A crise do capital e relacoes de trabalho: consideracoes sobre 'consultorias sociais' em empresas/The capital crisis and labor relations: considerations about 'social consulting' in companies.

AutorGomes, Marcia Regina Botao

Introducao

Nas ultimas decadas do seculo XX e no inicio do seculo XXI, houve transformacoes no trabalho dos assistentes sociais. Neste artigo, privilegiaremos algumas mudancas do Servico Social em empresas, por ter sido nossa area de atuacao profissional desde o final da decada de 1990 e objeto de pesquisa durante o mestrado na UFRJ (2010) e o doutorado na Uerj (2015). Cabe ressaltar que o universo que compoe o espaco socio-ocupacional das empresas e amplo e muito diversificado, existindo empresas de grande ou pequeno porte e em diferentes ramos e segmentos de atuacao. O que destacamos neste artigo e um modo especifico de precarizacao do trabalho dos assistentes sociais nas chamadas "consultorias", que se espraiam a partir do final da decada de 1990 atraves das grandes corporacoes, mas, atualmente, encontram-se em empresas variadas.

Tendo em vista a condicao de trabalhadora de empresas multinacionais no periodo de 1999-2006, e posteriormente como pesquisadora, foi possivel identificar mudancas no modo de contratacao de trabalhadores, bem como na organizacao das atividades profissionais. Tais reconfiguracoes nao sao isoladas ou endogenas, mas, sim, expressoes dos processos de reestruturacao produtiva, instaurados no Brasil a partir da decada de 1990 e articulados a neoliberalizacao (1).

Do conjunto de mudancas ocorridas no Servico Social em empresas, destacamos as chamadas "consultorias" especializadas em programas de assistencia ao empregado. Essas sao formas de terceirizacao, quarteirizacao e instauracao de um tipo de atendimento social a distancia, com possibilidade de contratacao para realizacao de atendimentos presenciais por demanda em carater de prestacao de servico, que nao chegam a 50% dos casos atendidos, segundo dados fornecidos pela maior empresa de consultoria entrevistada em 2015.

Os resultados parciais da pesquisa tem inicio no curso de mestrado realizado na UFRJ em 2010, quando foram entrevistadas cinco assistentes sociais vinculadas a empresas de consultoria, sendo quatro especialistas em Servico Social e uma especialista em programas de assistencia social, em que o assistente social e um dos profissionais prestadores de servicos. Diante de novas problematicas, demos seguimento a essa questao na pesquisa de doutorado, entrevistando nove profissionais, incluindo trabalhadoras de call center, coordenadoras, usuarias dos servicos e contratantes das "consultorias". Alem disso, levantamos dados de dominio publico em sites de consultorias no eixo Rio-Sao Paulo.

Trata-se de um servico limitado, fragmentado por demanda, externo as empresas, composto por um grupo reduzido de pessoas, de menos de dez assistentes sociais, com vinculo empregaticio que atendem atraves de um call center. E complementado por profissionais quarteirizados, chamados de "consultores", que prestam servico conforme demanda, ultrapassando o numero de 3.000 em todo territorio brasileiro (2).

Desse modo, a apropriacao do termo "consultoria" tem utilidade favoravel as empresas que comercializam tais servicos, pois omite perdas de direitos trabalhistas e incide diretamente no desenvolvimento das atividades dos assistentes sociais, com consequencias para os sujeitos atendidos.

Antunes (2013) demonstra a ampliacao de trabalhos submetidos a sucessivos contratos temporarios, sem estabilidade, sem registro em carteira, exercidos dentro ou fora do espaco produtivo das empresas, quer em atividades instaveis, quer temporarias, quando nao na condicao de trabalhadores desempregados. O capital impulsiona as empresas a flexibilizacao, incidindo em relacoes de trabalho, jornada e remuneracao, retornando relacoes e formas de trabalho com caracteristicas de informalidade. O trabalho contratado e regulamentado, dominante no seculo XX tem sido substituido por modalidades de "empreendedorismo", "cooperativismo", "trabalho voluntario", entre outros.

Assim, as "consultorias" empresariais, as quais o Servico Social tem se vinculado profissionalmente de forma precaria, foram analisadas considerando a relacao entre a totalidade macrossocial e suas particularidades como expressoes da crise contemporanea do capital.

Essa crise capitalista implicou a alteracao das formas de organizacao do trabalho, deixando de predominar o padrao fordista-keynesiano, decorrente do pacto social do periodo posterior a Segunda Guerra Mundial nos paises centrais. Adotado sem superar completamente esse modelo anterior, cresceu o chamado toyotismo ou ohnismo, caracterizando o modo de "acumulacao flexivel", que Harvey (2008) chama de "novo imperialismo" ou acumulacao por espoliacao.

Para Harvey (2008), o investimento neoliberal feito por segmentos capitalistas visa a restauracao do poder de classe. Nesse sentido, a crise do capital--ocorrida nos paises centrais a partir do final da decada de 1960 e no Brasil, no final da decada de 1980--possui vetores articulados de ordem economica, politica e tambem cultural, resultando em maior subordinacao da classe trabalhadora ao capital. No primeiro item deste artigo, apresentaremos os aspectos gerais dessa crise; em seguida, abordaremos seus rebatimentos para os assistentes sociais em empresas e, por fim, realizaremos breves consideracoes.

A crise contemporanea do capital

Para localizar a crise do capital apos 1970, apresentaremos alguns elementos essenciais das reflexoes de Mandel (1990), Harvey (2004, 2008), Mota (1995, 1998), Netto e Braz (2007), Meszaros (2009) e Fontes (2012), autores que analisam o capitalismo em sua fase madura, considerando a historicidade de seus movimentos, a partir de uma visao critica da sociedade capitalista e de um referencial teorico marxista. Entendemos que a atual crise do capitalismo nao decorre da escassez de recursos, mas da superacumulacao da riqueza produzida pela classe dominante.

Para Mandel (1990), as crises do capitalismo sao ciclicas e inerentes ao capital, contudo, nao sao "naturais". Ao contrario, sao criadas e recriadas a partir de processos historicos, politicos e culturais, em tentativas de "solucoes" capitalistas que recorrem a tecnicas anticrises. Porem, essas tecnicas possuem limites e prolongam os periodos dessas crises sem supera-las de fato, gerando crises maiores, conforme Meszaros (2009).

Ainda segundo Mandel (1990), a crise pos-1970 foi um exemplo de tentativa de contencao, por parte do capital, utilizando uma politica de expansao e controle sucessivos do credito e visando a um prolongamento da "onda expansiva" do capital naquele periodo. As medidas utilizadas foram inflacionarias, devido as disparidades das moedas e aos planos politicos e economicos dos paises envolvidos. Essa crise fez o mercado internacional capitalista conhecer a primeira recessao generalizada desde a Segunda Guerra Mundial que golpeou todas as grandes potencias imperialistas e retraiu a economia. Em 1975, houve queda da producao industrial e do PIB em todos os grandes paises imperialistas. Para fundamentar essa afirmacao, Mandel (1990) dedica um capitulo a regularidade e as repeticoes das crises capitalistas, que possuem, inclusive, espaco e periodicidade semelhantes entre si.

Portanto, a sucessividade das crises no capitalismo torna explicita sua dinamica instavel, mas nao natural. Isso porque "as crises sao inerentes sob o capitalismo, mas e perfeitamente possivel e viavel uma organizacao da economia estruturalmente diferente da organizacao capitalista, capaz de suprimir as causas da crise" (NETTO; BRAZ, 2007, p. 157). Nesse contexto, os autores se referem a possibilidade de um projeto que considere a historia sem naturalizar os acontecimentos, repensando as relacoes entre os sujeitos. O capitalismo, entretanto, nao sera superado, justamente em decorrencia de suas crises.

De acordo com Mandel (1990), diante do desenvolvimento do capital, dois aspectos refletiram-se nos niveis de emprego da classe trabalhadora. O primeiro refere-se a tecnologia avancada de producao automatica e semiautomatica de paises imperialistas, com desequilibrio entre producao e emprego produtivo. O segundo aspecto foi a reconstrucao do...

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