A Crise do Welfare State e a Hipertrofia do Estado Penal

AutorJosé Luis Bolzan de Morais - Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
CargoPós-Doutorado em Direito Constitucional pela Universidade de Coimbra. É Doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal de Santa Catarina - Doutorando e Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Páginas161-186
A Crise do Welfare State e a Hipertrofia do Estado
Penal1
The Crisis of the Welfare State and the Hypertrophy of the Punitive State
Jose Luis Bolzan de Morais
Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth
Resumo: O presente artigo analisa a crise vi-
venciada pelo Estado Providência na contem-
poraneidade e sua consequente substituição
pelo Estado Penitência, que responde repres-
sivamente às demandas das classes outrora
beneficiárias das políticas sociais públicas, em
um quadro social de pobreza agravada diante
do fenômeno da globalização econômica e da
exclusão de grandes contingentes populacio-
nais do mercado de trabalho/consumo. Por
fim, a partir da ideia central de profanação
das instituições políticas modernas proposta
por Giorgio Agamben, busca-se a formulação
de possíveis soluções à crise, notadamente no
que se refere à necessidade de se devolver o
Welfare State à multidão, para que dele seja
feito um novo uso, revitalizando-se as energias
utópicas.
Palavras-chave: Estado de Bem-estar Social.
Crise. Direito Penal.
Abstract: The article analyses the crisis the
Welfare State currently goes through, and its
consequent substitution by the Punitive State,
which responds repressively to the demands
of the classes that had been once benefited by
the public social policies, in a social context of
severe poverty facing the economical globaliza-
tion, and the exclusion of a huge amount of pe-
ople from the work/ consumer market. Finally,
from the central idea of the profanation of the
modern policies proposed by Giorgio Agam-
ben, it seeks to formulate possible solutions to
the crisis, notoriously on what concerns the ne-
cessity of giving back the Welfare State to the
crowd, without exclusions, so that new usage
can be made of it, starting from revitalizing the
utopist energies.
Keywords: Welfare State. Crisis. Criminal
Law.
1 Recebido em: 13/06/2012.
Revisado em: 17/10/2012.
Aprovado em: 19/02/2013.
Doi: http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2013v34n66p161
A Crise do Welfare State e a Hipertrofia do Estado Penal
162 Seqüência (Florianópolis), n. 66, p. 161-186, jul. 2013
A casa do rei tinha muitas mais portas, mas aquela era a das peti-
ções. Como o rei passava todo o tempo sentado à porta dos obsé-
quios (entenda-se, os obséquios que lhe faziam a ele), de cada vez
que ouvia alguém a chamar à porta das petições fingia-se desenten-
dido, e só quando o ressoar contínuo da aldraba de bronze se torna-
va, mais do que notório, escandaloso, tirando o sossego à vizinhan-
ça (as pessoas começavam a murmurar, Que rei temos nós, que não
atende), é que dava ordem ao primeiro-secretário para ir saber o
que queria o impetrante, que não havia maneira de se calar. Então,
o primeiro-secretário chamava o segundo-secretário, este chamava
o terceiro, que mandava o primeiro-ajudante, que por sua vez man-
dava o segundo, e assim por aí fora até chegar à mulher da limpeza,
a qual, não tendo ninguém em quem mandar, entreabria a porta das
petições e perguntava pela frincha, Que é que tu queres. O supli-
cante dizia ao que vinha, isto é, pedia o que tinha a pedir, depois
instalava-se a um canto da porta, à espera de que o requerimento
fizesse, de um em um, o caminho ao contrário, até chegar ao rei.
(José Saramago)
1 Introdução
O objetivo do presente artigo é demonstrar que o processo de crise
que o Estado de Bem-estar Social vivencia na contemporaneidade tem le-
vado a sua paulatina substituição/transformação em um modelo de Estado
não mais preocupado com a gestão “social” dos problemas relacionados à
escassez e à pobreza, mas sim com o controle e a prevenção “penal” dos
riscos por elas representados.
O texto encontra-se dividido em duas partes. Na primeira, empreen-
de-se uma abordagem a respeito do referido processo de substituição do
Estado Providência pelo Estado Penitência, apontando-se os fatores que
contribuem para essa mudança de paradigma no enfrentamento da “ques-
tão social” em um contexto de economia globalizada. Na segunda parte,
busca-se apresentar uma possível solução à crise, que passa justamente
pela recuperação da dimensão histórica do Estado de Bem-estar Social
por meio da sua profanação – aporte teórico de Giorgio Agamben – e

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