Criminalização da pobreza e de defensores de direitos humanos

AutorValdênia Brito Monteiro
CargoDoutoranda pela Universidade de Buenos Aires ? UBA, Mestra em Direito Público pela Universidade Federal de Pernambuco ? UFPE; professora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e Universidade Salgado de Oliveira (Universo); coordenadora do Curso de Especialização em Direitos Humanos da Unicap. E-mail: valdeniabrito@yahoo.com.br
Páginas238-255
https://cadernosdoceas.ucsal.br/
Cadernos do Ceas, Salvador/Recife, n. 240, p. 238-255, jan./abr., 2017 | ISSN 2447-861X
CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA E DE DEFENSORES DE
DIREITOS HUMANOS
Criminalization of poverty and Human Rights Defenders
Valdênia Brito Monteiro
Doutoranda pela Universidade de Buenos Aires
UBA, Mestra em Direito Público pela Universidade
Federal de Pernambuco UFPE; professora da
Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e
Universidade Salgado de Oliveira (Universo);
coordenadora do Curso de Especialização em
Direitos Humanos da Unicap.
E-mail: valdeniabrito@yahoo.com.br
Informações do artigo
Recebido em: 19/03/2017
Aceito em: 16/06/2017
Resumo
Este artigo problematiza algumas questões
referentes ao processo de criminalização da pobreza
e dos defensores de direitos humanos. A
criminalização é uma ação individual ou coletiva que
configura um crime. É resultado de processos de
definição e seleção que escolhem determinados
indivíduos aos quais se atribui status de criminoso.
No ca so dos defensores de direitos hu manos, o
processo de criminalização consiste em retirar o
aspecto político de determinada luta social, ao
individualizar a responsabilidade e desqualificar
práticas de determinados indivíduos ou grupos
sociais, de modo a promover a sua difamação
pública.
Palavras-chave: Criminalização da pobreza.
Defensores de Direitos Humanos. Seletividade.
Introdução
A instalação da lógica neoliberal trouxe modificações nas relações do trabalho,
provocando desemprego estrutural e acirramento das desigualdades sociais. Essa lógica,
cada vez mais, eleva o apartheid entre ricos e pobres, e o processo de criminalização é um dos
aspectos da política de controle social para conter uma quantidade de pessoas excluídas do
direito de viver com dignidade. Expressa Wacquant (2004, p. 4):
[...] a penalidade neoliberal é ainda mais sedutora e mais funesta quando
aplicada em países ao mesmo tempo atingidos por fortes desigualdades de
condições e de oportunidades de vida e desprovidos de tradição
democrática e de instituições capazes de amortecer os choques causados
pela mutação do trabalho e do indivíduo no limiar do novo século.
O Brasil está entre os dez países do mundo com o maior Produto Interno Bruto
(PIB), entretanto é o décimo país com o maior índice de desigualdade social (saúde,
educação, segurança etc.) e econômica (má distribuição de renda do mundo), e o quarto país
mais desigual da América Latina, segundo dados do Relatório de Desenvolvimento Humano
RDH, elaborado pelas Nações Unidas (2017).
A desigualdade social é uma das consequências da distribuição de renda, o que se
expressa pela pobreza, miséria, desemprego, violência, entre outras. Destaca-se ainda que a
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desigualdade também se caracteriza pela questão racial (negro, branco, amarelo, pardo) e de
gênero, desigualdade entre os sexos (homens e mulheres).
O relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2010)
aponta o Brasil como o terceiro pior índice de desigualdade no mundo. Quanto à distância
entre pobres e ricos, nosso país empata com o Equador, ficando atrás da Bolívia, Haiti,
Madagascar, Camarões, Tailândia e África do Sul.
Em outro índice, ele é o 11º país com maior taxa de homicídios do mundo, segundo
dados da Organização Mundial da Saúde - OMS (2016) - que alerta para a epidemia dos
homicídios. Avalia-se que 475 mil pessoas sejam assassinadas por ano. Desse total, 80% são
homens. A taxa no Brasil é de 32,4 homicídios para cada 100 mil pessoas, aproximando-se da
África do Sul, com 35,7; e Colômbia, com 43,9. Na liderança do ranking está Honduras, com
103,9 homicídios para cada 100 mil pessoas, seguida da Venezuela, com 57,6.
Apesar de a população pobre não ser responsável pelas desigualdades sociais e pelos
seus efeitos, é para essas pessoas que a manutenção da ordem está destinada. Estabelece-
se uma relação entre “pobreza” e “classes perigosas”, distinguindo-as do resto da sociedade
e rotulando como mera fonte de delito, e “insegurança”, “delito” e “pobreza”, e se constrói
um imaginário social de evidência do medo do outro. Como consequência das políticas de
exclusão social e de precarização de todos os planos da vida, produzem-se novos fenômenos
nas relações sociais. O medo "do outro" é um dos dados "organizadores" dessas relações de
desigualdade, desconfiança e diluição das solidariedades (LONGO; KOROL, 2008, p. 47).
Perseguir pobres e defensores de direitos humanos atores sociais/líderes/ativistas
de movimentos sociais−, “etiquetando-os” como marginais, subversivos e contra a ordem
estabelecida, é a maneira encontrada de tentar neutralizá-los ou impedi-los de atuar em
defesa dos ideais em que acreditam.
Nesse contexto, a mídia tem sido grande parceira do sistema, pois sua te se é
desqualificar pessoas comprometidas com os direitos humanos e reforçar o imaginário social
de que a pobreza tem relação com o território de crime. “[...] Os mais pobres têm sido alvo
de ações muito repressivas e de extrema visibilidade midiática, quando cometem algum tipo
violência, em detrimento das situações das quais são vítimas, pois tais contextos, de forma
geral, são naturalizados e banalizados” (BARROS; MOREIRA; DUARTE, 2008, p. 141).

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