Crise do Progresso, Antifascismo e Ciências Sociais: a Journée d'histoire et de psychologie du travail et des techniques (Toulouse, junho de 1941)

AutorIsabelle Gouarné
Páginas161-190
DOI: http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2018v17n38p161/
161161 – 190
Crise do Progresso, Antifascismo e
Ciências Sociais: a Journée d’histoire
et de psychologie du travail et des
techniques1 (Toulouse, junho de 1941)
Isabelle Gouarné2
Resumo
Em junho de 1941, uma Jornada de Psicologia e História do Trabalho e das Técnicas foi organi-
zada em Toulouse com a participação de importantes representantes das ciências sociais fran-
cesas do entreguerras (Marc Bloch, Lucien Febvre, Marcel Mauss, Georges Friedmann, Ignace
Meyerson, entre outros). Esse encontro se constituiu como um dos raros momentos de ref‌lexão
coletiva realizado pelas ciências sociais republicanas sob o regime de Vichy, quando elas se
tornaram alvo de violentas acusações. Esse colóquio de 1941 representa, assim, um esforço de
reaf‌irmação do papel social e político das ciências sociais universitárias herdeiras da tradição
durkheimiana: em um contexto de forte politização e à medida que era preciso defender esse
projeto, ele se tornou manifesto pelo modo de organização das ciências e dos saberes que
implica, pelo olhar que dirige sobre a crise social e política bem como pelas af‌inidades
que mantém com a ideologia do progresso.
Palavras-chave: Ciências sociais. Crise política. Engajamento. Segunda Guerra Mundial.
Construídas na França sobre a base do ideal republicano, as ciências so-
ciais universitárias tiveram que enfrentar ataques e denúncias repetidas des-
de a sua institucionalização. Com as reformas de ensino que promoveram
1 Tradução de Allana Meirelles (USP). Revisão da tradução de Miguel Palmeira e Marcia Consolim. Agradeço
a Isabelle Gouarné pelos esclarecimentos às dúvidas em relação ao texto original.
2 Chargé de recherche no Centre National de la Recherche Scientif‌ique (CNRS), membro do CURAPP-ESS.
E-mail: isabelle_gouarne@hotmail.com.
Crise do Progresso, Antifascismo e Ciências Sociais: a Journée d’histoire et de psychologie du travail et des techniques (Toulouse,
junho de 1941) | Isabelle Gouarné
162 161 – 190
os novos saberes, no início do século XX, as ciências sociais suscitaram crí-
ticas violentas. Apoiada pela aliança dos homens de letras com a Igreja, a
reação anticientíca visava particularmente à tradição durkheimiana (GEI-
GER, 1979; SERRY, 2004; SAPIRO, 2004), que exercia uma inuên-
cia profunda no conjunto das ciências humanas (MUCCHIELLI, 1998;
HEILBRON, 2015)3 e cuja ambição era elaborar uma resposta racional às
questões políticas e sociais do momento. Embora essa aspiração pudesse
estar encarnada nos projetos de reformas, em uma conjuntura favorável
graças ao apoio de elites políticas republicanas, nem por isso deixou de ser
permanentemente contestada4. As redenições sucessivas do sistema inte-
lectual e conceitual das ciências sociais francesas herdeiras de Durkheim
podem, assim, ser analisadas como tentativas de deslocar e reformular essa
ambição política inicial, em razão das rivalidades internas do campo inte-
lectual e da evolução da conjuntura ideológica e política.
Ao retomar, depois de Francine Muel-Dreyfus (2004), o período de
Vichy, pretende-se investigar a relação das ciências sociais francesas com as
questões políticas. Com efeito, deter-se sobre essa situação crítica, nos limi-
tes de uma “sócio história de curta duração” (GOBILLE, 2008), permite
compreender o momento em que se intensicou “o trabalho de signica-
ção” e de “denição da situação”, em resposta à “ruptura da inteligibilida-
de” – aberta, na França, pela derrota de 1940 para a Alemanha nazista – e
à incerteza quanto ao curso dos acontecimentos. Assim, as lógicas políticas
subjacentes ao trabalho das ciências sociais, que operam “em tempos ordi-
nários, de forma mais invisível e lenta”, tornam-se manifestas. Da mesma
forma, notam-se as redenições intelectuais que se operam nesse momento
crítico, em que o ethos prossional é violentamente desaado pelas me-
didas de exclusão e de censura bem como pela reorientação das ciências
sociais sob Vichy no âmbito da Revolução Nacional. As acusações às ciên-
cias sociais puderam, então, se expressar sem restrições, pois encontraram
um potente apoio político no Estado francês (MUEL-DREYFUS, 2004).
Desde o verão de 1940, o regime de Vichy condenava o intelectualismo
como uma das causas da derrota e se esforçava em remediar o fato por meio
3 Para o entreguerras, ver: Heilbron (2015).
4 Ver o recente enfoque de Lahire, 2016.

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT