Ação civil pública em face da crueldade praticada pelo centro de controle de Zoonoses de Aracajú (Sergipe)

AutorSandro Luiz da Costa
CargoPromotor de Justiça do Meio Ambiente em Aracajú (Sergipe)
Páginas369-384

Ver nota 1

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EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CIVIL DA COMARCA DE ARACAJU

"O dia em que o homem conhecer o íntimo dos animais, todo crime realizado contra um animal, será um crime contra a humanidade." Leonardo da Vinci.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE, através de seu Promotor de Justiça que esta subscreve, vem, respeitosamente, perante Vossa Excelência, com fulcro nos artigos 127, caput, in fine e 129, inciso III, da Constituição Federal, 118, inciso III da Constituição Estadual, na

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Lei 7.347/85 e Lei Complementar Estadual 02/90, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA em face do Município de Aracaju, pessoa jurídica de direito público, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor:

1. Dos fatos

A Promotoria de Justiça Especializada do Meio Ambiente de Aracaju recebeu representação da Associação Sergipana de Proteção Animal (ASPA), no dia 19 de julho de 2005, no sentido de que o Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), órgão subordinado à Secretaria Municipal da Saúde de Aracaju, estava sacrificando todos os animais capturados por aquele órgão, fossem portadores de doenças incuráveis ou não.

O CCZ, por sua vez, informou, através de sua representante, que estava praticando "eutanásia" dos animais capturados não vacinados, mesmo daqueles animais sãos, com fundamento na Lei Municipal 1968/ 93, que dispõe em seu artigo 127:

"Os animais encontrados soltos nas vias e nos logradouros públicos serão apreendidos, recolhidos em canis públicos e sacrificados após o prazo de 2 (dois) a 5 (cinco) dias a critério das autoridades de saúde competentes".

Realizada audiência pública (fls. 23/24), os representantes do CCZ ratificaram a informação acima e a completaram informando que estavam realizando a "eutanásia", no prazo de 72 horas, de todos os animais capturados que não tivessem comprovação vacinal, fundamentando tal procedimento radical em virtude da constatação de um caso de raiva2, ocorrido em maio de 2005, em Nossa Senhora do Socorro, de forma, que, para o bem da saúde pública, tal procedimento seria o mais eficiente

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no combate à propagação dos casos de raiva neste município, seguindo inclusive orientação do Ministério da Saúde (fls. 26/50):

"Sobretudo em áreas endêmicas, impõe-se a necessidade da constituição de serviço de apreensão rotineira de cães errantes. É estimado que se deva recolher anualmente 20% da população canina estimada aos canis públicos, onde devem permanecer por prazo não superior a 72 horas -para serem resgatados por seus donos. Passado esse prazo, serão doados às instituições de ensino biomédico ou SACRIFICADOS. O sucesso no controle da raiva canina depende de uma cobertura vacinal de, no mínimo, 80%. A estratégia a ser adotada nas campanhas de vacinação em massa pode ser do tipo casa a casa, postos fixos ou mistos (casa a casa + postos fixos), a critério de cada município" (Guia de Vigilância Epidemiológica. FUNASA. Ministério da Saúde. Vol. II . 5º Ed. Brasília. Agosto de 2002 (fls. 42/43).

Nesta mesma audiência, informou a representante da CCZ que não era realizada uma captura sistemática de animais, mas apenas daqueles em que as pessoas solicitassem a atuação do Órgão.

Na tentativa de se esgotarem as possibilidades de resolução extrajudicial da questão, realizou-se visita pelo Ministério Público ao Centro de Controle de Zoonoses, onde a questão foi debatida diretamente com o Secretário Municipal de Saúde, o qual apoiou a política de saúde pública adotada pela Coordenadora do CCZ, permanecendo o procedimento de sacrifício dos animais capturados.

2. Dos fundamentos:

A Carta Magna, ao dispor em seu artigo 225 que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

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povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações", especifica, em seu parágrafo primeiro, que para assegurar o meio ambiente incumbe ao Poder Público:

"VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade".

Erigindo assim, a fauna como bem constitucionalmente protegido. Também, nesta esteira de pensamento, os casos mais graves de ofensas à integridade física dos animais foram tipificados como infração criminal, conforme se observa do artigo 32 da Lei 9605/1998:

"Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa".

A própria Lei Orgânica do Município de Aracaju, diante da importância do assunto, dispõe em seu artigo 261 que:

"Cabe ao Poder Municipal, entre outras atribuições:

VIII - proteger a fauna e a flora, vedadas as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade, fiscalizando a extorsão, a captura, a produção, o transporte, a comercialização e o consumo de seus espécimes e subprodutos".

Das normas acima expostas, chega-se à simples conclusão de que a fauna é protegida não somente pela constituição da república, mas também por normas infraconstitucionais, assim como o é a vida humana. Entretanto, sendo necessário o sacrifício daquela para a proteção desta, evidentemente sobressai-se esta - a vida humana, mas somente quando não restarem outras alternativas para a proteção desta, sob pena de desrespeito à Carta Magna e conseqüente violação aos direitos dos animais.

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Observe-se que, no presente caso, a fundamentação da política de saúde pública municipal combatida na presente ação, baseia-se na premissa de que não existem outras alternativas viáveis para controle da raiva e outras zoonoses (doenças transferidas pelos animais aos homens) que não seja a eliminação sistemática de todos os animais sem comprovação vacinal ou não reclamados levados ao CCZ, mesmo naqueles casos em que o animal esteja sadio ou seja portador de doença curável.

Vale dizer que o ponto controvertido na presente questão versa sobre a existência ou não de medidas alternativas eficientes de controle de zoonoses que não levem ao sacrifício preventivo dos animais capturados.

Os métodos recomendados pelo Ministério da Saúde para prevenção da raiva (hidrofobia), conforme guia de Vigilância Epidemiológica, juntado aos autos e referido acima, baseiam-se nos seguintes aspectos:

"8.4 AÇÕES DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE

Orientar o processo educativo no programa de eliminação da raiva urbana e no de controle da raiva canina, tendo como ferramentas básicas a participação e a comunicação social, devendo ser necessariamente envolvidos serviços e profissionais de saúde, escolas, proprietários de animais de estimação e população em geral.

· Estimular a posse responsável de animais;

· Desmistificar a castração dos animais de estimação;

· ...;

· Estimular a imunização anti-rábica animal".

8.5 ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO

O tratamento profilático de pessoas agredidas previne a ocorrência de novos casos.

Assim o tratamento adequado é de suma importância para a eliminação da raiva humana. Lembrar que pessoas sob risco devem tomar a vacina para evitar a doença.

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A vacinação, periódica e rotineira de 80% dos cães e gatos, pode quebrar o elo da cadeia epidemiológica, impedindo que o vírus alcance a população, interrompendo assim o ciclo urbano da raiva.

A captura de animais e o envio de amostras ao laboratório ajudam no monitoramento da circulação do vírus.

A eliminação de 20% da população canina visa reduzir a circulação do vírus entre os cães errantes, já que dificilmente conseguese vaciná-los, tornando-os fundamentais para a persistência da cadeia de transmissão". (grifou-se).

Assim, vê-se claramente que há orientação expressa, conforme destacado acima, no sentido da eliminação sistemática de 20% da população canina como uma das formas de controle da raiva, acompanhada, principalmente, do controle de natalidade da população canina através da esterilização (castração), campanhas maciças de vacinação e política educativa de estimulação da posse com responsabilidade aos donos dos animais domésticos.

Vale ressaltar que de todas as zoonoses, a política mais drástica e que tem mais preocupado os responsáveis pela saúde pública é a raiva, em função da alta letalidade desta doença, razão pela qual, segundo a política adotada e combatida, a...

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