Cortadores de Cana-de-Açúcar: Análise Histórica dos Trabalhadores em Condições Análogas à de Escravo

AutorCamilla de Lellis Mendonça
Páginas29-40
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Introdução
A atividade de corte de cana-de-açúcar é antiga no Brasil, vez que atrelada à primeira grande
investida mercantilista dos colonizadores portugueses: a produção de açúcar sob o sistema de
plantagem (GORENDER, 2016). Por aproximadamente 50 anos, contados do ano de 1530, utili-
zou-se a mão de obra escrava indígena de forma extensiva, a qual foi, gradativamente, substituída
pela africana (SCHWARTZ, 1988, p. 68), situação essa que, legalmente, perdurou até a abolição
da escravatura, pela Lei Áurea, em 1888.
Hoje, a mão de obra utilizada na exploração da cana-de-açúcar é, teoricamente, livre. Con-
tudo, apresenta diversas características que a assemelham ao trabalho escravo colonial, motivo
pelo qual se pode dizer que se trata do que se convencionou por trabalho escravo contemporâneo
(CORTADORES, 2007).
O trabalho em condições análogas à de escravo é denido por Sento-Sé (2001, p. 27) como:
[...] aquele em que o empregador sujeita o empregado a condições de trabalho degra-
dantes, inclusive quanto ao meio ambiente em que irá realizar sua atividade laboral,
submetendo-o, em geral, a constrangimento físico e moral que vai desde a deformação
do seu consentimento ao celebrar o vínculo empregatício, passando pela proibição im-
posta ao obreiro de resilir o vínculo quando bem entender, tudo motivado pelo interesse
mesquinho de ampliar os lucros às custas da exploração do trabalhador.
O referido conceito apresenta-se atual em relação a vários dispositivos legais, como o Código
Penal Brasileiro (CPB), as Convenções ns. 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT) e a Portaria n. 1.293/2017 do Ministério do Trabalho, a qual considera em condição análoga
à de escravo o trabalhador submetido, de forma isolada, ou conjuntamente, ao trabalho força-
do, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho e cerceamento de liberdade. No caso
dos cortadores de cana, embora seja desnecessária a cumulação das hipóteses delineadas pela
referida norma, é muito comum a observância da jornada exaustiva concomitante ao trabalho
degradante.
(1)  Especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada pela Univer-
sidade Federal de Uberlândia (UFU). Advogada trabalhista camilla.lellis@gmail.com.
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