Crítica às 'Condições da Ação' e à Teoria Geral do Processo

AutorFabiano Oldoni - Ana Carolina de Melo
CargoAdvogado. Especialização em Direito Penal Empresarial e mestrado em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí - Acadêmica do Curso de Direito do Vale do Itajaí ? UNIVALI
Páginas32-36

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O presente artigo questiona se as denominadas "condições da ação" condicionam realmente o direito de ação ou o início do processo. Com tal objetivo, fez-se um estudo sobre o direito de ação, no qual também foram abordadas as condições para o início do processo penal, extraídas a partir da análise das causas de rejeição da acusação, sendo elas a prática de fato aparentemente criminoso, a punibilidade concreta, a legitimidade da parte e ajusta causa. Por fim, conclui-se que as condições não são da ação e sim para o início do processo, uma vez que o direito de ação é constitucional e incondicionado. Também se analisa criticamente a aplicação da teoria geral do processo ao processo penal.

Para tanto, principia-se tratando do direito de ação, sendo expostas na sequência as condições para o início do processo, em concordância com a teoria geral do processo. Por fim, restarão apresentados os

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motivos pelos quais as chamadas "condições da ação" inerentes à teoria geral do processo não devem ser compartilhadas pelo processo penal, demonstrando assim as condições gerais e específicas de acordo com o processo penal.

2. Direito de ação: condicionado ou incondicionado?

A ação é um direito assegurado constitucionalmente pelo artigo 5o, inciso XXXV, da CRFB/88, na qual não se encontra nenhuma condição para o seu exercício. Traduz-se no direito de requerer a tutela jurisdicional, cujo acesso não pode ser negado ao cidadão. Apresenta-se como um direito subjetivo, pois cabe à parte decidir se ingressa ou não em juízo (com exceção dos crimes de ação penal de iniciativa pública, em que o Ministério Público está obrigado a oferecer a denúncia caso entenda presentes os indícios de autoria e a prova da materialidade); abstrato, por não depender do sucesso ou insucesso da demanda; autônomo, porque não depende da existência do direito material, e público, pois se exerce contra o Estado-juiz, ente público.

O direito de ação é justificado pela proibição da autodefesa, posto o Estado ter chamado para si a função de aplicar o direito abstrato ao fato concreto - a chamada função jurisdicional.

Portanto, o direito de ação é exercido contra o Estado e não contra a parte adversa. Para com ela o autor tem uma pretensão de direito material e contra o Estado tem um direito de ação de cunho constitucional/proce ssual.

As chamadas "condições da ação"1 são requisitos para que legitimamente se possa buscar o provimento jurisdicional. Tal exigência está relacionada ao princípio da economia processual. No entanto, mesmo que a resposta do juiz não ultrapasse a pronúncia de carência da ação, ter-se-á exercitado a função jurisdicional.

Por isso afirma-se que o direito de ação é incondicionado e que as condições são para o início do processo, como bem explica Mouge-not2: "Ao contrário do que ditava a doutrina tradicional, não é propriamente o exercício do direito de ação que é condicionado e sim o direito de que o movimento desencadeado pelo ajuizamento da ação se desenvolva, por meio do processo, em direção a um julgamento de mérito".

Os manuais de processo penal costumam dividir o direito de ação em constitucional e processual, sendo que o primeiro é amplo e incondicionado e o segundo condicionado. Porém estes mesmos doutrinadores ressalvam que não há dois direitos de ação, mas apenas um. Então atese que sustentam é paradoxal, pois, se diferenciam o direito de ação previsto na Constituição Federal do direito de ação processual, não podem a posteriori ressalvar que o direito de ação é único. Ou é único - o que efetiva-mente pensamos - ou é duplo. Se for único, deve ter a característica constitucional, ou seja, deve ser incondicionado.

3. A superação da teoria geral do processo

A teoria geral do processo foi criada e desenvolvida para ser aplicada ao processo civil e, segundo Aury Lopes Jr.3 trata-se de "um erro (...) pensar que podem ser transmitidas e aplicadas no processo penal as categorias do processo civil".

A começar pela tentativa desastrosa de se aplicar ao processo penal a categoria lide, que tem por definição clássica (Carnelutti) ser um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida e apresenta-se inserto em uma das chamadas "condições da ação", qual seja interesse processual (necessidade)4.

Se a lide é condição para o nascimento do processo civil, não o é para processo penal, eis que vigora neste ramo o "princípio" da necessidade do processo penal, ou seja, tendo ocorrido algum fato que se encontre previsto como crime, a aplicação da pena só poderá ser feita a partir de um processo que observe os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo penal. Portanto, independente se o réu resista ou não à aplicação da pena, esta só poderá ser aplicada através do processo penal.

Desta forma a existência ou não de lide é absolutamente indiferente ao processo penal, conforme será visto em tópico a seguir.

Também as categorias denominadas erroneamente de "condições da ação" apresentadas pela teoria geral do processo e aplicadas ao processo civil não podem ser levianamente utilizadas no processo penal. Assim, é chegada a hora de compreender que o processo penal possui categorias jurídicas próprias, as quais não foram consideradas pela malfadada teoria geral do processo5.

4. Condições para o início do processo

Neste tópico serão abordadas as condições para o início do processo, apresentadas pela teoria geral do processo, sendo elas a legitimidade, o interesse processual e a possibilidade jurídica do pedido, requisitos indispensáveis para que o réu possa se posicionar acerca da situação jurídica trazida pelo autor.

Recorda-se que as referidas condições serão analisadas a partir da teoria geral do processo, apli-

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cadas sem qualquer crítica ao processo civil, porém com ressalvas ao processo penal, conforme será visto a seguir.

A legitimidade é a regularidade do poder de demandar de determinada pessoa sobre determinado ob-jeto. Não é permitido propor ações sobre todas as lides. Em regra quem pode demandar são aqueles que forem sujeitos da relação jurídica de direito...

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