Critérios Formais Proeminentes do Comitê de Representantes de Trabalhadores da Empresa

AutorRodrigo Chagas Soares
Ocupação do AutorMestre e Especialista em Direito do Trabalho, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
Páginas59-88

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A crise da representação sindical acarreta a necessidade de buscar outros meios de proteção na relação entre capital e trabalho. A doutrina preocupa-se em dar efetiva proteção aos direitos fundamentais dos trabalhadores, despindo-se da rigidez de um associativismo inflexível.

Para a doutrina, o mais importante é dar guarida aos direitos trabalhistas, concedendo um canal de acesso dos empregados diretamente com seus empregadores, a fim de possibilitar um aperfeiçoamento das relações de trabalho.

Existem critérios formais que devem ser analisados a fim de evitar-se que um comitê de representantes tenha sua negociação com o empregador esvaziada por descumprimento de exigências previstas em lei. Há que se verificar, na legislação, o espaço que ele possui para negociar diretamente com o empregador; a relação entre seus representantes e o sindicato; o critério quantitativo; entre outros, cuja análise se apresenta nos tópicos seguintes.

6.1. Relação com sindicatos

Nos países de liberdade sindical21, inclusive, há aquilo que se denomina de "duplo canal", que pode ser sindical (vinculada a sindicatos) e não sindical (quando exercido por comissões de representantes dos trabalhadores nas empresas).

Refletindo sobre a representação de trabalhadores nas empresas, Amauri Mascaro Nascimento (2013, p. 1.382) leciona o seguinte:

Organização dos trabalhadores na empresa, no sentido amplo, é uma forma pela qual os empregados se unem, isto é, o conjunto de meios destinados à discussão e manifestação dos empregados no local de trabalho, tendo em vista o aperfeiçoamento das relações de trabalho internamente.

Não há ainda conclusões que permitam esclarecer a natureza jurídica da representação dos trabalhadores na empresa, o que depende, também, do tipo de organização adotada.

O comitê de trabalhadores nas empresas é um instrumento de efetividade dos direitos fundamentais, seja como viabilizador da liberdade de expressão dos trabalhadores

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dentro da empresa, seja como um direito social de eficácia plena inserto no Capítulo II, do Título II da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Trata-se, portanto, de um conjunto de meios destinados à discussão e manifestação dos empregados no local de trabalho, com a finalidade exclusiva de promover o entendimento direto entre empregados e empregador, conforme se extrai da leitura doutrinária acima e do art. 11 da Constituição Federal22 (BRASIL, 1988).

Dentre os princípios aplicáveis aos comitês de representantes, logo adiante explanados, há o da não concorrência sindical, de onde se extrai que a competência dos representantes de empresas será residual, não podendo colidir com as funções sindicais23.

Isso porque o art. 617 da CLT permite o prosseguimento da negociação pelo comitê de representantes somente na hipótese de as entidades sindicais não se desincumbirem do encargo de negociar. Tal entendimento vai ao encontro do que estabelece a Ementa n. 30 do Ministério do Trabalho e Emprego (BRASIL, 2008):

CONVENÇÃO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. PARTICIPAÇÃO DE ENTIDADE SINDICAL.

É obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho. Excepcionalmente, no caso de recusa do sindicato, a negociação poderá ser feita pela federação ou pela confederação respectiva, ou mesmo diretamente pelos próprios empregados, desde que respeitadas as formalidades previstas no art. 617 da CLT, quais sejam:

I - ciência por escrito, ao sindicato profissional, do interesse dos empregados em firmar acordo coletivo com uma ou mais empresas, para que assuma, em oito dias, a direção dos entendimentos entre os interessados;

II - não se manifestando o sindicato no prazo mencionado, os empregados darão ciência do fato à federação respectiva e, na sua inexistência ou falta de manifestação, à correspondente confederação, para que no mesmo prazo assuma a direção da negociação;

III - esgotados os prazos acima, a iniciativa da negociação deverá ser sempre dos trabalhadores da empresa.

Ref.: art. 8º, VI, da CF; arts. 611 e 617 da CLT.

Na Alemanha, "o sistema é baseado na ideia de concentrar a matéria contenciosa no nível da categoria - mais amplo -, proporcionando uma relação mais cooperativa no nível da empresa, entre conselhos de empresa e empregadores" (MIRANDA, 2012. p. 1.498).

A competência variaria em cada caso, os quais podem ser de vigilância, informação, consulta, deliberação e codecisão (NASCIMENTO, 2011. p. 379).

Ainda em alusão ao art. 11 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), a forma de representação pode ser tanto sindical quanto não sindical, pois o constituinte não restringe ou exclui a participação sindical. Decerto que seu art. 8º, VI, atribuiu

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a obrigatoriedade da negociação com entidade sindical com o empregador, mas não explicita a obrigatoriedade de que o comitê de representante da empresa conte com a participação de um dirigente sindical.

Uma vez que o constituinte se referiu tão somente a representantes dos empregados, verifica-se que se está diante do gênero do qual "representantes sindicais" e "representantes da empresa eleitos pelos trabalhadores" são as espécies. Tal conclusão decorre da análise da Convenção Internacional n. 135 (OIT, 1971), que prevê como gênero "representantes de trabalhadores na empresa" (art. 1º) do qual há as espécies "representantes sindicais" (art. 3º, "a") e "representantes livremente eleitos pelos próprios trabalhadores da empresa" (art. 3º, "b").

É certo, porém, que diante da mencionada crise do sindicalismo, há que se repensar a participação de representante sindical em um cenário de descaso e preocupação exclusiva com as fontes de custeio. Haveria que ser analisada a casuística, pois o que está em jogo é a segurança de efetividade dos direitos fundamentais de trabalhadores.

Ou seja, demonstrada a inatividade sindical, não haveria razão para que essa representação de trabalhadores da empresa contasse com a participação de um representante sindical de um sindicato que não é representativo. Admitir que a representação ocorresse a um representante sindical que nunca demonstrou preocupação com os trabalhadores daquela empresa seria um contrassenso. Logo, caberia tão somente aos próprios trabalhadores interessados eleger um representante dentro de seus próprios quadros de empregados quando diante de um sindicato leniente.

Para parte da doutrina, não somente essa leniência sindical admitiria a legitimidade da representação de trabalhadores, mas - igualmente - a hipótese de divergência entre a vontade do sindicato e dos trabalhadores, conforme leciona Estêvão Mallet (1998, p. 115):

Havendo divergência entre a vontade expressa pelo sindicato e a verdadeira vontade da categoria, parece fora de dúvida que a última deve prevalecer sobre a primeira. Não se concebe seja o sindicato transformado em árbitro supremo dos interesses da categoria, de tal modo que sua manifestação de vontade fique posta ao abrigo de qualquer questionamento ou revisão. Ato algum deve ou mesmo pode ficar livre de toda espécie de controle ou fiscalização. Não se imagina, pois, o exercício da atividade sindical sem possibilidade de questionamento das decisões tomadas em nome da categoria [...]. O questionamento judicial da recusa do sindicato não caracteriza, é bom ressaltar, indevida interferência do Poder Público na organização sindical, o que seria, aliás, ilícito (Constituição, art. 8º, inciso I). Com ele apenas se tutela o interesse final envolvido na relação coletiva de trabalho, que é, o dos integrantes da categoria, prejudicado pela recusa do sindicato. Assim, recusando-se o sindicato a celebrar convenção ou acordo coletivo de trabalho, em contraste com a vontade da categoria, deve-se admitir o

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suprimento judicial do consentimento recusado, a requerimento do grupo de trabalhadores prejudicado. Com isso se coíbem, tal como no passado já se fazia, em relação ao pátrio poder, os abusos e tyrannias.

O comitê de representantes não necessariamente deve contar com a participação de um dirigente sindical, seja pela omissão constitucional acerca da matéria, ou mesmo do conflito que pode ocorrer entre a vontade da entidade e a dos trabalhadores da empresa, devendo-se analisar separadamente qual interesse deverá ser tutelado: a vontade sindical ou dos trabalhadores da empresa.

6.2. Natureza jurídica da representação

O comitê de representantes é um instrumento de negociação ou de organização, podendo revelar-se, em uma concepção mais abrangente, na tomada de decisões empresariais, conforme Messias Pereira Donato (2012, p. 273):

O vocábulo participação a retrataria de modo genérico. Traduziria o "instrumento negocial ou organizativo" capaz de exprimir os graus de interposição ou de inserção dos trabalhadores nos procedimentos de decisão da empresa.

Seria possível a distinção entre participação:

- paralela, passível de efetivar-se pela via da negociação coletiva;

- integrante, realizada através de organismos de representação dos trabalhadores em nível do estabelecimento;

- estrutural ou orgânica, feita por meio de representação dos trabalhadores em órgão ou órgãos do governo da empresa.

Partindo-se dessa distinção, poder-se-iam justificar alguns conceitos, inclusive o de cogestão. A codecisão exclui em certos casos, conforme a matéria, o poder decisional unilateral do empregador. A eficácia da decisão só se completaria com o assentimento do órgão representativo ou de representação exclusiva dos trabalhadores. É o que se dá com o poder de atuação do comitê de empresas ou do conselho de empresa na França e na Alemanha, especialmente na área de interesse social, direto, mediato do...

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