Conventionality Control: regional human rights constitutionalism?/ Controle de Convencionalidade: constitucionalismo regional dos direitos humanos?

AutorTorelly, Marcelo

Introducao

Surgida no final dos anos 1970, a Corte Interamericana de Direitos tornou-se um ator protagonista no cenario latino-americano especialmente a partir dos anos 1990. Fortalecendo-se na qualidade de tribunal especializado na garantia e reparacao as violacoes de direitos humanos na regiao, a Corte produziu farta jurisprudencia que influenciou diversos tribunais domesticos e produziu repercussoes mesmo em outros sistemas regionais e no direito comparado (BUERGENTHAL, 2006) (1). Entre os desenvolvimentos jurisprudenciais mais recentes da Corte, a partir da segunda metade dos anos 2000, esta a doutrina do "controle de convencionalidade" das leis e atos dos Estados-Membros. Partindo de uma analogia domestica, a doutrina toma a Convencao Americana como analoga a uma constituicao, propondo um modelo de controle de legalidade similar aquele realizado pelos tribunais constitucionais nacionais.

O presente artigo tem por objetivo analisar o desenvolvimento desta doutrina de controle estrito de legalidade, radicalmente distinta daquela produzida por outras cortes regionais de direitos humanos, como Tribunal Europeu dos Direitos Humanos que defende a existencia de uma "margem de apreciacao" pelos estados nacionais. Para este fim, primeiramente, situa historicamente o modelo latino-americano em comparacao com o europeu passando, a seguir, a descrever as cinco fases de desenvolvimento da doutrina na jurisprudencia da Corte. Metodologicamente, a primeira parte do estudo se debruca sobre a doutrina juridica que analisa os sistemas regionais de direitos humanos desde uma perspectiva comparada, posteriormente passando-se a analise de elementos extraidos de um conjunto de dez casos decididos entre os anos de 2001 e 2011, nos quais a Corte apresenta, desenvolve e modifica o conceito de controle de convencionalidade.

Constatando que o desenvolvimento da doutrina do controle de convencionalidade pela Corte Interamericana faz parte de um processo mais amplo, que almeja promover a "constitucionalizacao" do sistema regional de Direitos Humanos, o artigo conclui que tal processo representa uma expansao significativa em relacao a interpretacao corrente quanto as obrigacoes internacionais assumidas pelos Estados ao aceitarem a competencia contenciosa da Corte Interamericana. A maior ou menor aceitacao de tal inovacao pelos Estados-Membros sera determinante para o sucesso da doutrina no futuro proximo.

  1. Contexto do desenvolvimento da jurisprudencia da Corte Interamericana sobre revisao judicial baseada na Convencao Americana

    Duas fortes tendencias presentes na literatura sobre o Sistema Interamericano de Direitos Humanos sao a sua comparacao com o sistema regional europeu e com as ordens constitucionais domesticas (MAZZUOLI & TERRA, 2003). A emergencia da doutrina sobre um controle de legalidade baseado na Convencao Americana dialoga com ambas as tendencias.

    Em um dos mais influentes trabalhos escritos sobre o impacto da Corte Interamericana, Alexandra Huneeus apresenta tres distincoes centrais entre os sistemas europeu e americano (HUNEEUS, 2011). Primeiramente, o contexto e o tipo de intervencao. O Sistema Europeu inicia seus trabalhos lidando com um conjunto de paises majoritariamente democraticos e com uma tradicao de maior aderencia ao estado de direito. Por outro lado, o contexto de criacao do Sistema Interamericano e, mais ainda, da Corte, e antagonico: boa parte do continente vivia sob a egide de regimes autoritarios, e grande parte dos paises possuia longo historico de rupturas da ordem legal. Isso, para Huneeus, explica historicamente o papel mais protagonista do tribunal americano no desenvolvimento de diversas doutrinas legais de limitacao da soberania estatal, como aquelas relacionadas a vedacao de anistias, a pratica de desaparecimentos forcados e a obrigacao de investigar e punir graves violacoes contra os direitos humanos.

    Em segundo lugar, Huneeus aponta a pratica "ativista" da Corte Interamericana no remedio as violacoes que identifica. A pratica europeia e a de indicar ao Estado Membro a verificacao de uma violacao a Convencao Europeia, deixando a seu criterio a solucao para o caso, geralmente em termos individuais e com compensacoes pecuniarias. Nao e acaso ser a pratica europeia o berco da doutrina da "margem de apreciacao" nacional (BENVENISTI, 1998). Paralelamente, a pratica da Corte Interamericana vem sendo a de emitir longos elencos de medidas concretas a serem implementadas pelos Estados, demandando aos tres poderes constituidos, incluindo a positivacao de delitos, revisao de politicas publicas e a reabertura de acoes judiciais concretas, muitas vezes, dotando as decisoes de efeito erga omnes. Alguns academicos passaram a criticar tal pratica extensiva apontando ser ela uma expansao nao pactuada das obrigacoes internacionais contraidas pelos Estados (MALARINO, 2010).

    Em terceiro lugar, a Corte Europeia encerra sua atuacao no caso apos a emissao da decisao, transferindo o monitoramento dos casos para o Comite de Ministros (um orgao de natureza politica). Alternativamente, no Sistema Interamericano a supervisao das decisoes cabe a propria Corte. Objetivando ampliar a efetividade de suas decisoes a Corte Interamericana inovou, estabelecendo sua competencia para monitorar a implementacao de suas decisoes pelos Estados Membros. Enquanto no Sistema Europeu a decisao encerra o caso na esfera judicial, devolvendo-o as autoridades politicas, no Sistema Interamericano a Corte segue como protagonista de longo prazo sem que ocorra, a qualquer tempo, uma devolucao do caso a esfera politica da Organizacao dos Estados Americanos. Dai a afirmacao de que a Corte Interamericana "criou um regime dual unico de administracao de recursos legais e supervisao continua de cumprimento" (HUNEEUS, op.cit: p.502).

    Essas tres caracteristicas, a um so tempo, demonstram a capacidade adaptativa e criativa da Corte Interamericana em produzir inovacoes juridicas relevantes para fazer frente aos desafios concretos de sua conjuntura politica, mas tambem expoe sua tendencia expansiva. E bem verdade que boa parte do sucesso ate aqui obtido pela Corte e devido a sua responsividade as demandas propostas pela sociedade civil e filtradas pela Comissao Interamericana, criando solucoes elaboradas para superar problemas de arquitetura institucional e efetividade de decisoes em um contexto politico adverso. Porem, e igualmente verdadeiro que a acao intervencionista do Sistema e da Corte nao refluiu pari passu a democratizacao dos regimes politicos dos Estados Membros a ela submetidos. Ou seja: se em um primeiro momento a Comissao Interamericana mostrou-se militante, e a Corte Interamericana soube construir estrategias para "speak law to politics", nos anos recentes um conjunto substancial de objecoes vem sendo levantado quanto ao eventual carater "antidemocratico" e "antiliberal" de sua atuacao (MALARINO, op.cit; GARGARELLA, 2012).

    No centro das criticas encontra-se a construcao doutrinaria pela Corte da uma ideia estrita de "controle de convencionalidade". Equiparado ao controle de constitucionalidade vertical e com vinculacao erga omnes realizado pelos tribunais constitucionais domesticos (HITTERS, 2009), o conceito deu azo a distintas (e, as vezes, concorrentes) doutrinas, e contrasta radicalmente com o modelo de "margem de apreciacao" usado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, por vezes criticado por sua exagerada flexibilidade e deferencia aos Estados soberanos (2). A pretensao de exercicio de controle de legalidade pela Corte Interamericana ocorre em paralelo ao processo de afirmacao do tribunal regional, que passa a se apresentar como uma corte analoga as cortes supremas domesticas e, portanto, detentora da "ultima palavra" em materia de direitos humanos na regiao.

    Uma serie de autores ja enfrentaram o tema da evolucao da doutrina do controle de convencionalidade por distintas perspectivas. Para citar tres entre os mais relevantes, Claudio Nash apresenta uma classificacao em quatro etapas, de acordo com a evolucao da pretensao vinculante (NASH ROJAS, 2013). Juan Carlos Hitters, estabelecendo paralelos entre convencionalidade e constitucionalidade, reconstroi a historia de desenvolvimento da doutrina como um processo de desvencilhamento do modelo europeu e, ainda, de exclusao de perspectivas domesticas conflitantes pela jurisprudencia interamericana (HITTERS, op.cit.). Finalmente, Laurence Burgorgue-Larsen apresenta um desenvolvimento em tres fases, tendo por referencia a emergencia e especificacao de uma obrigacao vinculante para os juizes domesticos (BURGORGUE-LARSEN, 2014), destacando, ainda, em comparacao com o contexto europeu, que apesar do maior desenvolvimento institucional dos lacos de integracao regional naquele bloco, "em nenhum momento o Tribunal de Estrasburgo elaborou de maneira tao estruturada uma teoria [...] que tenha por consequencia enquadrar de maneira explicita as competencias das jurisdicoes nacionais" (BURGORGUE-LARSEN, op.cit., p.434 (3)).

    Para os fins deste estudo, sera apresentada uma quarta classificacao, complementar as anteriormente referidas. Contendo cinco fases, acompanhando linearmente a emergencia e posteriores reconfiguracoes da doutrina do controle de convencionalidade na Corte Interamericana.

    O desenvolvimento jurisprudencial (e aquele doutrinario que o acompanha) parte da interpretacao conjunta dos artigos 1.1 e 2 da Convencao Americana de Direitos Humanos, o primeiro estabelecendo o dever dos Estados de "respeitar os direitos e liberdades" protegidos pela Convencao, e o segundo o "dever de adotar disposicoes de direito interno" para garantia dos direitos e liberdades. A ausencia de qualquer referencia explicita a um mecanismo de controle judicial de legalidade ao contrario da previsao explicita de necessidade de adequacao legislativa) e contornada, tanto pela jurisprudencia quanto pela doutrina, pela apresentacao da emergencia do controle de convencionalidade nao como uma "nova...

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