Crítica do argumento da privacidade à luz da questão do combate à homofobia nas escolas

AutorIlmar Pereira do Amaral Júnior
CargoMestrando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília
Páginas195-216
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
V. 5 - Nº 01 - Ano 2016
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
195
DOI: 10.18351/2179-7137/ged.v5n1p195-216
Seção: Gênero, Sexualidade e Feminismo
CRÍTICA DO ARGUMENTO DA PRIVACIDADE À LUZ DA QUESTÃO
DO COMBATE À HOMOFOBIA NAS ESCOLAS
Ilmar Pereira do Amaral Júnior1
RESUMO: Neste artigo, debatemos a
questão do combate à homofobia nas
escolas, levantada pela polêmica em torno
do Projeto Escola Sem Homofobia, sob o
ponto de vista de teorias da justiça e da
democracia com enfoque nas contribuições
feministas. Sugerimos que a dicotomia
liberal entre esfera pública e esfera privada
esconde a opressão sobre mulheres e
crianças na esfera de privacidade da família.
Tal opressão precisa ser tematizada na
esfera pública, ao passo que o argumento da
privacidade das famílias para a formação de
identidades é insustentável. As escolas,
espaços estratégicos de construção de
identidades, de reprodução e
problematização de discursos opressores,
devem ser encaradas como esferas públicas
potencialmente emancipatórias, que
forneçam às crianças condições para
perseguir sua própria autoestima, escolher
seus valores e engajar-se num processo
autônomo de autodesenvolvimento
identitário, protegidas das violências que
1 Mestrando em Direito, Estado e Constituição pela Universidade de Brasília (UnB).
usualmente constrangem com lastimáveis
consequências os indivíduos a assumir
compulsoriamente a identidade
heteronormativa.
PALAVRAS-CHAVE: Publicidade e
Privacidade; Combate à homofobia nas
escolas; Liberalismo; Feminismo.
ABSTRACT: In this article, we discuss the
issue of combating homophobia at schools,
raised by the controversy around “Projeto
Escola Sem Homofobia”, beneath the point
of view of theories of justice and democracy
with focus on feminist contributions. We
suggest liberal dichotomy between public
and private spheres hides oppression on
women and children in the family’s sphere
of privacy. Such oppression needs to be
thematized in the public sphere whereas the
family privacy argument about identities
formatition is unbearable. Schools,
strategical spaces of identities construction,
of reprodution and problematization of
Periódico do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Gênero e Direito
Centro de Ciências Jurídicas - Universidade Federal da Paraíba
V. 5 - Nº 01 - Ano 2016
ISSN | 2179-7137 | http://periodicos.ufpb.br/ojs2/index.php/ged/index
196
DOI: 10.18351/2179-7137/ged.v5n1p195-216
oppressing discourses, must be viewed as
potentially emancipatory public spheres
which provide conditions to children of
pursuiting their own self-esteem, choosing
their values and making theirselves engaged
in an autonomous process of identitary self-
development, protected from violence that
usually constrains with regrettable
consequences individuals to accept
compulsorily heteronormative identity.
KEYWORDS: Publicity and Privacy;
Struggle against homophobia at schools;
Liberalism; Feminism.
INTRODUÇÃO
Boa parte dos conflitos políticos da
atualidade envolve em seu núcleo lutas por
reconhecimento (Honneth, 2001; Fraser,
1995), dentre os quais destacam-se as
reivindicações por direitos e por estima
social protagonizadas pelos movimentos
2 Seg undo o deputado federal e militante da causa
LGBT Jean Wyllys (PSOL/RJ), “a luta da
comunidade LGBT não se resume à criminalização
da homofobia, mas também pelo reconhecimento de
nossas identidades familiares e que possamos casar,
por uma educação inclusiva que coloque a
identidade de gênero no currículo escolar e por
politicas culturais voltadas à promoção de uma
Cultura LGBT. Até pouco tempo, não existia edital
ou prêmio específico para promover uma cultura
LGBT no Brasil. Mas ela precisa ser estimulada
assim como a cultura quilombola, com pontos de
cultura que nos contemplem e que permita, por
exemplo, um audiovisual LGBT que nos represente
de dentro e não de fora porque durante anos fomos
representados por outros e não por nós mesmos e
LGBTs no espaço público. Sua agenda
política2 inclui a problematização das
identidades sexuais na educação: um dos
espaços considerados estratégicos para o
combate à homofobia é a escola, âmbito
onde são reproduzidos e reafirmados
preconceitos, discriminações, situações de
violência física ou simbólica, contra
indivíduos cuja identidade seja discrepante
do padrão heteronormativo hegemônico.
Acredita-se que através de uma educação
inclusiva, currículos sensíveis às diferenças
e, sobretudo, uma pedagogia que dê voz ao
oprimido, será possível uma gradativa
transformação social do universo simbólico
reprodutor de opressões baseadas em
gênero e orientação sexual, não só buscando
mera aceitação ou tolerância benevolente de
uma identidade marginalizada por parte de
grupos dominantes, mas questionando as
próprias lógicas de poder que definem
identidades excluídas e situações de
quase sempre fomos estereotipados. E tudo isso está
dentro de uma luta mais ampla que é a luta dos
direitos humanos e dos direitos civis ” (grifamos).
Disponível em
https://www.facebook.com/jean.wyllys/posts/66888
5546492789, consultado em 10/08/2014. É
importante ressaltar, contudo, que a posição do
parlamentar é representativa, inclusive enquanto voz
institucional, mas não abrange os matizes das
agendas de diferentes organizações e movimentos.
Por questões de espaço aqui não seria possível
avançar na discussão de como os movimentos vêm
definindo sua agenda, enfocando consensos e
dissidências; no momento é suficiente conferirmos a
posição da ABGLT, à qual nos reportamos na nota
de rodapé nº 4 infra.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT