Criticism of legal subjectivity in Lukacs, Sartre and Althusser/Critica da subjetividade juridica em Lukacs, Sartre e Althusser.

Autorde Almeida, Silvio Luiz
CargoTexto en portugues - Georg Lukacs - Jean-Paul Sartre - Louis Althusser - Ensayo

Introducao

A subjetividade juridica e o resultado de um processo historico que culminou em profundas transformacoes sociais. Como nos conta Michel Villey, ainda que o termo "direito subjetivo" tenha surgido apenas no seculo XIX, "a nocao de direito concebido como atributo de um sujeito (subjectum juris) e que so existiria para beneficio desse sujeito, remonta pelo menos ao seculo XIV" (1). Trata-se de mudanca bastante significativa em relacao ao modo de conceber o direito antes do advento da modernidade: passa-se do direito como atribuicao--dai sendo a distribuicao a arte do jurista--para o direito considerado como aquilo que e uma faculdade ou qualidade de um individuo (2).

O modo com que os filosofos modernos concebem o direito deita raizes profundas nas filosofias que desde o seculo XIV ja valorizam o individuo, seja do ponto de vista politico, seja do ponto de vista epistemologico. Comecando pelo nominalismo do franciscano Guilherme de Ockham, passando pelo Cogito cartesiano e o contrato social de Hobbes, ate o sujeito transcendental de Kant, tem-se uma trajetoria que coloca o individualismo e, mais apropriadamente, o sujeito, no centro do pensamento juridico e politico.

O direito subjetivo e, portanto, um conceito que tem funcao operativa e ideologica, ou seja, visa a estabelecer as condicoes necessarias para a realizacao de certas atividades, a partir da apresentacao de um conjunto de conteudos normativos (3), algo fundamental em uma sociedade lastreada na troca mercantil (4).

Dada a importancia do conceito de subjetividade juridica para toda a teoria do direito, varias seriam as abordagens possiveis, desde as analiticas--inspiradas na teoria pura do direito de Kelsen--ate aquelas a que poderiamos denominar como criticas--que, por sua vez, buscam estabelecer as limitacoes teoricas das diversas definicoes de subjetividade juridica ou de alguma definicao em especifico. Neste artigo, trataremos com especial atencao, do "problema do sujeito" no ambito juridico sob a forma de um balanco critico das abordagens feitas por tres dos principais autores da tradicao marxista no seculo XX: Georg Lukacs, Jean-Paul Sartre e Louis Althusser.

Em Historia e Consciencia de Classe (5), livro considerado o ponto de partida do "marxismo ocidental", Lukacs estabelecer um vinculo entre a teoria do conhecimento e as relacoes sociais no capitalismo. Tendo como preocupacao primordial a construcao de uma teoria da acao politica capaz de superar a subjetividade racionalista herdada do pensamento moderno e o mecanicismo do chamado marxismo vulgar, Lukacs faz uma leitura inovadora de Marx e de Hegel, recolocando a relacao sujeito/objeto sobre fundamentos materiais. Ja em sua obra de maturidade, a Ontologia do Ser Social, Lukacs busca compreender os aspectos mais profundos da sociabilidade humana, tarefa que o leva a empreender uma analise daquilo que denomina de complexo de complexos, ou seja, da articulacao das esferas ontologicas (inorganica, organica e social) que determinam o "ser social" (6). Nesse sentido, a passagem de uma esfera a outra se da pela mediacao do trabalho, processo de generalizacao em que a totalidade social e composta pela sintese de multiplos atos singulares (7).

Pode-se afirmar que a obra de Jean-Paul Sartre e resultado de preocupacoes politicas bastante proximas as de Lukacs. O tema da acao politica e a constatacao de que as alternativas desenhadas pela filosofia moderna tradicional e pelo marxismo "hipostasiado" pela teoria do reflexo e pelo estalinismo fez com que Sartre, ao longo de toda sua obra, empreendesse um tenso debate entre as "filosofias da subjetividade"--como e o caso de Descartes e Husserl--e as tradicoes filosoficas inauguradas por Hegel, Marx e Heidegger. Tal dialogo, que marcou os muitos periodos da obra de Sartre, se deu em prol de uma apreensao critica da interacao entre o individuo e o mundo (8).

E importante destacar que outros importantes autores ao longo do seculo XX, das mais diferentes posicoes, debrucaram-se sobre a ideia de sujeito e apontaram vigorosamente as suas contradicoes. O ja mencionado Martin Heidegger e a fenomenologia existencial; Michel Foucault e seus projetos arqueologico e genealogico; Jacques Lacan, sua releitura da psicanalise freudiana e a "subversao do sujeito"; toda a tradicao estruturalista e pos-estruturalista; sao apenas alguns exemplos deste longo debate que ate hoje agita a filosofia, com repercussoes importantes para todos os campos do conhecimento.

Assim, a escolha de Lukacs, Sartre e Althusser como horizonte teorico a ser explorado deve-se, fundamentalmente, a dois motivos:

1) O primeiro e a possibilidade de contato com diferentes perspectivas criticas de analise do problema do sujeito e da subjetividade: enquanto Lukacs e Sartre, apoiados em Hegel e nos autores da fenomenologia (Husserl, Heidegger e Hartmann), apontam para um processo que visa a superacao do "sujeito abstrato" por um "sujeito historico", Althusser denuncia os limites epistemologicos e politicos de todas as "filosofias do sujeito"--que estariam irremediavelmente presas aos estreitos horizontes do modo de producao capitalista.

2) O segundo e o modo com que estes autores procuram desvendar filosoficamente a relacao estrutural entre a politica, o direito e a logica da reproducao economica. Dai o intenso dialogo com o marxismo e suas tradicoes, pois com Marx evidencia-se o parentesco entre o Estado moderno, a subjetividade juridica e as formas de sociabilidade que constituem o capitalismo (9).

Sabendo-se que a critica operada por estes autores tem na obra de Marx o supedaneo de suas leituras de mundo, chega-se ao terceiro motivo pelo qual Lukacs, Sartre e Althusser foram escolhidos para este inventario da critica da subjetividade juridica: um esforco metodologico para compreender as determinacoes constitutivas do nexo entre individuo e sociedade. Ou seja, cada um deles buscou compreender teoricamente as mediacoes e as inumeras contradicoes envolvidas nos processos politicos e na reproducao economica. Enfim, a questao do metodo, portanto, revelou-se crucial na trajetoria intelectual de cada um desses autores devido a preocupacao com as possibilidades de uma teoria da acao politica (10). Dai ser inevitavel a critica a subjetividade juridica e politica como critica ao modo de constituicao da sociedade capitalista.

Lukacs, Sartre e Althusser--cada qual a seu modo--forneceram instrumentos para uma critica das teorias e dos metodos filosoficos que chancelavam o funcionamento do capitalismo a partir do individualismo e da subjetividade, e que ainda hoje se colocam como o fundamento ultimo do pensamento juridico.

Por esses motivos e que consideramos a importancia dos tres autores no campo filosofia do direito, em especial diante do momento historico em que as crises economicas e seus efeitos revelam os limites teoricos e politicos do pensamento juridico vigente, que tem na subjetividade juridica uma de suas categorias essenciais.

Comecemos entao pela questao que, dialeticamente, une e simultaneamente separa os tres autores: a recepcao da filosofia de Hegel.

Sobre a heranca de Hegel na obra de Lukacs e Sartre e a permanencia do sujeito

As filosofias de Lukacs e Sartre tem em comum o fato de que ambas sao construidas num contexto de critica ao materialismo vulgar, identificado com as posicoes politicas que redundaram no stalinismo, e no idealismo moderno.

Em comum entre os dois autores tambem esta a necessidade de encontrar caminhos para a construcao de uma teoria da acao politica que rejeite os caminhos da filosofia tradicional, do positivismo e do idealismo hegeliano, e que redundaram na tentativa de construcao de uma subjetividade historica.

Em relacao a Lukacs, sera analisado fundamentalmente a obra Historia e Consciencia de Classe, em que o autor propoe contra o positivismo e o mecanicismo a valorizacao das raizes hegelianas do pensamento de Marx, em especial a relacao dialetica entre sujeito e objeto.

Ao definir o que e o marxismo ortodoxo, Lukacs afirma que e "conviccao cientifica de que, com o marxismo dialetico, foi encontrado o metodo de investigacao correto, e que esse metodo so pode ser desenvolvido, aperfeicoado e aprofundado no sentido dos seus fundadores" [Hegel e Marx]. (11) A ligacao entre as "dialeticas" de Hegel e Marx e feita por Lukacs pelo manejo da categoria totalidade:

Nao e o predominio de motivos economicos na explicacao da historia que distingue de maneira decisiva o marxismo da ciencia burguesa, mas o ponto de vista da totalidade. A categoria da totalidade, o dominio universal e determinante do todo sobre as partes constituem a essencia do metodo que Marx recebeu de Hegel e transformou de maneira original no fundamento de uma ciencia inteiramente nova (...) O dominio da categoria da totalidade e o portador do principio revolucionario da ciencia. (12) A critica de Lukacs tem como alvo o racionalismo moderno, identificado como o fundamento ultimo da ideologia burguesa, cuja "tarefa insoluvel" consiste em "suprimir o processo historico e apreender, nas formas de organizacao do presente, as leis eternas da natureza". Ou seja, para Lukacs o pensamento moderno e a va tentativa de contornar contradicoes insuperaveis por meio de formalismos conceituais (como o imperativo categorico kantiano) e fundamentos supra-historicos (como o "espirito do povo"). (13)

E a partir disso que Lukacs apresenta o conceito de reificacao. A reificacao corresponde ao processo de racionalizacao e de coisificacao das relacoes sociais propiciada pela cisao entre sujeito e objeto. Nao se trata mais, como em Weber, de uma racionalizacao ligada apenas advento da "modernidade", mas de um processo cuja origem esta na centralidade da mercadoria como forma de mediacao social, algo tipico da sociedade capitalista (14).

O direito seria entao um produto da reificacao que estrutura o mundo capitalista. Lukacs ve nas teorias do direito a sintese mais bem acabada do processo de reificacao "devido a sua...

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