Critérios para a validade dos programas de ação afirmativa

AutorJosé Claudio Monteiro de Brito Filho
Ocupação do AutorDoutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Professor do Programa de Pós-Graduação e do Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário do Estado do Pará. Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará. Titular da Cadeira n. 26 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho
Páginas69-77

Page 69

Delineadas as noções gerais a respeito das ações a rmativas volto agora à discussão que comecei a travar no nal do segundo capítulo quando aludi à necessidade de serem observados critérios para a validade desses programas e iniciei sua exposição

Disse àquele momento que acredito que a validade das ações a rmativas depende do preenchimento de alguns critérios e que creio que podem eles ser retirados das ideias de Dworkin quando defende essas medidas

Indiquei então que o primeiro critério para a validade é a justiça inerente aos programas de ação a rmativa e que penso para Dworkin é observada sob dois ângulos o de ser uma ação que esteja de acordo com os princípios escolhidos para ordenar as ações das instituições sociais e o de ser uma ação que encontre guarida no ordenamento jurídico que rege o Estado que a institui ou que a reconhece193.

O primeiro ângulo já foi visto Sintetizando pode se dizer que as ações a rmativas são justas por ele a partir da concepção de que deve haver uma distribuição igualitária e portanto justa dos recursos fundamentais exis tentes na sociedade distribuição esta que deve levar em conta a diversidade dos indivíduos e o fato de que uma parcela deles por circunstâncias alheias à sua vontade sofre o que se denomina exclusão social justi cando que sejam

Page 70

adotadas estratégias que a corrijam sendo os programas de ação a rmativa uma dessas estratégias

No entanto somente este ângulo não sustenta a justiça É preciso também que como dito acima as ações a rmativas sejam compatíveis com o ordena mento jurídico

Isso é o que agora pretendo demonstrar depois de justi cada a adoção de medidas de ação a rmativa pelos objetivos que elas propõem

Para isso cabe logo observar que o ordenamento jurídico brasileiro na Constituição da República cria as condições ou melhor impõe a adoção das condições para a correção das desigualdades o que sustenta a implementação das medidas de ação a rmativa

Em primeiro lugar um dos fundamentos da República é a dignidade da pessoa humana art III pelo que está claro que somente se pode admitir no Brasil uma sociedade onde todos tenham o mínimo de direitos necessários à preservação desse atributo do ser humano

Seguindo o texto constitucional constituem objetivos fundamentais da República art a construção de uma sociedade justa inciso I a garantia do desenvolvimento nacional II a erradicação da pobreza e reduzir as desigual dades sociais III e promover o bem de todos sem qualquer discriminação IV 194.

O Estado e a sociedade devem dessa feita promover as ações que forem necessárias para a correção das desigualdades aqui ainda em sentido amplo incluindo a desigualdade em si e a exclusão cujas diferenças serão vistas no quarto capítulo item permitindo que a todos seja garantido o acesso aos recursos e serviços disponíveis Isso entretanto não pode ser garantido nem obtido com o Estado simplesmente regulando esse acesso de maneira formal ou seja pretendendo situação de igualdade absoluta como se todos nasces sem iguais do ponto de vista de suas características e de sua condição social nem com a sociedade fazendo de conta que as desigualdades e as situações de exclusão não existem ou às vezes que isso é de responsabilidade apenas do Estado.

Não a regra é que as pessoas sejam diferentes e mais do que isso de siguais em todos os níveis não podendo o Estado e a sociedade ignorarem esta situação como se ela fosse o diferencial que irá determinar a medida de nossa dignidade por toda a vida o que seria injusto Mais ainda quando se

Page 71

é sabedor de que boa parte das desigualdades e de sua acentuação decorre e decorreu ao longo de nossa história do não respeito às diferenças

Não se pode ignorar que entre brancos e negros especialmente os que se autodeclaram pretos há um desnível causado diretamente por um tratamento desigual que iniciou com a situação jurídica distinta de uns e de outros durante o período da escravidão e persistiu depois pela não adoção de mais medidas de inclusão dos últimos na sociedade bem como pela utili zação de uma série de artifícios que Hanchard denomina genericamente de hegemonia racial195.

Não se pode negar que a deterioração do ensino público fundamental e médio principalmente aumentou ainda mais o desnível educacional entre as diversas classes sociais garantindo se o ensino superior de qualidade somen te aos que puderam migrar para as escolas privadas e portanto pagas o que as torna não acessíveis à grande massa de pessoas em idade escolar lá fazendo a preparação adequada para o nível seguinte do ensino

Não se pode esquecer de que em relação às pessoas com de ciência as medidas para sua inclusão ainda são recentes e estão muito mais voltadas para o trabalho do que para sua participação em outros campos como o en sino196.

Não se pode também esquecer de que séculos de políticas desastrosas em relação aos integrantes dos povos indígenas tornaram quase impossível a seus integrantes usufruir o que a Constituição da República de por enquanto muito mais no papel assegura

Não se pode por m esquecer de que as mulheres ainda constituem em relação ao acesso a determinados recursos como o trabalho um grupo vulnerável não sendo simplesmente aceitável por qualquer ângulo que se olhe a discriminação de gênero

Por tudo isso é preciso adotar medidas que levem em consideração essas desigualdades e exclusões conduzindo à busca do que se convencionou cha mar de igualdade material e que pode também ser designada de substancial ou real E o ordenamento comporta essas medidas ou melhor impõe sua adoção pois as ações estatais devem levar em conta os objetivos da República enunciados acima

Page 72

Não é pois questão de opção do Estado a adoção dessas medidas é uma imposição necessária para a construção de sociedade que se desenvolva de forma justa com menos desigualdades e exclusões e tendo como parâmetro o bem de todos197.

O Estado está obrigado a implementar políticas públicas que permitam a inclusão dos integrantes dos grupos vulneráveis cabendo lhe tão somente e respeitando o ordenamento jurídico determinar a forma e o alcance198 Mais o ordenamento jurídico brasileiro pelos princípios fundamentais insculpidos na Constituição da República deixa...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT