Crise constitucional brasileira? A desarmonia entre os poderes

AutorDaniel Vargas
Páginas79-82

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Há duas interpretações sobre a situação constitucional do Brasil em 2015.

A primeira enxerga as tensões do ano que se encerrou como episódios da rotina democrática. O ano de 2015 foi marcado por algumas turbulências e contratempos, mas sobretudo pela atuação serena, cuidadosa e decisiva da Suprema Corte no enfrentamento dos problemas constitucionais. Claro que há desaios não vencidos: na gestão da Corte, no aprimoramento dos processos judiciais e na qualidade das decisões. Mas segundo esta leitura, como saldo geral, 2015 foi um ano de grande amadurecimento do país.

Há, contudo, razões para enxergar, por trás da aparente normali-dade institucional, sinais de uma crise mais profunda, menos compreendida e que não se resolverá ao im do processo de impeachment, do julgamento da Lava Jato ou do próximo escândalo nacional. Nesta segunda visão, o Brasil vive a iminência de uma crise constitucional. E a ação do Supremo para contê-la é muito limitada.

Os sinais são difusos. Estão, por exemplo, na incapacidade de o regime democrático solucionar seus velhos problemas estruturais - em educação, saúde e segurança. Ou em uma mudança geracional, com líderes emergentes que não conseguem se reconhecer tão facilmente na linguagem constitucional oicial.

Os sinais mais sensíveis estão, sobretudo, na desarmonia entre os três poderes. Estranhamentos e rixas pontuais entre um poder e outro são naturais e até saudáveis em uma democracia. Mas a luta de todos contra todos, não.

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O que assistimos em 2015 (começando um pouco antes) foi a guerra geral do Executivo contra o Congresso, do Congresso contra o Judiciário, do Judiciário contra o Congresso.

Quatro exemplos ilustram tensões que excederam a rotina demo-crática.

O primeiro é a disputa entre Executivo e Congresso.

O foco mais recente da briga é o processo de impeachment da presidente. Para além do julgamento de crime de responsabilidade, o impeachment tem sido parte do drama da luta do Legislativo por independência. Até o governo Dilma, 80% das leis aprovadas foram de iniciativa do Executivo, com taxa de 90% de sucesso. Foram anos de maus-tratos sistemático imposto pelo Executivo, com o abuso na edição de medidas provisórias, cooptação de líderes e controle da pauta, e liberação de emendas só para os amigos. Até que o Congresso Nacional decidiu reagir.

Eduardo Cunha não é santo. Mas é de um simplismo imenso colocar em seu bolso toda a conta dos desajustes nacionais. Cunha é a espécie de um...

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