A corrosão estrutural do trabalho em escala global e seus principais significados

AutorRicardo Antunes
Páginas161-165

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Adentramos em uma nova fase da crise estrutural do capitalismo com a consequente ampliação da precarização do trabalho em escala global. As empresas globais alegam que precisam aumentar sua produtividade e competitividade, o que só pode ser feito mediante a corrosão das condições de trabalho.

Como é cada vez mais difícil competir com os padrões chineses e indianos de superexploração do trabalho, até a Europa quer repetir o mesmo receituário do FMI, que devastou o Sul do mundo, impondo aos governos dos países onde a crise é mais agressiva e, ao proceder desse modo, caminha celeremente para o desmonte do que resta do chamado estado de bem-estar social. O exemplo atual da Grécia é emblemático, seguido por Espanha, Portugal, Itália etc.

Trata-se, então, de salvar as grandes corporações em detrimento do que resta do mundo do trabalho e de seus direitos. E quanto mais a crise avança, quão mais o receituário destrutivo do capital financeiro, com seu Fundo Monetário Internacional à frente se impõe, mais avança a sua pragmática letal para o trabalho.

Os exemplos desse quadro crítico são abundantes: o desemprego atingiu as mais altas taxas das últimas décadas nos EUA, Inglaterra, Espanha, Portugal, Itália, Grécia, França, Japão, e a lista é interminável, lembrando que o epicentro da crise atual encontra-se alojado nos países do Norte capita-lista. A Alemanha, por exemplo, tem conseguido mascarar os índices de desemprego porque o compensa pela enorme ampliação do trabalho parcial e precário que substitui trabalho estável e dotado de direitos. E que vem trazendo consequências profundas no Sul do Mundo, como se pode ver pela crise brasileira a partir de 2013.

Assim, quando o cenário não é o do desemprego aberto e direto, presenciamos o crescimento da erosão do emprego contratado e regulamentado que foi dominante no século XX - o século do automóvel, dominado pelo taylorismo e o fordismo - proliferando as diversas formas de trabalho terceirizado, quarteirizado, part time, desprovido de direitos. Temos, então, a erosão dos empregos e a corrosão do trabalho. A terceirização é a sua porta de entrada.

Sabemos que essa tendência em dilapidar a força de trabalho não é algo recente. Marx, no volume III de O Capital, dentre tantas outras partes em que tratou da economia no emprego e a utilização dos resíduos da produção, indicou essa tendência destrutiva em relação ao trabalho de modo excepcional:

O capital tem a tendência a reduzir ao necessário o trabalho vivo diretamente empregado, a encurtar sempre o trabalho requerido para fabricar um produto - explorando as forças produtivas sociais do trabalho - e portanto a economizar o mais possível o trabalho vivo diretamente aplicado. Se observamos de perto a produção capitalista (...) verificamos que procede de maneira extremamente parcimoniosa com o trabalho efetuado, corporificado em mercadorias. Entretanto, mais do que qualquer outro modo de produção, esbanja seres humanos, desperdiça carne e sangue, dilapida nervos e cérebro. (...) Todas as parcimônias de que estamos tratando decorrem do caráter social do trabalho, e é de fato esse caráter diretamente social do trabalho a causa geradora desse desperdício de vida e da saúde dos trabalhadores. (Marx, 1974, p. 97 e 99)

Portanto, podemos acrescentar que a monumental reestruturação do capital executada nas últimas quatro décadas e a intensificada na contextualidade da crise atual, vem exacerbando este quadro crítico em relação ao trabalho, de modo que a precarização vem se tornando a regra e não a exceção.

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Subordinado ao comando da produção maquínica, seja pela vigência da máquina-ferramenta autômata ou da máquina informacional-digital presente nas tecnologias de informação e comunicação, o trabalho relativamente mais formalizado da era tayloriano-fordista está sendo amplamente substituído pelos mais distintos e diversificados modos de ser da informali-dade e da precarização, de que são exemplos os trabalhos terceirizados (em sua ampla variedade), tendencialmente cada vez mais pautados pela condição de precariedade.

No entanto, - é aqui reside o maior segredo atual do capital - ao mesmo tempo em que se ampliam os mais diver-sos modos de ser do trabalho informal e precarizado - presenciamos também, e simultaneamente a ampliação das novas formas geradoras do valor, ainda que sob a aparência do não--valor, utilizando-se de novos e velhos mecanismos de intensificação da mais-valia, absoluta e relativa, que frequentemente camuflam mecanismos de autoexploração do trabalho.

O "cooperativismo", o "empreendedorismo", o "trabalho voluntário", para lembrar alguns exemplos, são frequentemente modalidades desse tipo de trabalho mascarado ou mesmo invisibilizado. Dado que a informalidade se verifica quando há ruptura com os laços formais de contratação e regulação da força de trabalho, pode-se acrescentar que a informalidade é a porta de entrada para a de condição de maior precariedade, visto que em sua vigência ocorrem formas de trabalho frequentemente desprovidos ou burlados em seus direitos.

Assim, a terceirização e a informalidade da força de trabalho vêm se constituindo como mecanismos centrais, implementados pela engenharia do capital para aumentar a exploração do trabalho, valorizando o capital. E, quando mais essa processualidade se intensifica, maior é o movimento propulsor da precarização estrutural do trabalho.

Não é por outro motivo que, em pleno século XXI, há jornadas de trabalho, no centro da cidade de São Paulo, que atingem dezessete horas por dia, na indústria de confecções, mediante a contratação informal de trabalhadores imigrantes bolivianos, peruanos, haitianos (ou, ainda, de outros países latino-americanos), controlados por patrões frequentemente coreanos ou chineses.

No agronegócio do açúcar, é também constante a burla dos direitos no trabalho: os trabalhadores rurais que cortam mais de dez toneladas de cana por dia (média em São Paulo, mas no Nordeste...

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