Crimes e segredos na violência sexual contra as mulheres: o diálogo entre Durkheim e Simmel

AutorAlba Jean Batista Viana - Eduardo Sérgio Soares Sousa
CargoMestre em Ciências da Nutrição pela Universidade Federal da Paraíba, Brasil - Doutor em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba/UFPB
Páginas11-29
Política & Sociedade - Florianópolis - Vol. 14 - Nº 29 - Jan./Abr. de 2015
1111 – 29
Crimes e segredos na violência
sexual contra as mulheres:
o diálogo entre Durkheim e Simmel
Alba Jean Batista Viana1
Eduardo Sérgio Soares Sousa2
Resumo
Este estudo objetiva ref‌letir acerca dos crimes e dos segredos que envolvem a violência sexual
contra as mulheres. Trata-se de uma revisão bibliográf‌ica sobre vivências femininas, conside-
rando que a não publicização do ato violento aparece como uma preocupação constante entre
as mulheres. A partir do arcabouço teórico proposto por Émile Durkheim e Georg Simmel,
verif‌icou-se que esta violência está imersa em uma trama social, seja existencial ou da ordem
das hierarquias de gênero. Na concepção de crime apresentada por Durkheim, pode-se com-
preender que a mudança de valores, por atingir os estados da consciência coletiva, é central
para que a violência contra a mulher possa ser vista como um “ato criminoso”. A partir de Sim-
mel, o segredo, enquanto categoria sociológica, não deve ser interpretado como omissão ou
inércia, mas como uma forma de manutenção dos laços sociais. As interações dos indivíduos
ampliam as possibilidades do mundo social.
Palavras-chave: Violência sexual. Violência de gênero. Violência contra as mulheres. Crime. Segredo.
1 Introdução
Na literatura, os estudos dos crimes de violência sexual contra as mulhe-
res têm suas origens no início da década de 1980. Entre os trabalhos que com-
puseram o universo dessas análises, reconhecemos três correntes teóricas as-
sim designadas: dominação masculina, dominação patriarcal e, relativizando,
1 Mestre em Ciências da Nutrição pela Universidade Federal da Paraíba, Brasil e doutoranda no Programa de
Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba/UFPB. E-mail: albajean2009@gmail.com.
2 Doutor em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba/UFPB e professor no Programa de Pós-Graduação
em Sociologia nessa instituição.
E-mail: esegiosousa@uol.com.br.
http://dx.doi.org/10.5007/2175-7984.2015v14n29p11
Crimes e segredos na violência sexual contra as mulheres: o diálogo entre Durkheim e Simmel |Alba Jean Batista Viana e
Eduardo Sérgio Soares Sousa
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dominação-vitimização. Tais estudos têm como propósito compartilhar re-
ferências teóricas de modo a compreender e denir o fenômeno social da
violência contra as mulheres e a posição das mulheres em relação à violência
(SANTOS; IZUMINO, 2005).
A corrente da dominação masculina é constituída pelas manifestações
das relações de poder historicamente desiguais, estabelecidas entre homens
e mulheres, propiciando a violação dos direitos humanos. Nesta perspectiva,
tem-se uma violência oriunda da ideologia, da supremacia do masculino so-
bre o feminino, arraigada em uma sociedade que perpetua uma situação de
inferioridade da mulher como um atributo natural e, portanto, inerente a um
papel social a ser desempenhado. Nesse contexto social, a mulher em situação
de violência é compreendida tanto como vítima quanto cúmplice da domina-
ção masculina. De acordo com Chauí (1985, p. 43), esse tipo de manifestação
“[...] se trata de um discurso que não só fala de ‘fora’ sobre as mulheres, mas,
sobretudo, [...] se trata de uma fala cuja condição de possibilidade é o silêncio
das mulheres [...]”.
Na concepção de Gregori (1993a), os pressupostos adotados na análi-
se de Chauí transformam diferenças em relações hierárquicas de dominação,
nas quais se desconsidera que as mulheres nas relações familiares, mesmo em
situação de subalternidade, podem agir, condenar, ordenar e, por vezes, agre-
dir. Por conseguinte, Gregori acredita que Chauí (1985), ao considerar tais
manifestações como mera reação ou reprodução, pode “cair na armadilha” de,
mais do que estimular uma transformação, propiciar a conservação de uma
estrutura favorável à violência. Com relação a esse aspecto, o entendimento
de Chauí é de que as mulheres podem até perpetrar atos de violência, todavia,
tais expressões não ocorrem a partir de “escolha” ou “vontade” própria, tendo
em vista que a subjetividade feminina é privada de autonomia.
A segunda corrente – dominação patriarcal foi introduzida no Brasil
pela socióloga Heleieth Saoti e apresenta uma abordagem que lia a do-
minação masculina aos sistemas capitalista e racista (SANTOS; IZUMINO,
2005). Essa conformação teórica, por sua vez, compreende a violência como
expressão do patriarcado, atribuindo a este sistema uma ideologia machista, a
qual socializa o homem para dominar a mulher e esta para sujeitar-se ao seu
poder – “o poder do macho” (SAFFIOTI, 1987). No entanto, diferentemente
de Chauí (1985), Saoti (2011) recusa juízos que coloquem as mulheres em

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