Contribuições da criminologia crítica para a hermenêutica jurídica: uma análise de decisões relativas a tráfico e a uso de drogas

AutorAnne Lacerda de Brito
CargoDiscente do 4º período da Faculdade de Direito de Vitória ? FDV
Páginas1-33
P A N Ó P T I C A
Paptica, Vitória, vol. 6, n. 1 (n. 21), 2011
ISSN 1980-775
CONTRIBUIÇÕES DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA PARA A
HERMEUTICA JURÍDICA: UMA ALISE DE DECISÕES
RELATIVAS A TRÁFICO E A USO DE DROGAS1
Anne Lacerda de Brito**
1. INTRODUÇÃO
Longe de realizar a função pacificadora para a qual diz ter sido criado, o que se tem observado no
sistema penal próprio das sociedades capitalistas é uma estrutura selecionadora, relativa à maneira
de abordar e de punir os diferentes agentes que cometem ilícitos penais.
Atras de um estudo mais profundo desse sistema, percebe-se que tal diferenciação é feita com
base na classe social da qual advém o indiduo e, ainda, que essa seleção não passa de um
propósito das verdadeiras funções do sistema, quais sejam “definir politicamente algumas
condutas como delitivas, selecionar e estigmatizar criminosos” (D’ELIA FILHO, 2008, p. 43).
Coadunando com esse âmbito, encontra-se a atitude dos juízes no momento das decisões: a fim
de proteger o interesse das elites, tais agentes do Poder Judiciário redefinem regras e fatos, como
forma de concretizar a criminalização priria, feita através da seleção legal das condutas que
seo punidas. O caráter integrador da atividade destes indivíduos reside no fato de ser a
interpretação o elemento indispensável para caracterizar uma conduta como delito, sendo o
resultado das ações dos julgadores a escolha de quem se punido.
Desse modo, observa-se que, embora com aparência de tecnicidade, as decisões são construídas
apoiando-se na ideologia dos juízes. Isso viabiliza deixar de punir efetivamente certos crimes, que,
muitas vezes, podem ser mais danosos que outros, como é o caso da flexibilização em relação aos
1Artigo científico apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Direito de Vitória, como requisito parcial para
aprovação na disciplina de Hermenêutica Jurídica, orientado pela profª Adriana Gonzaga Bisi.
** À época de produção do artigo (2009), discente do 4º período da Faculdade de Direito de Vitória – FDV. E-mail:
annelbrito@ hotmail.com.
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crimes contra o meio ambiente cometidos por grandes empresas, o que não é visto nas hipóteses
de furtos, por exemplo.
Destarte, é clara a transgressão a direitos fundamentais e a princípios constitucionais de grande
relevância, como são os casos dos princípios da lesividade e da isonomia, que deveria ser a base
para a aplicação do Direito. Neste ponto, encontra-se a importância do presente trabalho, pois,
com ele, busca-se traçar uma análise crítica da real atuação dos magistrados nesse selecionador
sistema penal.
Para isso, far-se-á uso de noções da Criminologia Crítica e da Hermeutica Jurídica, de maneira
a ter ciência dos jogos de poder que estão por trás das decisões judiciais, nas quais o trabalho
hermenêutico funciona como peça de jogo utilizada para definir a liberdade das pessoas.
Diz-se isso tendo em vista que, como forma de fundamentar suas decisões, os magistrados
lançam mão de modelos interpretativos liberais, redefinições, emprego de adjetivos com carga
emotivo-valorativa etc, o que oferece a suas sentenças uma aparência de respeito à cientificidade
e distância da opino pessoal.
Este artigo não tem como propósito apresentar uma solução para a realidade fática, mas exter-
la e conscientizar a respeito do tema, fazendo com que quem o leia, analise de uma forma mais
crítica as sentenças judiciais na seara penal, dando a devida imporncia ao poder das palavras e
da argumentação.
Para isso, ao estudar, por método comparativo, os dois casos concretos trazidos do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais, dá-se atenção aos termos utilizados pelos Desembargadores, às provas a
que eles se atêm, enfim, desmembram-se as decisões, visando identificar as três etapas utilizadas
pelos juízes para justificar sua posição, quais sejam a utilização da Dogtica Penal, da
Dogtica Processual Penal e dos princípios jurídicos, prestando-se o máximo de atenção em
tudo aquilo que auxilia o julgador a construir sua decisão para o caso.
Isto posto, com o objetivo de oferecer uma sólida abordagem sobre a seletividade econômico-
financeira existente nas decisões judiciais, serão expostos contdos teóricos relativos ao assunto,
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para, em seguida, apli-los a casos concretos. O método utilizado para tanto foi, então, o
dedutivo.
Tal método, segundo Mezzaroba e Monteiro (2004, p.65) “parte de argumentos gerais para
argumentos particulares”. Dessa forma, segundo os mesmos autores (2004, p.66), “a partir de
uma premissa maior e mais genérica e uma menor e mais específica, pode-se chegar a um
resultado necesrio que é a conclusão”. O raciocínio elaborado na dedão tem como base o
silogismo, no qual se aceitando como verdadeiras as premissas, tem-se uma concluo verídica.
Neste artigo, inicia-se das premissas sociais informadas pela Criminologia Crítica e Hermenêutica
Jurídica para, em seguida, enquadrá-las na realidade judico-penal brasileira.
2 FUNDAMENTOS DA CRIMINOLOGIA CRÍTICA
A fim de estudar a real atuação do magistrado no âmbito do sistema penal, no que diz respeito à
defesa da ideologia segundo a qual tal área do Direito representaria o direito igual por excelência,
importa, inicialmente, traçar determinados aspectos criminológicos.
Em um primeiro momento, insta diferenciar a Criminologia Crítica do Direito Penal. E ste tem
suas raízes no Liberalismo, definido como um “conjunto de idéias éticas, políticas e econômicas
da burguesia” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 246), cujos valores supremos são a valorização
radical do indivíduo e a obsessiva preocupação em controlar o poder estatal. Com base nesses
valores é que as normas penais são criadas; portanto, desde logo notam-se os ideais burgueses
dissolvidos nessas cláusulas.
A Criminologia, por sua vez, surgirá como uma forma de recusa às teses preceituadas pelo
Direito Penal clássico. Porém, é importante ressaltar que embora diga estar contra o Liberalismo,
essa forma de pensamento nasceu arraigada aos mesmos valores que o Direito contra o qual luta.
Tendo isso em vista e por o objetivo deste trabalho ser tratar da crítica Criminologia, importa,
nos limites deste artigo, dentre as teorias concernentes à criminalidade, a fase que tem início com
o surgimento da teoria do etiquetamento ou labeling approach.

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