Convenções processuais atípicas na execução civil

AutorFernando da Fonseca Gajardoni
CargoProfessor Doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da USP (USP/FDRP)
Páginas283-321
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 1. Janeiro a Abril de 2021
Periódico Quadrimestral da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 283-321
www.redp.uerj.br
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CONVENÇÕES PROCESSUAIS ATÍPICAS NA EXECUÇÃO CIVIL
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PROCEDURAL AGREEMENTS IN BRAZILIAN CIVIL ENFORCED EXECUTION
Fernando da Fonseca Gajardoni
Professor Doutor de Direito Processual Civil da Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto da USP (USP/FDRP). Doutor e
Mestre em Direito Processual pela Faculdade de Direito da
USP (USP-FD). Juiz de Direito no Estado de São Paulo desde
1998. Ribeirão Preto/SP. E-mail: fernando.gajardoni@usp.br
RESUMO: O presente estudo analisa as condições e limites de cabimento das convenções
processuais atípicas no âmbito da execução civil (art. 190 do CPC). Trata, também, da
controvérsia sobre o cabimento das convenções processuais para afastar a impenhorabilidade
do bem de família legal ou dos vencimentos do devedor, bem como dos negócios processuais
de desjudicialização da execução civil e de admissão de medidas executivas atípicas
convencionais.
PALAVRAS-CHAVE: Convenções processuais. Execução civil. Bem de família.
Vencimentos. Desjudicialização da execução civil. Medidas executivas atípicas.
ABSTRACT: The present study analyzes the conditions and limits for the procedural
agreements in brazilian enforced execution (art. 190 CPC). It also deals with the controversy
about the possibility to remove protection of legal family property” (bem de família) or the
debtor's salary by procedural agreements, and the appropriateness of procedural settles to
dejudicialization enforced civil execution and to deal atypical conventional executive
measures.
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Artigo recebido em 05/10/2020 e aprovado em 13/12/2020.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP
Rio de Janeiro. Ano 15. Volume 22. Número 1. Janeiro a Abril de 2021
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Patrono: José Carlos Barbosa Moreira (in mem.). ISSN 1982-7636. pp. 283-321
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KEY WORDS.: Civil procedural law. Procedural agreements. Civil enforced execution.
Dejudicialization.
1. Introdução
O publicismo processual e, por conseguinte, o ideário de cogência das normas
processuais e procedimentais, fizeram com que a doutrina não se interessasse muito pelo
estudo dos negócios jurídicos processuais no regime processual revogado
2
. Alguns autores,
inclusive, negaram a existência de contratos em matéria processual, sob o fundamento de
que a vontade dos sujeitos processuais não determina os efeitos dos atos processuais que
praticam, não havendo, por isso, discricionariedade para que elas possam convencionar a
respeito
3
. Mesmo os que aceitavam a existência de convenções processuais aduziam que não
se poderia emprestar à vontade da parte no processo civil a mesma importância que tem no
direito privado, eis que no processo há sempre um elemento especial a considerar, e é a
presença do órgão do Estado sobre a atividade do qual, se bem que estranho ao negócio,
pode ele exercer influência mais ou menos direta
4
.
O CPC/1973, contudo, não desconsiderava a vontade das partes no processo.
Tomando como referência a norma processual que se almejava relativizar (e não a natureza
do direito material em conflito), até havia alguns temas todos relativos a normas
processuais não cogentes em que o CPC/1973 admitia a celebração de negócios jurídicos
bilaterais típicos pelas partes. A eleição de foro (art. 111 do CPC/1973), a suspensão
voluntária do processo (art. 265, II, CPC/1973), a convenção sobre ônus da prova (art. 333,
parágrafo único, CPC/1973), o adiantamento da audiência por convenção das partes (art.
453, I, CPC/1973) e a convenção de arbitragem (art. 267, VII, CPC/1973 e art. 3.º da Lei n.º
9.307/1996), entre outros, são exemplos sempre lembrados. Ampliado o espectro de
abrangência do negócio jurídico processual para abarcar, também, os atos unilaterais
(negócios jurídicos unilaterais), o CPC/1973 também considerava relevante a vontade para
2
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Convenções das partes em matéria processual. Temas de direito processual
civil: terceira série. São Paulo, Saraiva, 1984, p. 87/98.
3
ROCHA, José Albuquerque. Teoria geral do processo. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 1 996, p. 253 e ss.
4
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Traduzido por Paolo Capitano. Campinas:
Bookseller, 1998c v 3, p. 25-26.
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admitir a desistência do processo (art. 267, VIII), o reconhecimento jurídico do pedido (art.
269, II), a renúncia ao recurso (art. 502), a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação
(art. 269, V), a escolha do juízo da execução (art. 475-P) etc.
Entretanto, de modo atípico (genérico) isto é, sem que houvesse previsão legal
expressa reconhecendo os efeitos da específica manifestação de vontade ou da inércia das
partes , a vontade dos litigantes era irrelevante para a definição do modo de ser do processo
civil no regime revogado.
Poucos no Brasil foram aqueles que, antes de qualquer cogitação a respeito de um
Novo CPC, se arriscaram a sustentar, de lege ferenda, a necessidade e a possibilidade de a
vontade das partes, por meio de negócios bilaterais atípicos (convenções processuais), influir
no curso do processo e do procedimento:
“se por um lado, como regra, as normas processuais no todo
(incluídas as procedimentais) são de ordem pública e, como tal, de
observância obrigatória por todos os atores processuais com o que
não discordamos em princípio por outro, inúmeras situações
ligadas ao direito material, à realidade das partes, ou simplesmente
à inexistência de prejuízo, devem permitir a eleição do
procedimento, inclusive pelas próprias partes (...) Seria interessante,
de lege ferenda, ampliar a possibilidade de as partes celebrarem
negócio jurídico processual quanto ao prazo processual. Se aos
litigantes interessa, precipuamente, a resolução do conflito, parece-
me que devem ter eles autonomia, também, para consensualmente
estabelecer o curso do procedimento ou de parcela dele, nos moldes
do que já ocorre em sede arbitral”
5
.
O CPC/2015, de modo bastante inovador e sem equivalente exato em direito
comparado, rompe a dogmática até então reinol, e, mediante uma cláusula geral de negócio
jurídico processual, passa a admitir que a vontade das partes, por meio de negócios jurídicos
processuais bilaterais atípicos (não disciplinados casuisticamente em lei), tenha impacto no
procedimento e na relação jurídica processual estabelecida em lei. O art. 190 dispõe que:
“versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição,
é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no
procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e
convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres
processuais, antes ou durante o processo”.
5
GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização procedimental: um novo enfoque para o estudo do
procedimento em matéria processual. São Paulo: Atlas, 2007, p. 215 e ss.

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