenageava o
comandante da 6ª Região Militar pela “maravilhosa campanha que se processou com
tanta eficiência” afigurando “um milagre de Deus por intermédio das Forças Armadas”. O
Conselho Universitário da Universidade da Bahia, também, congratulava-se “com as
gloriosas Forças Armadas pela nobre e serena atitude que assumiram na preservação
dos legítimos anseios do povo brasileiro” (Brito,2003:40).
O jornal Semana Cat ólica da arquidiocese de Salvador afirmava que “veio mais
uma vez o glorioso exército de Caxias, com seu patriotismo (...) salvar-nos do caos
econômico, político e religioso em que nos queriam afundar”. E, o próprio Cardeal D.
Augusto Álvaro da Silva declarava que tinha sido “Deus” que tinha feito “as gloriosas
Forças Armadas do Brasil ouvirem e realizarem os anseios da alma nacional”. O apoio
que os militares receberam desses vários setores da sociedade foi fundamental para a
consolidação do Golpe. E a “Marcha da Família com Deus pela Democracia” que em
Salvador ocorreu, em 15 de abril, foi o coroamento destas manifestações de apoio. Um
jornal chegou a afirmar que cerca de duzentas mil pessoas participaram do evento e
estampou como manchete: “Toda a Bahia vibrou numa explosão de civismo”.
E, como os jesuítas que formaram o CEAS, na sua maioria estrangeiros
(principalmente italianos), reagiram naquele momento? O padre Cláudio Perani afirmou
que nem aprovou ou desaprovou a intervenção dos militares: “Naquela época eu ainda
não tinha uma grande consciência da realidade política brasileira”. O padre César
Galvan, no momento do Golpe, estava estudando na Europa e assistiu “apreensivo” a
notícia da intervenção dos militares. O padre Francisco Barturen afirmou que, apesar de
não ter feito nenhuma resistência explícita aos militares, não apoiou a derrubada de um
regime democrático.
A partir de 1966, começavam a crescer as manifestações de oposição ao Regime
militar na Bahia. Depois do desmantelamento das esquerdas no pós-Golpe, voltavam a
estourar em Salvador, manifestações lideradas pelos estudantes – secundaristas e
universitários – que demonstravam a reorganização do Movimento Estudantil depois das
perseguições de 1964. O Movimento Estudantil baiano se destacava, nesse momento, na
oposição ao Regime Militar, promovendo várias passeatas, greves, manifestações e
tendo de enfrentar a polícia na rua em diversas ocasiões. Lutando pelos seus direitos e
por maior liberdade, os estudantes na Bahia (e no Brasil) entraram em choque com o
Governo militar (Brito, 2003 e Benevides, 1999).
O ano de 1968 foi crucial no enfrentamento das oposições ao Regime militar.
Multiplicavam-se pelo Brasil manifestações públicas contra os militares. Esse momento
foi de grande efervescência política e durou até a promulgação do Ato Institucional n° 5
(AI-5), em 13 de dezembro de 1968. Com esse Ato Institucional, os militares
endureceram ainda mais a repressão. Com o AI-5, as liberdades individuais foram
restringidas e as manifestações públicas de oposição não seriam mais toleradas.

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