Critério temporal e análise de casos concretos

AutorCristiane Pires
Páginas229-276
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CAPÍTULO VI
CRITÉRIO TEMPORAL E ANÁLISE
DE CASOS CONCRETOS
“O aspecto temporal da hipótese de incidência dos tributos é, a to-
das as luzes, fundamental, porquanto é do ‘acontecer’ do fato jurí-
geno que nasce a obrigação tributária. O aspecto temporal decide
a tributação.”
Misabel Derzi e Sacha Calmon369
6.1 Considerações iniciais do capítulo
Conforme anteriormente registrado, dedicamos os últi-
mos dois capítulos para investigar o aspecto pragmático de
nosso objeto de estudo. Neste momento, nos aplicamos espe-
cificadamente a estudar questões controversas relacionadas
a alguns tributos em específicos, que foram criteriosamente
selecionamos por envolverem grandes debates doutrinários e
jurisprudenciais e por permitirem a visualização da aplicação
e a relevância de tudo quanto estudamos até aqui.
369. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro; DERZI,
Misabel
Abreu Machado.
Tribu-
tação pelo IRPJ e pela CSLL
de lucros auferidos por empresas controladas ou
coligadas no exterior - inconstitucionalidade do art. 74 da Medida Provisória nº
2.158-35/01.
Revista Dialética de Direito Tributário,
São Paulo: Dialética, n. 130,
2006, p. 138, grifo nosso.
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CRISTIANE PIRES
É preciso destacar, que em todo o desenvolvimento deste
capítulo mantivemos em mente que o constituinte brasileiro
dispensou um tratamento extenso e minucioso ao sistema tri-
butário, permeando-o todo por princípios e regras fundamen-
tais. Destarte, qualquer aspecto relacionado ao nascimento
da relação jurídico-tributária deve passar obrigatoriamente
pelo crivo da Constituição da República. Qualquer intérprete,
legislador ou aplicador normativo, deve estar atento a esses
preceitos quando for tratar do critério temporal da norma ma-
triz de incidência tributária, uma vez que este é o momento
em que os fatos podem ser tidos como ocorridos.
Essas afirmações são quase tautológicas de tão evidentes.
Mas é um evidente que é desprezado pela prática, pelos tribu-
nais, e é um evidente que é muitas vezes negligenciado pela dou-
trina. Por isso, cada investigação aqui apresentada tem também
o intuito de despertar a preocupação com o tratamento que é
dado para o critério temporal da regra-matriz de incidência tri-
butária, demonstrar a fragilidade e preocupação que o tema en-
seja, promovendo, senão, o desejado encontro entre a teoria e a
prática, que se apresentam em incessante processo dialético.
370
6.2 ITBI e o seu critério temporal: o momento na trans-
missão inter vivos e os conceitos do dir eito privado
Muitas discussões têm se estabelecido na seara tribu-
tária a respeito do momento da ocorrência do Imposto so-
bre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), isso porque,
enquanto os Municípios têm divergido ao interpretar a
mensagem constitucional sobre o conceito de “transmissão”
e, por consequência, os lindes para a definição de seu critério
temporal: enquanto algumas municipalidades estipulam a
cobrança do aludido imposto quando do registro do título de
370.
lourival vilanova
fala em um “processo dialético intérmino, sem repouso, en-
tre os dois polos: a experiência jurídica e a teoria dessa experiência” (VILANOVA,
Lourival. Fundamentos do estado de direito. In: ______. Escritos jurídicos e filosófi-
cos. V. 1. São Paulo: IBET; Axis Mundi, 2003, p. 413-414).
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O TEMPO E O TRIBUTO
transferência da propriedade imobiliária, outras o exigem no
ato do registro do compromisso de compra e venda, chegando
algumas legislações a impor que o tabelião transcreva neste
documento a guia de recolhimento do imposto.
A doutrina apresenta variados posicionamentos a respei-
to do assunto. Para
riCardo loBo torres
371, o imposto poderia
incidir a partir do momento em que comprador e vendedor
convencionam o negócio, posto que ali já se iniciaria o pro-
cesso de transmissão.
João mauríCio Conti
372 entende que a
cobrança do ITBI poderia ser realizada desde a lavratura da
escritura pública referente à negociação, por entender que
a transmissão é realizada mediante um conjunto de atos, e
que nada impediria que o legislador ordinário escolhesse
quaisquer deles para fazer incidir o tributo.
alCides da Fon
-
seCa samPaio
373 defende que a ocorrência do fato jurídico do
imposto municipal seria aquela em que fosse identificada a
circulação de riqueza (fato econômico). No mesmo sentido se
posiciona
zelmo denari
ao fazer alusão a um “fato significa-
tivo econômico” que seria apto a denotar a capacidade con-
tributiva do contribuinte e, portanto, a provocar efeitos tri-
butários.374
saCha Calmon navarro
, por outro lado, entende
que o ITBI só poderia incidir quando da transcrição do título
aquisitivo no Registro de Imóveis.375
A compreensão da controvérsia que envolve especial-
mente o confronto entre a interpretação econômica e a
371. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito tributário e financeiro. 7. ed. Rio de
Janeiro: Renovar, 2000, p. 344.
372.
CONTI, João Maurício. O imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI): prin-
cipais questões. Revista Scientia Iuris, Londrina: UEL, v. 5/6, mar. 2001/2002, p. 49-50.
373. SAMPAIO, Alcides da Fonseca. ITBI: momento de incidência
na compra e ven-
da de imóveis.
Revista Dialética de Direito Tributário,
São Paulo: Dialética, n. 25, p.
14-36, 1997, p. 14.
374. DENARI, Zelmo. Curso de direito tributário. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1996, p. 168.
375.
COÊLHO,
Sacha Calmon Navarro. Comentários à constituição de 1998. 9. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 612.

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