Reclamação e correição parcial: critérios para distinção

AutorAdalberto Narciso Hommerding
CargoJuiz de Direito no Estado do Rio Grande do Sul
Páginas65-94
RECLAMAÇÃO E CORREIÇÃO PARCIAL: CRITÉRIOS PARA DIS TINÇÃO
PARTIAL CLAIM AND CORRECTION: CRITERIA FOR DISTINCTION
Adalberto Narciso Hommerding
1
Sumário: Introdução. 1 Reclamação. 1.1 Brevíssimo histórico da reclamação n o Brasil. 1.2
Previsão constitucional e in fraconstitucional da reclamação. 1.3 Qual é o objetivo da reclamação? 1.4
Quem pode cometer desobediência a julgado do STF e do STJ? 1.5 Natureza jurisdicional ou
administrativa? 1.6 Reclamação é recurso ou ação? 1.7 Legitimidade para propor a reclamação. 1.8 Cabe
reclamação perante os tribunais de justiça dos estados ou tribunais regionais federais? 1.9 Contra quem é
cabível a reclamação? 2 Correição parcial. 2.1 Brevíssimo histórico da correição parcial no Brasil. 2.2
Qual é o objetivo da correição parcial? 2.3 Ainda é possível falar de correição parcial? 2.4 Por que a
correição parcial não é recurso? 2.5 Legitimidade para exercer a correição parcial. 2.6 Contra quem é
cabível a correição parcial? 3 Análise dos casos. 4 Quadro comparativo entre a reclamação e a correição
parcial. Referências.
Resumo: O artigo enfoca a distinção entre a reclamação constitucional e a correição parcial.
Palavras-chave: Direito constitucional brasileiro. Reclamação constitucional. Correição
parcial.
Abstract: This article focuses, from the perspective of the Brazilian constitutional law, the
distinction between constitucional claim and partial correction.
Keywords: Brazilian constitucional Law. Constitucional claim. Partial correction.
Introdução
Primeiro caso: um Juiz de Direito, em substituição na Comarca, d efere, em 6 de j aneiro de 2009,
pedido formulado pela defesa, em processo criminal, no sentido de possibilitar a juntada de rol de
testemunhas após a resposta à acusação. O Juiz de Direito titular da Vara Judicial da Comarca, ao retornar
e assumir novamente a titularidade, de ofício, em 9 de fevereiro de 2009, revoga a decisão anterior.
Segundo caso: o Juiz de Direito, em processo criminal por homicídio doloso o fato denunciado
diz respeito à colisão ocorrida no trânsito, envolvendo veículo conduzido pelo réu, que, do losamente,
teria causado a morte de um dos caroneiros -, determina o desentranhamento d e documento relevante
(perícia técnica e depoimentos colhidos em processo cível, envolvendo as mesmas partes e o mesmo
objeto) acostado pela defesa do réu, sob o fundamento de que não foi pro duzido “com o bservância ao
princípio do contraditório”.
Terceiro caso: um Delegado de Polícia de um d os Estados da Federação determina a instauração
de inquérito policial com o objetivo de apurar suposta prática do delito previsto no art. 244-A da Lei nº
8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), praticado por um Conselheiro do Tribunal de Contas do
Estado. O inquérito policial é distribuído ao Juízo da Vara Penal dos Inquéritos Policiais d a Comarca.
Quarto caso: um cidadão ajuíza ação pleiteando revisão de benefício previdenciário, cuja decisão
vem a lhe ser parcialmente favorável, transitando em julgado. Sem ter iniciado a execução de sentença , o
autor dirige-se à Secretaria da Vara Federal e reclama que o INSS não cumpriu a decisão judicial. O Juiz
da Vara, então, determina a intimação pessoal do Procurador do INSS para, em quarenta e oito horas,
cumprir a ordem judicial transitada em julgado, a fim de incluir no cálculo do salário o novo valor do
benefício a que faz jus o autor, sob pena de multa diária de R$ 500,00, a ser aplicada ao Procurador.
Apesar da forma “curiosa” de iniciar o texto2 (“primeiro caso”, “segundo caso” etc.), assim o
fizemos para ressaltar a importância dos contextos3 de aplicação dos institutos a que n os propusemos
1 Juiz d e Direito no Estado do Rio Grande do Sul. Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS.
Professor na Escola Superior da Magistratura da Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul AJURIS e Universidade
Regional Integrada URI, campus de Santo Ângelo.
2 A in spiração para, dessa maneira, começar a falar da temática vem da dissertação de Mestrado “A invocação de precedente
jurisprudencial como fundamentação de decisão judicial: uma crítica ao sincretismo improvisado entre os sistemas de civil e
common law no Brasil e uma proposta para sua superação hermenêutica”, de autoria do amigo e Magistrado Maurício Ramires, com
orientação do Prof. Lenio Luiz Streck, defendida este ano na Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS, São Leopoldo
(RS).
estudar: a reclamação e a correição parcial. A narração desses casos, portanto, tem por objetivo dar início
à d iscussão do tema objeto do título do presente texto: “Reclamação e correição parcial: critérios para
distinção”. Essa distinção será possibilitada, primeiramente, pelo levanta mento de algumas das
características marcantes d e cada instituto, com o apoio da doutrina e jurisprudência existentes sobre o
assunto, e, segundo, p ela análise dos casos a fim de se verificar em qual contexto devem um ou outro ser
utilizados.
Leonardo L. MORATO, em aprofundado estudo monográfico sobre os institutos, lembra q ue é de
“longa data” e ainda perdura a “confusão” que se faz entre a reclamação constitucional e a correição
parcial
4. Apesar disso, como pontua Marcelo Navarro Ribeiro DANTAS - noutra obra não menos
aprofundada sobre o mesmo tema -, “hoje em dia não se justifica mais qualquer dúvida sobre a completa
distinção entre elas”5. Ou seja: apesar das ditas “confusões de longa data” a começar pelo “cipoal”
terminológico6 -, atualmente, é possível, sim, estabelecer distinções bem claras entre ambos os institutos.
E é isso que procuraremos fazer, topicamente.
1 Reclamação
3 Sobre texto e contexto, na hermenêutica filosófica, consultar: GADAMER, Hans-Georg. Arte y verdad de la palabra. Tradução
José Francisco Zúñiga García e Faustino Oncina. Barcelona : Paidós, 1998. 157 p.; GADAMER, Hans-Georg. El giro hermenéutico.
Traducción de Arturo Parada. Madrid : Catedra, 1998. 238 p.; GADAMER, Hans -Georg. El problema de la conciencia historica.
Traducción e introducción de Agustín Domingo Moratalla. 2. ed. Madrid : Tecnos, 2000. 116 p.; GADAMER, Hans-Georg. Elogio
da teoria. Tradução João Tiago Proença. Lisboa : Edições 70, 2001. 141 p.; GADAMER, Hans-Georg. Hermenéutica de la
modernidad: conversaciones com Silvio Vietta. Traducción de Luciano Elizaincín-Arrarás. Madrid : Trotta, 2004. 110 p.;
GADAMER, Hans-Georg. V erdade e método I: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução Flávio Paulo
Meurer. 3. ed. Petrópolis : Vozes, 1999. 731 p.; GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método II: complementos e ín dice. Tradução
de Ênio Paulo Giachini. Petrópolis : Vozes, 2002. 621 p. No direito, consultar: STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurídica e(m)
crise: uma exploração hermenêutica da construcão do direito. 3.ed. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2001. 319 p.; STRECK,
Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002. 710
p.; STRECK, Lenio Luiz. Verdade e consenso: Constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. Rio de Janeiro : Lumen Juris,
2009.
4 MORATO, Leonardo L. Reclamação e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo : Revista dos Tribunais,
2007, p. 38.
5 DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Reclamação constitucional no direito brasileiro. Porto Alegre : Fabris, 2000, p. 32.
6 No Estado de Santa Catarina, a correição chama-se reclamação. Nesse sentido, o ca put do art. 243 do RITJSC: “Art. 243 – Caberá
reclamação de decisão que contenha erro ou abuso, que importe n a inversão da ordem legal do processo, quando para o caso não
haja recurso específico”. No Rio de Janeiro, a correição parcial vem prevista no Código de Organização e Divisão Judiciárias do
Estado do Rio de Janeiro. O art. 219 do referido estatuto também trata a correição como reclamação: “Art. 219 – São suscetíveis de
correição, mediante reclamação da parte ou de órgão do Ministério Público, as omissões do j uiz e os despachos irrecorríveis por ele
proferidos, que importem em inversão da ordem legal do processo ou resultem de erro d e ofício ou abuso de poder”. No Estado d o
Rio Grande do Sul, há previsão da correição parcial no Código de Organização Judiciária do Estado do Rio Grande do Sul, Lei nº
7.356/80, conforme abaixo:
Art. 195. A correição parcial visa à emenda de erros ou abusos que importem na inversão tumultuária de atos e fórmulas legais, na
paralisação injustificada dos feitos ou na dilatação abusiva de prazos, quando, para o caso, não haja recurso previsto em lei.
§ 1° O pedido de correição parcial poderá ser formulado pelos interessados ou pelo Órgão do Ministério Público, sem prejuízo do
andamento do feito.
§ 2° É de cinco (5) dias o prazo para pedir correição parcial, contado a partir da data em que o interessado houver tido ciência,
inequivocamente, do ato ou despacho que lhe der causa.
§ 3° A petição deverá ser devidamente instruída com documentos e certidões, inclusive a que comprove a tempestividade do pedido.
§ 4° Não se tomará conhecimento de pedido insuficientemente instruído.
§ 5° O magistrado prestará informações no prazo de dez (10) dias; nos casos urgentes, estando o pedido devidamente instruído,
poderão ser dispensadas as informações do Juiz.
§ 6° A c orreição parcial, antes de distribuída, será processada pelo Presidente do Tribunal de Justiça ou por um de seus Vice-
Presidentes, que poderá exercer as seguintes atribuições do Relator:
a) deferir liminarmente a medida acautelatória do interesse da parte ou da exata administração da Justiça, se relevantes os
fundamentos do pedido e houver probabilidade de prejuízo em caso de retardamento, podendo ordenar a suspensão do feito;
b) rejeitar de plano o pedido se intempestivo ou deficientemente instruído, se inepta a petição, se do ato impugnado houver recurso
ou se, por outro motivo, for manifestamente incabível a correição parcial.
Na doutrina, PONTES DE MIRANDA não faz distinção entre reclamação e correição. PONTES DE MIRANDA, Francisco
Cavalcanti. Comentários ao Código de Processo Civil. tomo V. São Paulo : Forense, 1974, p. 379-394. Ernani Fidélis dos SANTOS,
por sua vez, chama a correição de “correição parcial em autos”. SANTOS, Ernani Fidélis dos. Manual de direito processual civil :
processo de conhecimento. v.1. 12.ed. São Paulo : Saraiva, 2007, p. 677. Marcelo Ribeiro Navarro DANTAS, a seu turno, trata a
correição parcial como “reclamação correicional”. DANTAS, M. N. R. Op. cit., p. 32.

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