A Convivência Intergeracional no Trabalho Rural em Sociedades Camponesas: Desafios para a Legitimidade de Políticas Públicas de Erradicação ao Trabalho Infantil

AutorThais Barbosa Reis - Maria Dione Carvalho de Moraes
CargoGraduada em Direito, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Doutoranda em Políticas Públicas, UFPI - Pós-Doutoranda em Sociologia/PPGS-UFPE
Páginas1-9

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Revista Logos | Edição 1/2015

A Convivência Intergeracional no Trabalho Rural em Sociedades Camponesas: Desafios para a Legitimidade de Políticas Públicas de Erradicação ao Trabalho Infantil1Thais Barbosa Reis2

Maria Dione Carvalho de Moraes3

Resumo 123 Em sociedades camponesas, a estrutura das chamadas famílias extensas sempre foi compatível com a necessidade de mão-de-obra para a lavoura de aprovisionamento. Nesse tipo de família, é comum contar-se com a convivência de até quatro gerações. Para enfrentar o presente e o futuro, agricultores camponeses recorrem ao passado e saberes tradicionais, transmissíveis aos filhos e filhas. O campesinato, pois, pode ser visto como uma cultura, que se refere a uma tradição, inspirada, dentre outras, por regras de parentesco, de herança, e de formas de vida local. Ocorre que, estas práticas culturais entram em choque com as Políticas Públicas de erradicação ao trabalho infantil que, ancoradas nos Direitos Humanos da criança e do adolescente, impedem que estes participem do trabalho familiar no campo. Através da revisão bibliográfica e da pesquisa de campo ainda em andamento em um assentamento rural situado em Teresina-Piauí-Brasil, o presente artigo tem por objetivo discutir a legitimidade das políticas de erradicação do trabalho infantil no campesinato, focalizando a cultura das sociedades camponesas, o convívio intergeracional no trabalho e os Direitos Humanos da criança e do adolescente.

Palavras-chave: campesinato – trabalho infantil – políticas públicas

1. Introdução

O campesinato pode ser conceituado como o modo de vida ancorado no tripé família, terra e trabalho. Neste modo de vida, é comum as chamadas famílias extensas, dada a necessidade de mão de obra para a lavoura. O convívio intergeracional se dá costumeiramente em até quatro gerações que partilham dos saberes tradicionais transmitidos para as gerações posteriores, como forma de enfrentar o presente e futuro.

1 – Artigo publicado nos Anais do Congresso Latinoamericano de Sociologia - ALAS Costa Rica 2015
2 – Graduada em Direito, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Doutoranda em Políticas Públicas, UFPI, thais_r@ hotmail.com
3 – Pós-Doutoranda em Sociologia/PPGS-UFPE; Doutora em Ciências Sociais/IFCH/UNICAMP, Profa. no DCIES/CCHAL/UFPI, mdione@superig.com.br

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É uma cultura que se refere a tradição, inspirada, dentre outras, por regras de parentesco, de herança, e de formas de vida local.

“Ocorre que, estas práticas culturais entram em choque com as Políticas Públicas de erradicação ao trabalho infantil que, ancoradas nos Direitos Humanos da criança e do adolescente, impedem que estes participem do trabalho familiar no campo”. (REIS E MORAES, 2013).

Através da revisão bibliográfica e da pesquisa de campo ainda em andamento em um assentamento rural situado em Teresina-Piauí-Brasil, o presente artigo tem por objetivo discutir a legitimidade das políticas de erradicação do trabalho infantil no campesinato, focalizando a cultura das sociedades camponesas, o convívio intergeracional no trabalho e os Direitos Humanos da criança e do adolescente.

Espera-se contribuir para a compreensão da cultura camponesa e da necessidade de dialogo desta com as políticas públicas e legislação de proteção à infância.

2. Sociedades Camponesas: convívio intergeracional e trabalho

No âmbito do campesinato, trabalhadores/as da agricultura familiar camponesa nascem e são socializado/as em um universo no qual a família cultiva a terra para seu aprovisionamento. É comum que crianças sejam iniciadas, em geral, a partir dos cinco ou seis anos de idade, nos chamados serviços leves, tais como: alimentar animais, sobretudo a “miunça” (MORAES, 2000); ajuda a levar refeições para o pai, na roça, a depender da distância do local de trabalho em relação à casa; ajudar nos afazeres domésticos, regar hortas; acompanhar as mulheres em coletas de coco babaçu, de pequis, etc (REIS E MORAES, 2015).

Para Chayanov (1974), o comportamento econômico de camponeses não se enquadra no modelo capitalista das teorias clássicas, ancoradas na renda, salário e lucro. Nas unidades produtivas familiares, a distribuição terra, trabalho e capital estão ancoradas em uma racionalidade singular. Isto porque a família camponesa possui uma dinâmica demográfica própria, em razão do número de membros que a compõe e da diversidade de idade entre eles e isto orientará o volume de trabalho e consumo necessário para garantir a sobrevivência dos membros da família. A teoria chayanoviana que focaliza a relação trabalho-consumo pode ser relativizada com a noção de “economia de aprovisionamento” (Sahlins, 1970, p. 118), segundo a qual “a produção doméstica não é descrita exatamente como produção para uso, isto é, para o consumo direto. As famílias também podem produzir para troca, assim conseguindo indiretamente o que precisam” (SAHLINS, 1970, p. 118,). Para, Woortmann, E. (1978, p. 05) “é apenas em parte que a reprodução da força de trabalho camponesa se realiza pelo autoconsumo;

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com a comercialização de seus produtos o camponês apura uma renda monetária indispensável à sua subsistência, inclusive para a compra de alimentos”.

Quanto aos recursos, o principal é a mão-de-obra não remunerada, dada a extensão das famílias. A terra e o capital são variáveis, dependendo do mercado de terras e acumulação interna das famílias. Para Chayanov, camponeses tendem a ajustar seus padrões de consumo ao se vincular ao mercado, passando a absorver produtos de origem urano-industrial.

A economia camponesa apresenta peculiaridades devido ao caráter da divisão familiar do trabalho, e são regras de parentesco que definem tanto a unidade de produção quanto a de...

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