Crimes eleitorais e suas penas na legislação brasileira

AutorHeraldo Felipe de Faria - Priscila C. Albergoni Paixão Calovi - Adilson de Assis Pereira
CargoAdvogado; Jornalista; Professor de Graduação e Pós-graduação nas Faculdades Dom Bosco de Cornélio Procópio e Facnopar de Apucarana - Graduanda do curso de direito pela faculdade Dom Bosco de Cornélio Procópio, Paraná, Brasil - Graduando do curso de direito pela faculdade Dom Bosco de Cornélio Procópio, Paraná, Brasil
Páginas126-152

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1. Introdução

O Direito Eleitoral, ramo autônomo do Direito Público, vem suprir essa necessidade de normatização das condutas humanas em face do processo eleitoral. É, em seu sentido formal, o conjunto de regras e princípios próprios, que regulam todo o processo eleitoral. Em seu aspecto material, é o direito do eleitor e do candidato, direito de garantia do exercício ativo e passivo do sufrágio, no sentido de participar dos negócios políticos do Estado. Ganha notoriedade a sua interdisciplinaridade com os demais ramos do sistema, em especial, o Direito Constitucional, Administrativo, o Direito Penal e Processual Penal. Vamos nos ater, aqui, a esse último aspecto, material e formal: o penal. Quando as normas do Direito Eleitoral não forem suficientes para intimidar ou reparar as ameaças ou lesões ao processo eleitoral, ou seja, quando fracassarem as regras e princípios eleitorais, desponta o Jus Puniendi Estatal

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capaz de garantir a coação e coerção mais severas contra tais comportamentos, necessárias à tutela dos interesses do povo.

Como disse o penalista Tobias Barreto, o direito de punir é uma necessidade imposta ao organismo social por força do seu próprio desenvolvimento. A complexidade e gravidade dos ilícitos penais eleitorais, portanto, requerem uma drástica e pronta resposta do Estado: a repressão penal. Há, pois, um Direito Penal Eleitoral ou Direito Eleitoral Penal, que consiste no conjunto de normas reguladoras de condutas antijurídicas que impõe uma sanção penal aos criminosos, aos que perturbam e ofendem, por seus comportamentos a democracia, a representação e o Estado de Direito.

O tema dos delitos eleitorais é polêmico, complexo e atual, e pouco aventado na literatura jurídica. Buscaremos, preliminarmente, estudar a Administração Pública Eleitoral no Brasil, em sua evolução constitucionalista. Sobre a localização da matéria, discutiremos os possíveis sistemas legais. Em seguida, enfrentaremos a questão da natureza jurídica dos delitos eleitorais em face do bem jurídico tutelado pelo Estado, sua definição e classificação. O leitor ainda encontrará referência aos elementos dos tipos penais em questão, suas penas e a ação penal cabível na Lei Federal.

2. Considerações de administração eleitoral

Segundo precisa definição de Nelson Hungria (1958), in verbis:

Administração pública é a atividade do Estado, de par com a de outras entidades de direito público, na consecução de seus fins, quer no setor do poder executivo (administração pública no sentido estrito), quer no do legislativo ou do judiciário.

No mesmo sentido, Heleno Cláudio Fragoso (1986) assevera que, em Direito Penal, não se deve tomar a acepção de Administração Pública, no sentido técnico e estrito, isto é, como conjunto de órgãos do

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Poder Executivo realizando serviços públicos, mas a lei penal considera a, "atividade funcional do Estado em todos os setores em que se exerce o Poder Público (com exceção da atividade política)."

Em matéria criminal, o conceito de Administração Pública vem sendo entendido em sentido mais amplo, compreendendo a totalidade de atividades do Estado e de outros entes públicos na consecução do bem-estar da sociedade. Engloba, portanto, as atividades administrativas (sentido estrito), legislativas e judiciárias em prol do desenvolvimento social.

Logo, à luz do Direito Penal, na noção de Administração Pública, que é gênero, insere-se a espécie Administração Eleitoral. Esta deve ser entendida, então, como o conjunto de órgãos responsáveis pela pro-teção da soberania popular exercida através do sufrágio universal e do voto direto e secreto com valor igual para todos (art. 14 da CF), bem como pelo alistamento eleitoral, registro dos candidatos, fiscalização da propaganda política, organização da votação, apuração e diplomação dos eleitos.

Insere-se também na competência da Administração Eleitoral o processamento e julgamento das ações iniciais e dos recursos eleitorais (art. 121, §§ 3o e 4o) e, a nosso sentir, a apuração, processamento e julgamento dos crimes eleitorais.

A administração da Justiça Eleitoral no Brasil, atualmente, cabe ao Poder Judiciário, por força de determinação constitucional, sendo os seus órgãos: o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Regionais Eleitorais, os Juízes Eleitorais e as Juntas Eleitorais. (MORAES, 2005)

A Constituição Cidadã não assentou, expressamente, o Ministério Público Eleitoral, mas a legislação infraconstitucional, ressalvou ao Ministério Público Federal o exercício dessa função, tendo ao seu lado os Ministérios Públicos Estaduais.

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3. Crimes eleitorais e sede material

A localização da matéria é questão sem controvérsias no complexo objeto ora analisado. A nosso ver, ela poderá se situar de acordo com três diferentes sistemas que justificam a colocação das regras penais em matéria de eleição quer na lei penal, quer no código respectivo. Há dois sistemas que se contrapõem e um terceiro, misto, que procura amalgamar aqueles outros.

Preliminarmente, o sistema que enseja a autonomia do Direito Penal. Os delitos na eleição - por serem espécie de uma conduta típica, antijurídica e culpável - pertencem ao âmbito do Jus Puniendi e, portanto, toda a matéria deveria estar contida nos Códigos Criminais. Às leis penais é que cabe conceituar o comportamento proibido do agente, sancionando-as em face das penas elencadas no rol do Codex Poenale.

Historicamente, depreende-se que o legislador brasileiro não regulou os delitos na eleição em sede de Código Penal. Após a Proclamação da República do Brasil, elaborou-se um novo Código Penal dos Estados Unidos do Brasil (Decreto n° 847, de 11 de outubro de 1890) que nada disciplinou sobre os crimes eleitorais. A Consolidação das Leis Penais (Decreto n° 22.213, de 14 de dezembro de 1932) manteve, literalmente, o sistema e os tipos anteriores, sem igualmente tangenciar sobre os delitos eleitorais. O Código Penal brasileiro, de 7 de dezembro de 1940, cuidou em último lugar da matéria dos "Crimes contra a Administração Pública" (praticados por funcionário público contra a administração em geral; praticados por particular contra a administração em geral; crimes contra a administração da justiça).

Francisco Campos, na Exposição de Motivos da Parte Especial do Decreto-Lei n° 2.848/40, relata que várias foram a inovações introduzidas, no sentido de suprir omissões ou retificar fórmulas da legislação vigente, até então injustificadamente deixadas à margem da nossa lei penal. Entretanto, na versou dos ilícitos penais nas eleições.

A preocupação remonta ao Código Eleitoral de 1932 (arts. 107 e 109), e a partir daí o legislador passou a elencar as disposições penais

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referentes aos crimes eleitorais nos demais códigos subsequentes, atendendo as peculiaridades do instituto. Assim passou-se ao Código Eleitoral de 1935 (arts. 183 e 184) e ao Código Eleitoral de 1950 (art. 175).

A segunda corrente é a da autonomia legislativa, isto é, a lei geral sobre eleições é que tratará dos delitos dessa espécie, porque há manipulação de princípios e conceitos da seara do Direito Eleitoral no que pertine ao instituto do procedimento eleitoral. É, a nosso sentir, a maneira adequada de locar os delitos eleitorais, seja em virtude da facilidade do seu manuseio e interpretação, seja porque constituem infrações ao Código Eleitoral.

Sem embargos, os casos e penas, portanto, devem estar con-textualizados na lei própria. Paulo José da Costa Jr. comentando o encerramento da Parte Especial do Código Penal leciona que se consagrou, nesse subsistema, o princípio lex specialis derrogat legem genera-lem. E finaliza: "é o único daqueles que regulamentam o concurso aparente de normas penais que obteve consagração legislativa". (COSTA JR., 2000)

Magalhães Noronha (1986) defende - acertadamente - a tese de que um Código Penal - caracteristicamente rígido e inflexível - não pode tratar de todas as condutas delituosas. Com efeito, há aqueles tipos que possuem caracteres próprios (efeitos, consequências, sujeitos ativo e passivo, bem jurídico, prescrição etc.) que, por uma questão de Política Criminal, revela-se inconveniente discipliná-los, homogeneamente, num único Diploma Criminal.

A Parte Especial acolheu a previsão da Legislação Especial, precisamente no art. 12 estabelecendo que "as regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso". As normas gerais do Código Penal incidem se as específicas versarem igualmente. Se existir conflito (aparente) prevalece as específicas porque mais aptas a tratar do fato incriminado. Paulo José da Costa Jr. (2000) justifica, "para que não seja violado o princípio do ne bis in idem, somente uma norma irá regulamentar efetivamente a

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hipótese fática" e "será inadmissível, num sistema jurídico penal que se propõe seja harmónico, a existência de normas contraditórias."

Joel José Cândido (2004) dissertando sobre o tema, explica a aplicação subsidiária do Código Penal vigente, ex vi do art. 287 do Código Eleitoral, ao positivar que as regras gerais da Lei Criminal se aplicam aos fatos incriminados na Lei Eleitoral. Para o autor gaúcho, "essa aplicação haverá de ser, então, subsidiária e supletivamente, ou seja, só quando não houver disposição eleitoral em sentido contrário, expressa ou implicitamente, a exemplo do que dispôs, relativo à parte processual penal, o art. 364 do Código Eleitoral. É a adoção do Princípio da Aplicação Subsidiária do Código Penal aos crimes eleitoral."

É a jurisprudência do Tribunal Regional do Estado de São...

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