Conversa com Ruy Braga.

AutorDemier, Felipe
CargoENTREVISTA - Interview

Sempre atento as configuracoes assumidas pelas mais diversas lutas sociais ao redor do globo, o sociologo conversou com a Em Pauta sobre suas mais recentes obras e interpretacoes acerca das transformacoes contemporaneas nas relacoes sociais capitalistas, notadamente no mundo do trabalho, no campo das lutas sociais e nos processos de formacao e organizacao da classe trabalhadora.

  1. Em "A Pulsao Plebeia: trabalho, precariedade e rebelioes sociais" (Alameda, 2015), seu ultimo livro, e estabelecida uma relacao entre o "precariado"--sujeito social discutido em sua obra anterior ("A Politica do precariado: do populismo a hegemonia lulista". Sao Paulo: Boitempo, 2012)--e as manifestacoes urbanas verificadas em varios locais do mundo no contexto da atual crise capitalista. De que forma as profundas metamorfoses no mundo do trabalho, verificadas nas ultimas decadas, ajudam a explicar o cenario politico mundial, em especial no que diz respeito ao aparente protagonismo do "precariado" no atual ciclo de lutas sociais pelo mundo?

    RB: Esse e um tema importante, pelo fato de que as principais analises a respeito desse ultimo ciclo de rebelioes sociais que se verifica na Europa e na America Latina enfatizam a questao politica como o eixo que mobiliza propriamente esses sujeitos coletivos e, evidentemente, a questao politica associada a questao democratica, ou seja, a uma especie de crise de representatividade politica nos diferentes contextos nacionais que, evidentemente, e correto. Ou seja, ha de fato um deficit democratico que alimenta, por assim dizer, esse ciclo recente de mobilizacoes e de rebelioes sociais. O que eu tento enfatizar, na verdade, e que, apesar de necessaria, essa explicacao nao e suficiente para dar conta da globalidade desse fenomeno. Por conta disso eu procurei trazer, tanto em "A Politica do Precariado", quanto em "A Pulsao Plebeia", a dimensao propriamente economica ligada a estrutura social e as transformacoes do regime de acumulacao pelas quais tem passado o capitalismo recentemente, nessa etapa da globalizacao, para procurar exatamente identificar quais sao os elementos, quais sao as dimensoes que aglutinam, que agregam e que, de alguma maneira, estao presentes em todas essas, ou na maioria dessas rebelioes. Do ponto de vista politico, voce vai encontrar demandas, pautas, dimensoes que sao muito particulares. No caso dos paises europeus, voce vai encontrar, normalmente, uma pauta, uma agenda focada na defesa da protecao social, do Estado social de direitos. No caso da America Latina, voce vai encontrar uma agenda mais ligada a crise urbana ou a ausencia de servicos publicos, e isso e importante destacar porque diz respeito a essa agenda mais imediata. No entanto, o problema e tentar entender, para alem dessa aparente diversidade, quais sao as tendencias comuns. Na minha opiniao, as tendencias comuns passam necessariamente pela questao da crise economica que se desenvolve no capitalismo globalizado a partir de 2008, pelas transicoes que ocorrem no proprio regime de acumulacao que se adapta a esse contexto de crise e pela formacao daquilo que a gente poderia chamar de um jovem precariado global, ou seja, que se forma na globalizacao e tem caracteristicas distintas dos precariados anteriores, em especial da formacao do precariado fordista, do pos-Segunda Guerra, e que, na minha opiniao, tambem tem protagonizado esse ciclo, o de lutas. Entao, nesse sentido, o que eu tento fazer em especial em "A Pulsao Plebeia" e estabelecer esses links, essas ligacoes entre a formacao desse precariado em escala global, que e o produto, por assim dizer, do aprofundamento da crise da globalizacao capitalista a partir de 2008, com os contextos nacionais, em especial, no caso, o brasileiro e o portugues.

  2. Em sua opiniao, seria correto falar em um descompasso entre a nova morfologia do mundo do trabalho (marcado, entre outras caracteristicas, pela precarizacao da forca de trabalho) e as formas de representacao economico-corporativa/politica dos setores subalternos? O precariado e capaz de reinventar estas formas?

    RB: Eu diria que o precariado representa, do ponto de vista politico, um enorme desafio para as estruturas tradicionais de organizacao da classe trabalhadora, em especial os sindicatos, mas a gente pode estender isso aos partidos politicos, as associacoes etc. Digo isto porque, do ponto de vista politico, o precariado representa um principio solvente, ou seja, ele e o produto do colapso de uma forma, de um modo de desenvolvimento anterior que de certa maneira ainda existe, subsiste, mas ele ainda nao se consolidou como um estrato, digamos assim, estavel. Isso significa que ele e formado fundamentalmente por uma parte muito jovem dos trabalhadores, consequentemente, uma parte jovem carente de uma certa experiencia politica institucional, mas, por outro lado, ele vem de uma trajetoria de escolarizacao mais longa do que a geracao anterior e, consequentemente, consegue elaborar e ter acesso a um conjunto, a um universo de informacoes que e, digamos assim, muito mais sofisticado que no passado. Esse jovem precariado domina instrumentos tecnologicos que...

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