A Convenção n. 98 da OIT e os direitos de sindicalização e de negociação coletiva

AutorLuciano Martinez
Páginas131-147
caPítulo 13
A Convenção n. 98 da OIT e os direitos de
sindicalização e de negociação coletiva
Luciano Martinez(1)
(1) Juiz Titular da 9ª Vara do Trabalho de Salvador – Bahia. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP e
Professor Adjunto de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da UFBA (Graduação, Mestrado e Doutorado). Titular da Cadeira n.
52 da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e da Cadeira n. 26 da Academia de Letras Jurídicas da Bahia. Autor de diversas obras
jurídicas, entre as quais do Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas, publicado pela editora Saraiva. E-mail:
. Instagram: @lucianomartinez10.
1. A CONVENÇÃO N. 98 DA OIT: A PALAVRA
CONVENCE, MAS O EXEMPLO ARRASTA
Durante a década iniciada em 1920, os tribunais
americanos foram destinatários de uma pletora de me-
didas judiciais, aforadas quase sempre por empregado-
res com o objetivo de liminarmente obstaculizar greves
e atos delas decorrentes. Por conta desse comportamen-
to reiterado e, obviamente, da pressão promovida pelo
operariado, foi apresentado ao Congresso norte-ameri-
cano, em 1928, um projeto de lei subscrito pelo senador
George Norris e pelo representante Fiorello La Guardia
com o objetivo de garantir os direitos de filiação sin-
dical e de livre desenvolvimento da atividade sindical
dos trabalhadores americanos, incluindo, entre outras
medidas, a limitação à emissão de mandados judiciais
contra greves pacíficas e a declaração de inexequibilida-
de dos conhecidos “yellow dogs contracts”, sobre o quais
se falará em tópico reservado ao tema.
O Presidente Herbert Hoover, então, em 23 de
março de 1932, publicou o Norris-LaGuardia Act, num
momento de extrema importância para a economia dos
Estados Unidos que tentava se recuperar da Grande De-
pressão de 1929. É importante anotar que a lei federal
ora analisada foi aprovada antes do New Deal (implan-
tado entre 1933 e 1937 pelo Presidente Franklin Roo-
sevelt), conquanto, a despeito disso, tenha antecipado
a tendência intervencionista estatal que essencialmente
visava garantir igualdade de condições aos sujeitos in-
tegrantes do jogo social.
O Norris-La Guardia Act teve vida curta, mas em
1935, já em pleno New Deal, o Congresso aprovou o
National Labor Relations Act (Wagner Act), que esta-
beleceu uma nova política nacional em favor da nego-
ciação coletiva e da organização sindical, repugnando,
entre outras medidas, qualquer compromisso de não
filiação, promessa de desligamento da associação sin-
dical ou de não participação obreira nas atividades
sindicais. O Wagner Act de 1935, assim, influenciou
decisivamente a redação da Convenção n. 98 da OIT,
que fez menção especial, no seu art. 1º, tópico 2, “a”,
à necessidade de proteção dos obreiros contra atos que
sujeitem a sua admissão no emprego à filiação ou à dis-
sociação sindical.
Emergia assim, diante desses antecedentes históri-
cos e depois das primeiras reflexões do pós-guerra, em
1948, a Convenção n. 87 da OIT, fruto de Conferência
Geral convocada na cidade americana de San Francisco
pelo Conselho de Administração da OIT e ali congrega-
da em 17 de junho de 1948 em sua trigésima primeira
reunião. Gritava-se para o mundo que a afirmação do
princípio da liberdade sindical estava entre os meios
susceptíveis de melhorar a condição dos trabalhadores
e de assegurar a paz.
Os ecos dessa discussão se fizeram sentir na As-
sembleia Geral das Nações Unidas ocorrida em 10 de
dezembro de 1948, na cidade de Paris, e, decerto, inspi-
raram o reconhecimento do direito de todo ser humano
de organizar entidades sindicais e de nelas ingressar pa-
ra proteção de seus interesses (art. XXIII, item 4).
Diante da afirmação da liberdade sindical como
um direito humano universal, outra não poderia ser
a pauta da trigésima segunda reunião do Conselho de
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Direito internacional Do trabalho: estuDos em homenagem ao centenário Da oit
Administração do Secretariado da Organização Inter-
nacional do Trabalho, senão a que, em 8 de junho de
1949, na cidade de Genebra, com vista ao combate de
condutas antissindicais, deu reconhecimento aos direi-
tos de filiação sindical e de desenvolvimento de ações
praticadas nessa área. Nesses moldes, foi finalmente
adotada a Convenção n. 98, no dia 1º de julho de 1949.
Finda a conferência que aprovou a Convenção
n. 98 da OIT, iniciou-se um processo intitulado de
“submissão”, assim entendido aquele por meio do
qual se deu conhecimento das suas deliberações às au-
toridades nacionais competentes de cada um dos Es-
tados-Membros a fim de que se pronunciassem sobre
a conveniência ou não de ratificar a norma aprovada.
Tal processo teve início mediante um comunicado do
Escritório Internacional do Trabalho e se desenvolveu
dentro dos 12 (doze) meses seguintes ao encerramento
da conferência que aprovou a norma.
Ao ratificar a Convenção n. 98 da OIT, os Estados-
-Membros comprometeram-se formalmente a efetivar
as disposições de fato e de direito nela contidas (vide o
inciso “d” do capítulo 5, do art. 19 da Constituição da
OIT). Os primeiros passos no plano internacional fo-
ram dados pela Suécia e Reino Unido, os dois primeiros
países subscritores da Convenção n. 98 da OIT, dando
partida ao processo de vigência do instrumento.
A Suécia registrou a sua ratificação em 18 de julho
de 1950 e o Reino Unido, em 30 de julho de 1950(2).
Nesse ponto, cabe lembrar que, nos moldes do art. 8º,
item 2, da referida Convenção, ela entrou em vigor no
plano internacional, com status de documento interna-
cional, 12 (doze) meses depois da data em que a segun-
da ratificação se registrou. A partir de então, as normas
ali contidas passaram a ter vigência em cada um dos
países subscritores 12 (doze) meses depois da data de
registro de sua ratificação.
Assim, diante da lógica temporal estabelecida pe-
lo art. 8º, item 2, da Convenção n. 98 da OIT(3), a sua
vigência normativa internacional, pelo menos como
(2) Confira-se no sítio eletrônico da OIT: .ilo.org/dyn/normlex/es/f?p=1000:11300:0::NO:11300:P11300_INSTRUMENT_
ID:31224>. Acesso em: 6 set. 2015.
(3) Art. 8º. 1. Esta Convenção obrigará unicamente os Países-membros da Organização Internacional do Trabalho cujas ratificações tive-
rem sido registradas pelo Diretor Geral. 2. Esta Convenção entrará em vigor doze meses após a data de registro, pelo Diretor Geral, das
ratificações de dois Países-membros. 3. A partir de então, esta Convenção entrará em vigor, para todo País-membro, doze meses após a
data do registro de sua ratificação.
(4) Consulte-se .
Acesso em: 6 set. 2015.
(5) Por ocasião da consulta ao sítio eletrônico oficial da OIT, não haviam ratificado a Convenção n. 98 da OIT apenas Bahrein, Brunei, Ca-
nadá, China, República da Coreia, Emirados Árabes, Estados Unidos, Índia, Iran, Ilhas Cook, Ilhas Marshall, Laos, México, Myanmar,
Omã, Palau, Qatar, Tailândia, Tuvalu e Vietnã.
fonte inspiradora, independentemente de ratificação,
ocorreu para todo o mundo a partir de 30 de julho de
1950, doze meses depois da segunda ratificação. Como
a Suécia foi a primeira a ratificar, o marco inicial da
vigência, como se vê nos registros feitos no sítio eletrô-
nico oficial da OIT, foi 18 de julho de 1951(4).
Atualmente, a Convenção n. 98 da OIT conta com
164 ratificações e apenas 22 posições de não ratifica-
ção(5), possuindo com uma das mais expressivas taxas
de integração do instrumento nos sistemas jurídicos in-
ternos dos países membros, sem contar, no particular,
com nenhum ato de denúncia, embora, por conta do
déficit do dever de proteção de alguns Estados-mem-
bros, muitas sejam as situações concretas de ineficácia
social. Independentemente disso, o simbolismo da sua
ratificação é o exemplo que arrasta.
No Brasil, a aprovação da Convenção n. 98 da OIT
deu-se pelo Decreto Legislativo n. 49, de 27.08.1952,
do Congresso Nacional. A sua ratificação ocorreu em
18 de novembro de 1952 e a promulgação foi produzida
pelo Decreto n. 33.196, de 29.06.1953. A vigência na-
cional deu-se, portanto, a partir de 18 de novembro de
1953, doze meses depois de sua ratificação.
Outro detalhe a ser observado diz respeito à reda-
referido dispositivo prevê que “os tratados e conven-
ções internacionais sobre direitos humanos que forem
aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em
dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos mem-
bros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.
Assim, todas as convenções da OIT cuja matéria en-
volve direitos humanos laborais ingressarão no sistema
jurídico brasileiro como emenda constitucional, caso
venham a ser aprovadas na forma acima expendida.
As convenções da OIT anteriormente ratificadas sem
a observância da forma e do quorum supracitados – a
exemplo da aqui discutida Convenção n. 98 da OIT –
continuam vigendo no ordenamento jurídico brasilei-
ro, mas com status de supralegalidade, posicionados,

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