Crítica, Coerção e Vida Sagrada na 'Crítica da Violência' de Benjamin

AutorJudith Butler
CargoProfessora de Literatura Comparada no Departamento de Retórica da Universidade da Califórnia, em Berkley, onde também é fundadora do Critical Theory Program (Programa de Teoria Crítica) e do International Consortium of Critical Theory Programs (Consórcio Internacional de Programas em Teoria Crítica). É professora titular da cátedra Hannah ...
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 11, N.03, 2020, p. 1902-1933.
Judith Butler
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/52667 | ISSN: 2179-8966
1902
Crítica, Coerção e Vida Sagrada na “Crítica da Violência” de
Benjamin
Critique, Coercion and Sacred Life in Benjamin's 'Critique of Violence'
Judith Butler¹
¹ Universidade da Califórnia, Berkeley, Estados Unidos. E-mail: jpbutler@berkeley.edu.
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0147-5193.
Artigo recebido em 30/06/2020 e aceito em 12/07/2020.
This work is licensed under a Creative Commons Attribution 4.0 International License.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 11, N.03, 2020, p. 1902-1933.
Judith Butler
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/52667 | ISSN: 2179-8966
1903
Resumo
Eu gostaria de abordar a questão da violência, mais esp ecificamente, a questão do que
uma crítica da violência poderia ser. Que significado o termo crítica assume quando se
torna uma crítica da violência? Uma crítica da violência é uma investigação sobre as
condições para a violência, mas t ambém um questionamento sobre como a violência é
previamente delimitada pelas perguntas que fazemos acerca dela. De que modo, então,
podemos colocar a questão do que é a violência ? Não precisamos saber como lidar com
tal questão antes de perguntarmos, como devemos, quais são as formas legít imas e
ilegítimas de violência? Eu enxergo o ensaio “Crítica da Violência” de Benjamin, escrito
em 1921, como uma crítica da violência do direito, o tipo de violência que o Estado
exerce por instaurar e manter o status vinculante que o direito impõe sobre quem está a
ele sujeito (resumo e palavras-chaves pelo editor).
Palavras-chaves: Walter Benjamin; Direito; Violência; Violência Divina.
Abstract
I would like to take up the question of violence, more specifically, the question of what a
critique of violence might be. What meaning does the term critique take on when it
becomes a critique of violence? A critiq ue of violence is an inquiry into the conditions
for violence, but it is also an interrogation of how violence is circumscribed in advance
by the questions we pose of it. What is violence, then, such that we can pose this
question of it, and do we not need to know how to handle this question befo re we ask,
as we must, what are the legitimate and illegitimate forms of violence? I understand
Walter Benjamin’s essay ‘‘Critique of Violence,’’ written in 1921, to provide a critique of
legal violence, the kind o f violence that the state wields through instating and
maintaining the binding status that law exercises on its subjects (abstract and keywords
by the editor).
Keywords: Walter Benjamin; Law; Violence; Divine Violence.
Rev. Direito e Práx., Rio de Janeiro, Vol. 11, N.03, 2020, p. 1902-1933.
Judith Butler
DOI: 10.1590/2179-8966/2020/52667 | ISSN: 2179-8966
1904
Eu gostaria de abordar a questão da violência, mais esp ecificamente, a questão do que
uma crítica da violência poderia ser. Que significado o termo crítica assume quando se
torna uma crítica da violência? Uma crítica da violência é uma investigação sobre as
condições para a violência, mas também um questionamento sobre como a violência é
previamente delimitada pelas perguntas que fazemos acerca dela.
De que modo, e ntão, podemos colocar a questão do que é a violência? Não
precisamos saber como lidar com tal questão antes de perguntarmos, como devemos,
quais são as formas legítimas e ilegítimas de violência?
Eu enxergo o ensaio “Crítica da Violência” de Benjamin, escrito em 1921, como
uma crítica da violência do direito, o tipo de violência que o Estado exerce por instaurar
e manter o status vinculante que o direito impõe sobre quem está a ele sujeito1.
Quando Benjamin apresenta uma crítica, ele está oferecendo pelo menos dois
tipos de considerações. E m primeiro lugar, ele questiona: como a violência do direito se
torna possível? Que direito é esse que requer a violência ou, ao menos, um efeito
coercitivo para tornar-se vinculante aos sujeitos? Além disso, que violência é essa que
pode assumir essa forma jurídica? Quanto à última questão, Benjamin inaugura uma
segunda trajetória em seu pensamento: há alguma outra forma de violência que não
seja coercitiva, uma violência que possa ser, de fato, invocada e travada contra a f orça
coercitiva do direito? Ele vai mais longe e pergunta: há um tipo de violência que não
apenas seja travada contra a c oerção, mas que seja em si não coercitiva e, neste
sentido, quando não em alguns outros, fundamentalmente não violenta? Ele se refere à
violência não-coercitiva como aquela em que “não há derramamento de sangue”, e isso
pareceria implicar que ela não é travada contra corpos e vidas humanas.
Como veremos, não fica totalmente claro se ele consegue cumprir esta
promessa. Se ele pudesse, adotaria uma violência que destrói a coerção sem derramar
sangue no processo. Isso constituiria a possibilidade paradoxal de uma violência não-
violenta. A seguir, espero considerar essa possibilidade no ensaio de Benjamin.
O ensaio de Benjamin é notoriamente difícil. Temos que lidar com muitas
distinções. Além disso, parece que as analisamos por alguns poucos momentos e depois
as deixamos de lado. É preciso trab alhar com dois conjuntos de distinções para tentar
1 Todas as citações em português neste ensaio são extraídas de “Para uma crítica da violência”, trad. Ernani
Chaves, em BENJAMIN, Walter. Escritos sobre mito e linguagem . São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 2011,
p. 121-156. [Nota da Tradutora]

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT