A corte suprema que vai e que vem

AutorMarcus Gomes
CargoJornalista
Páginas26-43
26 REVISTA BONIJURIS I ANO 32 I EDIÇÃO 662 I FEV/MAR 2020
CAPA
Marcus GomesJORNALSTAMinistros do STF
A CORTE suprema
que vai e vem
Em novembro de 2019, o STF formou novo entendimento sobre a prisão de
condenados em segunda instância. Desta vez, o placar foi 6 a 5 – contra –
com efeito vinculante. Porém, nada indica que a novela esteja encerrada
“Tempos estra-
nhos”, disse o
ministro Marco
Aurélio Mello ao
iniciar, em outu-
bro do ano passado, a leitura
de seu voto que resultaria em
nova decisão do Supremo Tri-
bunal Federal sobre a prisão
em segunda instância.
A corte, que desde 2009 ver-
gava-se, ora contra ora a favor
da possibilidade de privação
de liberdade segundo a herme-
nêutica do trânsito em julgado,
tal como in verbis no artigo 5º
da Constituição, agora alterava
decisão anterior. E novamente
por escore apertado: 6 a 5. Des-
ta vez, contra a prisão em se-
gunda instância.
Esqueça-se que, em 2016,
apenas três anos antes, o pla-
car havia sido favorável à pri-
são após decisão do colegiado.
Agora tratava-se de julgar a
questão em abstrato, e desta
vez o efeito seria vinculante.
Ou seja, deve ser obedecida por
todas as instâncias inferiores
do judiciário e pela adminis-
tração pública em geral.
A exclamação do ministro
Marco Aurélio ao ler o seu voto
era um misto de surpresa com
sarcasmo. Tratava-se de fato
inédito ou, ao menos, inabitu-
al: o Partido Ecológico Nacio-
nal transmutado em Patriota,
ajuizara ação declaratória de
constitucionalidade buscando
a harmonia do artigo 283 do
a constituição. Porém, no inter-
regno da tramitação da  na
corte, e ao sabor dos novos ven-
tos políticos, pronunciava-se
na tribuna da Câmara bradan-
do pela inconstitucionalidade
do artigo 283. Era, portanto,
uma posição contrária à que
propusera na inicial da .
Mas isso não era tudo. Mello
ainda tocaria outra nota de
sua f‌lauta ao constatar que a
Advocacia-Geral da União, le-
gitimada para ser a curadora
do ato impugnado (art. 103, §
3º), manifestara-se pela “in-
constitucionalidade” do artigo
283. Tempos estranhos.
O impacto do novo entendi-
mento talvez ganhasse menos
repercussão caso não envol-
vesse a soltura do ex-presiden-
te Luiz Inácio Lula da Silva. O
ministro-presidente do ,
Dias Tof‌foli, bem que tentou
deter os efeitos pós-decisão.
No primeiro momento, apre-
sentando um improvável o-
cio à Câmara dos Deputados,
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Como se lerá adiante, nos
votos resumidos e editados
dos 11 ministros do , os en-
tendimentos sofreram mudan-
ças decisivas. No caso de Rosa
Weber, por entender que a sua
posição que, antes, não deveria
pesar ou constituir “fator suf‌i-
ciente para legitimar alteração
jurisprudencial”, agora se ve-
rif‌icava principiológica e, por-
tanto, digna de manifestação.
No caso do ministro Gilmar
Mendes, o entendimento fa-
vorável à prisão em segunda
instância evoluíra para sua ne-
gação.
“Já no ano de 2017, ainda no
primeiro semestre, depois da
decisão do plenário na apre-
ciação das liminares nesta ,
comecei a demonstrar minhas
primeiras reticências com a
práxis que passou a se desen-
volver no país em matéria de
prisões provisórias seguidas
de autorização da execução
da pena após o julgamento em
segunda instância. Falei vá-
rias vezes que nós tínhamos
um encontro marcado com as
prisões alongadas de Curiti-
ba. E as prisões provisórias de
Curitiba se transformaram em
sentenças def‌initivas e em de-
cisões def‌initivas de segundo
grau. A regra era prisão provi-
sória de caráter permanente.
De forma cristalina, af‌irmo
que o fator fundamental a de-
f‌inir essa minha mudança de
orientação foi o próprio des-
virtuamento que as instâncias
ordinárias passaram a perpe-
trar em relação à decisão do
”, af‌irmou Mendes.
O que virá a seguir é impre-
visível. Em novembro do ano
passado, logo após a decisão da
corte, o ministro Dias Tof‌foli
disse não ver empecilho para
que o Congresso altere a Cons-
tituição a f‌im de restabelecer a
prisão em segunda instância.
O assunto, nos primeiros dias
pós-decisão ganhou urgência
nos gabinetes parlamentares,
mas arrefeceu conforme as
movimentações se mostraram
tímidas ou pouco enérgicas.
Tof‌foli diz que o assunto não
é cláusula pétrea, porém uma
emenda constitucional para
determinar a prisão em segun-
da instância exigiria ao menos
40 sessões no Congresso e es-
barraria frontalmente com o
princípio da presunção da ino-
cência – este sim pétreo e imu-
tável.
Registre-se que o que esteve
em debate na corte suprema,
no ano passado, era a consti-
tucionalidade do artigo 283 do
diz que, em razão de condena-
ção, ninguém pode ser preso
exceto se houver “sentença
condenatória transitada em
julgado” – ou seja, quando não
houver mais qualquer possibi-
lidade de recurso.
A maioria dos ministros en-
tendeu que esse artigo af‌ina-se
com a determinação do 5º da
Constituição, de que “ninguém
será considerado culpado até o
trânsito em julgado da senten-
ça penal condenatória”.
Detalhe inescapável nessa
celeuma que acaba de atraves-
sar três décadas: a decisão é
vinculante para as instâncias
inferiores do Judiciário mas
não para o , a corte supre-
ma. Ou seja, se a corte for pro-
vocada, ela pode devolver o
tema à pauta. Ad inf‌initum. n
em que abria a possibilidade
de que o  seria a instância-
-limite para determinar a pri-
são de réu condenado. Quando
sua ideia ganhou contornos
estapafúrdios ou, ao menos, in-
sustentáveis, uma vez que ba-
tia novamente na questão do
trânsito em julgado, ele apre-
sentou nova proposta, lançan-
do a alternativa de o Congresso
criar lei barrando a prescrição
da pena até a decisão def‌initiva
da última instância. Mais um
tiro pela culatra, desta vez sem
ter como alvo o trânsito em jul-
gado, mas a presunção da ino-
cência, preceito fundamental
que seria ferido de morte.
Dias Tof‌foli foi o voto de mi-
nerva ao decretar a virada por
6 a 5 da tese contrária à prisão
em segunda instância, mas foi
Rosa Weber quem determinou
a guinada.
A ministra, que foge dos
holofotes e raramente se ma-
nifesta fora dos autos, votou
contrariamente à prisão em
segunda instância, debruçan-
do-se sobre o preceito consti-
tucional em abstrato. Em vota-
ções anteriores, quando julgou
o caso em concreto, ela acom-
panhara o colegiado.
A decisão teve efeito qua-
se imediato. No dia seguinte
à decisão, em 8 de novembro,
o ex-presidente Lula ganhou
liberdade com pompa, circuns-
tância e festa de apoiadores.
Outras solturas ocorreram nos
dias seguintes com a deter-
minação da ministra Carmen
Lúcia (que foi voto vencido no
plenário) para que o , com
sede em Porto Alegre, libertas-
se todos os condenados que
mandara encarcerar.
Rev-Bonijuris_662.indb 27 15/01/2020 15:09:49

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