Convenções disciplinadoras do processo judicial

AutorPedro Gomes de Queiroz
CargoProfessor substituto de Prática Jurídica Cível da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Páginas693-732
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume XIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
693
CONVENÇÕES DISCIPLINADORAS DO PROCESSO JUDICIAL
Pedro Gomes de Queiroz
Professor substituto de Prática Jurídica Cível da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mestrando em Direito
Processual na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Bacharel em
Direito pela PUC-Rio. Advogado no Rio de Janeiro.
RESUMO: O presente artigo trata do regime jurídico, da posição do juiz e dos limites
das convenções processuais celebradas pelas partes.
PALAVRAS-CHAVE: convenções processuais, contraditório, ampla defesa,
cooperação, direitos indisponíveis.
ABSTRACT: This paper deals with the legal regime, the judge’s role, and the limits of
the procedural conventions celebrated by the parties.
KEYWORDS: procedural agreements, right to be heard, evidence, cooperation,
inalienable rights.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Distinção entre convenções processuais e declarações
concordantes das partes. 3. A posição do juiz nas convenções processuais. 4. Direitos
materiais indisponíveis. 5. Convenções processuais celebradas por incapazes. 6.
Equilíbrio contratual e paridade de armas. 7. A autonomia da cláusula processual em
relação ao contrato que a contém. 8. O problema da admissibilidade de convenções fora
dos casos previstos em lei. 9. O regime jurídico das convenções processuais. 10.
Condição e termo. 11. Nulidade e anulabilidade. 12. Efeitos das convenções
processuais. 13. Autorização de juízos de equidade e de escolha da lei aplicável. 14.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume XIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
694
Convenções probatórias. 15. Acordo de eleição de foro. 16. Proposições, convenções e
omissões fáticas. 17. Disposições sobre o procedimento. 18. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
As convenções sobre matéria processual podem ter por objetivo evitar o
processo judicial
1
ou programar a solução judicial de um possível conflito (CADIET,
2012, p. 7). Neste trabalho trataremos, tão somente, do último tipo de convenção
processual, a que denominamos convenções disciplinadoras do processo judicial.
As partes podem convencionar previamente acerca do método e do regramento a
ser utilizado no caso do surgimento de um conflito. Surgida a controvérsia, a convenção
pode ser um instrumento de gestão do processo. Entretanto, a celebração de um acordo
processual é mais provável antes do surgimento do litígio, que muitas vezes retira das
partes a capacidade de dialogar (CADIET, 2012, p. 7).
A escassa reflexão da doutrina brasileira sobre as convenções disciplinadoras do
processo judicial é certamente uma razão para a pouca utilização prática destas.
Segundo Liebman (1985, p. 226-227), Dinamarco (2003, v. 2, p. 472), José de
Albuquerque Rocha (2003, p. 242), Daniel Mitidiero (2005, t. 2, p. 15 e s.) e Alexandre
Câmara (2013, p. 274), não existem negócios jurídicos processuais, pois os atos de
vontade das partes produzem no processo apenas os efeitos ditados por lei
2
. Entretanto,
o argumento não se sustenta, pois a vontade das partes de produzir o efeito previsto pela
lei, é suficiente para caracterizar o negócio jurídico processual. Além disso, como
bem observa Marcos Bernardes de Mello (2003, p. 176-177), os negócios processuais
podem encontrar-se no âmbito da dispositividade, quando também é possível o
regramento do conteúdo eficacial do negócio, sempre dentro de balizas legais ex.: foro
1
A convenção de arbitragem, disciplinada pela Lei 9.307/1996, mediante a qual as partes interessadas
submetem a solução de seus litígios ao juízo ar bitral tem por objetivo evitar o processo judicial, podendo
ser prévia ou incidente ao processo judicial.
2
Alexandre Câmara (2013, p.274-275) cita como exemplo a transação, que produz no processo os efeitos
previstos no art. 269, III, CPC/1973, acarretando a extinção do módulo processual de conhecimento com
resolução do mérito da causa. O mencionado doutrinador também ent ende que não existem atos
dispositivos bilaterais no processo, por não aceitar a existência, na relação processual, de vínculo direto
entre autor e réu. Isso porque adota a teoria angularista da relação pr ocessual. Assim, não reconhece a
existência de ato de disposição processual decorrente da emissão simultânea de duas vontades, mas vê aí
dois atos jurídicos, duas declarações de vontade, ambas dirigidas a um mesmo fim. Daí falar em atos
dispositivos concordantes.
Revista Eletrônica de Direito Processual REDP. Volume XIII.
Periódico da Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito Processual da UERJ.
Patrono: José Carlos Barbosa Moreira www.redp.com.br ISSN 1982-7636
695
de eleição, convenção para substituição de bem penhorado, convenção para distribuição
do ônus da prova, convenção de arbitragem, transação, dentre outros.
Para Pontes de Miranda (1997, t. 3, p. 4, 19-20), Moacyr Amaral Santos (2004,
p. 284-285), Barbosa Moreira (1984, p. 87-98), Arruda Alvim (2003, p. 495-496), Paula
Sarno Braga (2007, p. 293-320) e Marcelo Abelha (2003, p. 37-38), existem negócios
jurídicos processuais.
Barbosa Moreira (1984, p. 87-88) observa que o CPC/1973 trata das convenções
processuais em vários de seus artigos: os arts. 111 e 112 cuidam da eleição
convencional de foro
3
; o art. 265, II, e §3º, disciplina a convenção de suspensão do
processo
4
; o art. 792 trata da convenção de suspensão da execução
5
; o art. 333,
parágrafo único, cuida da convenção sobre distribuição do ônus da prova
6
; o art. 453, I,
disciplina o adiamento da audiência por convenção das partes
7
; o art. 475-C, I, in fine,
trata da escolha convencional do arbitramento como forma de liquidação da sentença
8
; o
3
Este acordo é tratado pelo ar t. 63 da versão do PLC 8.046/2010 aprovada pelo plenário da Câmara dos
Deputados: “Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território,
elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações. § 1º A eleição de foro só produz
efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico. § 2º
O foro contratual obriga os herdeiros e sucessores da s partes. § 3º Antes da citação, a cláusula de eleição
de foro pode ser reputada ineficaz de ofício pelo juiz se abusiva, hipótese em que determinará a remessa
dos a utos ao juízo do foro de domicílio do réu. § 4º Citado, in cumbe ao réu alegar a abusividade da
cláusula de eleição de foro n a contestação, sob p ena de preclusão.”. Os parágrafos 3º e 4º deste artigo
trazem importante inovação ao determinar que o juiz deve avaliar, caso a caso, a abusividade da cláusula
de eleição de foro, ao invés de estabelecer, como faz o art. 112 do CPC/1973, que o magistrado deve
declarar de ofício a nulidade de qualquer cláusula deste tipo, sempre que estiver inserida em contrato de
adesão.
4
O art. 314, II, e §§ 4º e 5º da versão do PLC 8.046/2010 aprovada pelo plenário da Câmara dos
Deputados estabelece disciplina i dêntica: “Art. 314. Suspende-se o processo: II pela convenção das
partes; [...] § 4º O prazo de suspensão do processo nunca poderá exceder [...] seis meses na quela prevista
no inciso II. § 5º O juiz determinará o pr osseguimento do processo assim que esgotados os prazos
previstos no § 4º. [...].”. Idem.
5
O art. 938 da versão do PLC 8.046/2010 aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados dispõe de
forma idêntica: “Art. 938. Convindo as partes, o juiz declarará suspensa a execução durante o prazo
concedido pelo exequente para que o executado cumpra voluntariamente a obrigação. Parágrafo único.
Findo o prazo sem cumprimento da obrigação, o processo retomará o seu curso.”. Idem.
6
Esta convenção é disciplin ada pelo art. 380 da versão do PLC 8.046/2010 aprovada pelo Plenário da
Câmara dos Deputados: “Art. 380. [...] § 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer
por convenção das partes, salvo quando: I - recair sobre direito indisponível da parte; II - tornar
excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito. § 4º A convenção de que t rata o § 3º pode ser
celebrada antes ou dur ante o processo.”. Idem. O §4º tão somente esclarece algo que já estava implícito
no art. 333, parágrafo único, CPC/1973.
7
Este acordo é disciplinado pelo art. 369 da versão do PLC 8.046/2010 aprovada pelo Plenário da
Câmara dos Deputados: “Art. 369. A audiência poderá ser adiada: I – por convenção das partes; [...].”.
Idem. Inovação importante em relação ao art. 453, I, CPC/1973 foi a supressão da restrição quanto ao
número de adiamentos. Enquanto no CPC/1973 a audiência só pode ser adiada uma única vez, na versão
do Novo CPC aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados não existe limitação deste tipo.
8
O art. 523, I, da versão do PLC 8.046/2010 aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados estabelece
disciplina idêntica: “Art. 523. Quando a sentença condenar ao pagamento de quantia ilíquida, proceder-

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT