Crítica geral à atual sistemática trabalhista

AutorIvan Alemão
Ocupação do AutorDoutor em Sociologia pelo PPGSA da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2008)
Páginas17-52

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A JUSTIÇA DO TRABALHO PROTEGE O TRABALHADOR?: Uma análise crítica sobre o Direito do Trabalho, a legislação do trabalho, a Justiça do Trabalho, os sindi-catos e os escritórios de advocacia no Brasil.

1. O espírito crítico do Direito do Trabalho

Qual o objetivo do Direito do Trabalho? A defesa do trabalhador ou do contrato de trabalho? Certamente esta questão é polêmica.

Defendemos que o objetivo é a defesa do trabalhador, sendo o contrato uma forma jurídica de estabelecer deveres e obrigações.

Se o objetivo do Direito do Trabalho é proteger o trabalhador e a lei não o protege satisfatoriamente ou em algum ponto, então é preciso críticar a lei.

Esse é o raciocínio que seguirei neste estudo, que tem por inalidadde apresentar uma análise crítica da legislação do trabalho, da Justiça do Trabalho, dos juízes, dos sindicatos e dos escritórios de advocacia.

Faço uma ressalva, desde logo. Quando me reiro de forma geral a algum setor, estou me referindo à determinada tendência predominante, não esquecendo as exceções. Por vezes, estas é que devem servir de referência para novas proposições, mas elas são mais difíceis de serem seguidas porque não têm o dom confortável da popularidade.

1.1. Doutrina do Direito do Trabalho

Não raramente as disciplinas do Direito são apresentadas encobertas pela sombra da legislação. Por vezes a “história” de determinado ramo do Direito é narrada basicamente por meio da evolução cronológica de suas leis, e muito pouco pelos fatos históricos e doutrinários que levaram o legislador a criar determinada legislação. A disciplina do Direito do Trabalho possui uma rica introdução histórica, porém é comum e até vulgar confundir seu surgimento com o da CLT de 1943. Este episódio foi um marco legislativo de grande importância1, não simplesmente por ter consolidado várias leis trabalhistas esparsas como

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normalmente é citado, mas principalmente por ter absorvido todas as normas contratuais existentes nas leis dos institutos de aposentadoria e pensões e nas leis sobre indústria e comércio, todas já de âmbito nacional. Com isso, a legislação do trabalho aumentou seu caráter contratualista e bilateral, se afastando de normas dirigidas apenas aos empresários e do nascente direito previdenciário. Neste caso, já nesta década de 1940 havia a intenção de ser organicamente unificada a Previdência Social2, o que só ocorreria em 1966 com a Ditadura militar. Vejo, assim, que a CLT, além de unificar a legislação de competência da União, deiniu no Brasil que o que se denomina hoje de Direito do Trabalho seguiria regras bem contratualistas para o direito individual e também para o coletivo3. Embora na comissão de juristas que elaborou a CLT predominasse a doutrina institucionalista, deixando sua marca nos institutos da sucessão trabalhista, da empresa como empregador e da estabilidade decenal, no cômputo geral absorveu a tendência de disciplinar obrigações bilaterais individuais e coletivas.

A ainidade entre legislação e doutrina facilita o exercício didático, prático e técnico do Direito, quando o ensino é voltado substancialmente para formar advogados e juízes. Conhecer a lei, saber interpretá-la, exigir seu cumprimento, dar orientações, representar litigantes e julgar são exercícios mais comuns dos cursos de Direito. Os denominados cursos preparatórios para concursos especializados chegam ao ponto de incentivar os alunos a decorar as leis. E isso é justificado porque as provas exigem esse tipo de candidato.

Uma disciplina lecionada apenas com base na legislação pode formar bons técnicos, mas com baixa capacidade de transformação, já que a lei é apresentada como solução, e pouco como problema. O “certo” acaba sendo o que diz a lei. Não pretendo aqui questionar a necessidade da lei, que ainda é o meio mais democrático de regular a sociedade quando o parlamento funciona livremente, como no Brasil atual.

Mas o próprio parlamento deve receber propostas criativas, pois o direito dos traba-lhadores depende de transformação constante. O Direito do Trabalho é eminentemente reivindicativo, assim como os sindicatos. Há ramos do Direito e de leis que demoram mais para serem modificados porque a sociedade não é tão exigente sobre eles, como o direito de herança, o direito de locação, de vizinhança, enim, que tratam de normas sociais às quais cada cidadão eventualmente possa recorrer processualmente como autor ou réu. Estes são direitos bem menos identificados com movimentos sociais e sim com a segurança jurídica da sociedade. A legislação do trabalho por si só atinge a quase toda a população, direta ou

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indiretamente. Uma demissão atinge toda uma família. O Direito do Trabalho, portanto, está identificado com movimentos sociais e com a segurança jurídica social.

A greve e a negociação coletiva têm sido os mecanismos mais diretos para transformar as regras contratuais postas. Os sindicatos são peças fundamentais, ao lado de um poder judiciário que recebe seus clamores, fomenta jurisprudência que serve de referência para os atores das relações de trabalho assalariado.

O espírito crítico no âmbito do Direito do Trabalho deve ser exigido constantemente. Não deve se limitar apenas a interpretar a legislação posta, deve também avaliar a própria produção intelectual das universidades, os projetos de lei, as decisões judiciais, a atuação das instituições como os sindicatos e o poder judiciário.

A doutrina é a forma crítica organizada, pautada em princípios e interesses sociais. Ela pode procurar ser neutra ou mais comprometida com algum interesse de grupo social. No Direito há doutrinas mais imparciais, que tratam de temas conlitivos individuais que independem de grupos ou classes, que são mais conciliadoras a ponto de buscar um ideal de pacificação, e há, como no Direito do Trabalho, doutrinas que procuram proteger o trabalhador ou o empregador, tema a que voltaremos no próximo ponto (1.2).

Por ora, insisto na existência de discernimento entre doutrina e lei. Se inexistisse tal distinção não haveria possibilidade de a doutrina críticar leis que eventualmente iram seus princípios. Sei também que é impossível fazer uma separação rígida entre elas, já que a lei muda a doutrina e vice-versa, a ponto de elas se confundirem em muitos momentos. Isso ocorre, por exemplo, quando um princípio doutrinário se transforma em lei. Reiro-me a um corpo de normas legais que trata de regras gerais de grande importância para a estrutura da doutrina. O descumprimento de tais regras pode gerar nulidade, quebra de contrato ou outra consequência grave. É o caso dos artigos , 444, 462, 468 etc., da CLT, que são muito citados e bem conhecidos dos advogados.

Ao lado deste primeiro corpo de normas legais, temos um segundo, de regras legais que podem até ser dispensadas do texto legal, já que servem apenas para evitar pequenos conlitos ou padronizar procedimentos. São regras que favorecem a produção de provas e a iscalização. Cito como exemplos leis sobre a anotação da CTPS, cartões de ponto, recibos salariais, exigência de laudo pericial para pagamento de adicionais etc. Neste campo é que pode haver excesso de leis cogentes, quando causam burocratização.

Um terceiro corpo de normas legais é o que interfere mais diretamente no patrimônio econômico das partes, pois trata da remuneração e da indenização. Ainda neste terceiro corpo, temos também as que tratam de espaço/tempo, e indiretamente atingem o patri-mônio das partes. Um aumento ou diminuição do limite de jornada pode interferir nas despesas salariais. O teletrabalho tem interferido nas despesas pessoais do empregado, e assim por diante.

A doutrina é bem mais calcada naquele primeiro corpo de normas legais, pois por meio delas existe a lógica teórica. É bem verdade que as exceções às regras gerais são os maiores motivos de issuras e polêmicas, sendo muitas vezes justificadas com base em outro princípio conlitante que pode até ser oriundo de outro ramo do Direito (geralmente regras

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de liberdade ou de interesse público). O Direito do Trabalho, por exemplo, quando trata da responsabilidade subsidiária tem sofrido conlitos com o Direito Administrativo, que prioriza o interesse da Administração Pública, e o Direito Falimentar, que procura pre-servar a empresa.

O segundo corpo de normas geralmente segue interesses do Estado, sindicatos e outros terceiros interessados às partes do contrato de trabalho. Já o último corpo de leis é que expressa mais claramente os conlitos inanceiros e é onde as divergências envolvem mais diretamente grupos e classes sociais, mas também postulações judiciais econômicas. Os acordos judiciais individuais, por exemplo, envolvem quase sempre tais aspectos inanceiros, assim como as negociações coletivas.

A doutrina jurídica é formada por um raciocínio lógico que tem seus seguidores. Não chega a ser uma ciência porque não tem a inalidade de buscar revelações reais, não possuindo método de pesquisa, e sim de argumentação onde o contraditório é a sua maior fonte de relexão e busca de uma conclusão. Por vezes a...

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