Corporate capitalism and the international regulation of competition/Capitalismo corporativo e a regulacao internacional da concorrencia.

AutorPicciotto, Sol

A corporacao permitiu a transformacao radical do capitalismo, do laissez-faire ao capitalismo corporativo regulado (1). Ainda que o direito da concorrencia tenha nascido de um impulso populista para restringir o poder economico oligopolizado, acabou se tornando, em grande medida, um forma de molda-lo e legitima-lo. Leis concorrenciais se difundiram pelo mundo, e hoje desempenham um papel de crescente importancia em modelar o oligopolio e o planejamento corporativos, e em mediar a relacao entre os poderes empresarial e estatal. Essas tecnicas regulatorias se disseminaram internacionalmente, difundidas inicialmente pelos EUA e depois tambem pela Uniao Europeia, tornando-se elas proprias armas na competicao entre corporacoes. Apesar de algumas diferencas de abordagem, um largo consenso em relacao aos conceitos e principios a serem aplicados emergiu, rejeitando perspectivas que sugerem que o direito da concorrencia deva restringir de forma mais vigorosa a concentracao empresarial. Entretanto, ainda que esse consenso conceitual, ao menos nominalmente, favoreca mercados competitivos, a aplicacao de diferentes normas concorrenciais tem gerado conflitos. Tentativas de coordenar a regulacao concorrencial por meio de ordenamentos formais falharam reiteradamente, mas redes semiformais e comunidades de profissionais da regulacao tem assegurado uma estabilidade substancial na pratica.

Origens: a regulacao antitruste dos EUA

As ideias e os conceitos da regulacao da concorrencia emergiram no periodo formativo das leis antitruste dos EUA, entre 1890 e 1914. Nos paises capitalistas avancados, a rapida acumulacao entre 1860 e 1890 resultou em periodos de altos e baixos em razao da superproducao, levando a tentativa, por parte das empresas, de controlar a concorrencia (Fligstein 1990: 36-7). A preferencia inicial era por tirar de cena os concorrentes, ou cooperar com eles por meio de diferentes formas de associacao ou cartel (2). Tais acordos para restringir a concorrencia poderiam ser vistos como sendo ilegais sob as leis contra restricoes ao comercio, que permaneciam em vigor em diversos paises desde o fim do periodo mercantil. Entretanto, no final do seculo XIX, contexto em que ideologias liberais tornaram-se largamente dominantes, as cortes, governos e mesmo a opiniao publica nao tinham certeza sobre como aplicar tais leis aos carteis. Apesar de os carteis organizarem mercados e, portanto, restringirem a concorrencia, acordos de cartelizacao tambem poderiam ser considerados manifestacao da liberdade de contrato (3). Em termos economicos, esses acordos poderiam ajudar a proteger pequenas e medias empresas dos perigos das forcas de mercado irrestritas.

Nos Estados Unidos, advogados construiram diversas formas de combinacao: pools, trustes, ou empresas holding. Entretanto, questionamentos da validade juridica dessas formas empresariais se exacerbaram a partir da oposicao populista aos "baroes ladroes" ("robber barons") dos grandes negocios e os seus trustes (4). Isso levou a promulgacao da lei Sherman (Sherman Act) em 1890, construida sobre as bases de principios ja existentes do common law, que formalmente proibia "todo contrato, combinacao na forma de truste ou outra qualquer, ou conspiracao para restringir o comercio", e tornava crimes os comportamentos de "monopolizar, ou tentar monopolizar, ou combinar ou conspirar com outra pessoa ou pessoas para monopolizar o comercio".

A interpretacao dos conceitos centrais de "restricao ao comercio" e "monopolizar" criou um campo de contestacao e debate, marcado por fortes divergencias, especialmente na Suprema Corte, onde, inicialmente, uma maioria sustentava uma visao estrita de que a lei proibia qualquer acordo anti-competitivo (Weinstein 1968, Sklar 1988). Entretanto, isso nao impedia que uma empresa, individualmente, obtivesse posicao dominante ao tirar do mercado seus concorrentes, ou mesmo ao incorpora-los por meio de aquisicoes de seus bens ou acoes (Sklar 1988: 135-6). O Sherman Act tornou-se uma ferramenta juridica ainda mais flexivel depois de 1911, quando nos casos Standard Oil e American Tobacco, a Suprema Corte endossou a "regra da razao". Por essa regra, nem todos os acordos que restringissem a concorrencia seriam necessariamente proibidos, mas somente o monopolio ou as restricoes "irrazoaveis" ao comercio, como aquelas deliberadamente voltadas a excluir da concorrencia competidores que nao fossem parte do acordo.

A rapida redefinicao do uso da corporacao como principal forma institucional para os grandes negocios depois de 1890 deveu-se, sobretudo, ao impulso de superar os disturbios do mercado e as crises de superproducao em outras palavras, para controlar e limitar a concorrencia por meio do planejamento e coordenacao dos negocios. Isso foi particularmente importante nos EUA, devido ao paradoxal efeito de uma legislacao antitruste que, motivada pelo sentimento contra as grandes empresas, encorajou a concentracao empresarial, especialmente na medida em que foi aplicada de forma seletiva nas acusacoes e interpretacoes judiciais contra associacoes "informais" (Sklar 1988: 154-66, Bittlingmayer 1985). Os poderes governamentais de persecucao criminal foram utilizados para regular o que a opiniao oficial julgava ser um comportamento empresarial irresponsavel (Weinstein 1968: 67). Dessa forma, o Sherman Act ajudou a moldar o debate sobre poder corporativo e a mediar o processo de emergencia, durante a Era Progressiva nos EUA, de um consenso em torno do capitalismo corporativo regulado (5).

A difusao internacional da regulacao da concorrencia

Na segunda parte do seculo XX, as leis concorrenciais se espalharam vastamente por meio de processos de interacao jurisdicional, emulacao, e transplantes legais ou do imperialismo. E valido notar que, ainda que o direito da concorrencia aparente ser neutro, uma vez que objetiva criar condicoes equitativas de disputa entre empresas, e que exista consideravel convergencia de perspectivas e principios, ha conflitos significantes quanto a sua efetiva aplicacao. Consequentemente, a regulacao da concorrencia tornou-se uma arena de enfrentamento entre diferentes politicas em relacao a concentracao empresarial e a cartelizacao, bem como uma potente arma para as proprias empresas utilizarem umas contras as outras na sua corrida por vantagens competitivas.

A iniciativa historica de utilizacao de leis concorrenciais para impulsionar e legitimar o capitalismo corporativo regulado veio dos EUA, ainda que a Comissao Europeia tenha se tornado um entusiasmado apostolo do credo do direito concorrencial. Com a possivel excecao de um curto periodo durante os anos 1970, em que o debate esteve focado no codigo de soft law da Conferencia das Nacoes Unidas sobre Comercio e Desenvolvimento (UNCTAD) sobre Praticas Restritivas (Restrictiv Business Practices Code), um amplo consenso reina desde entao: o de que o direito da concorrencia deve estar focado em acordos, e que nao deve questionar o dominio de grandes empresas--no maximo, devendo agir como controlador de suas praticas oligopolisticas. Tornou-se consideravelmente dificil, porem, o desenvolvimento de procedimentos legais de hard law para assegurar a harmonizacao da aplicacao de leis nacionais, ou para coordenar o direito da concorrencia com areas correlatas de regulacao, notadamente sobre comercio internacional.

Entre 1890 e 1938, carteis internacionais eram tidos, em geral, como os meios mais efetivos para o planejamento dos negocios e para a administracao da economia mundial. Os seus principais objetivos eram mitigar os efeitos nocivos da competicao, especialmente a tendencia a superproducao, em razao das vastas economias de escala, que resultava em flutuacoes de preco violentas e na consequente criacao e destruicao anarquica de capacidade produtiva. Os carteis dominaram diversas industrias de ponta, correspondendo a uma fatia de 25% a 40% do comercio mundial, e suas atividades incluiam a imposicao de padroes tecnicos (por exemplo, para lampadas eletricas), compartilhamento de tecnologia, especialmente por meio de pooling e licenciamento cruzado de patentes, coleta de informacoes para informar aos seus membros, assim como a divisao de mercados mundiais por zonas entre empresas norte-americanas e europeias (Stocking and Watkins 1946, 1948, Wells 2003: ch.1, Kudo and Hara 1992). Os governos encorajavam, apoiavam e, por vezes, eles proprios organizavam acordos de carteis, especialmente para produtos primarios, como borracha, trigo, nitratos e acucar.

Ate mesmo as autoridades norte-americanas toleravam e, as vezes, encorajavam carteis, notadamente no apoio a associacoes empresariais no governo de Herbert Hoover e durante a fase de "economia planejada" da lei de Recuperacao Nacional (National Recovery Act) do presidente Roosevelt. Ainda que a aplicacao de leis antitruste dos EUA a atividades desempenhadas parcialmente no exterior gerasse questoes jurisdicionais, o problema podia ser administrado, ja que as regras eram suficientemente indeterminadas para que fossem aplicadas seletivamente (6). Dessa forma, no final dos anos 1930, com a mudanca de orientacao politica, as autoridades norte-americanas comecaram a aplicar sistematicamente as leis antitruste a carteis internacionais. Os casos iniciados a epoca levaram a uma atitude mais agressiva em direcao a aplicacao da doutrina e do direito antitruste dos EUA aos negocios internacionais (7). O efeito do movimento contra os carteis foi o de propalar empresas transnacionais dos EUA, apos a guerra, a mercados estrangeiros por meio de investimento direto.

Em paralelo a aplicacao das leis estadunidenses a empresas internacionais, ocorreu a exportacao da filosofia e das leis antitruste dos EUA a outros paises, como parte de uma assimilacao mais ampla do modelo de negocios norte-americano. As investigacoes do Congresso no periodo de guerra fortaleceram a opiniao, nos EUA, sobre a necessidade do desmantelamento dos carteis. Essa visao foi desenvolvida...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT