Convenção n. 158 da OIT: aspectos polêmicos e atuais

AutorJoão Filipe Moreira Lacerda Sabino
CargoProcurador do Trabalho. Mestre em Direito do Trabalho pela PUC-SP
Páginas161-182

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Introdução

O estudo da Convenção n. 158 da Organização Internacional do Trabalho merece atenção mais uma vez por força do Parecer aprovado em

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10.11.2011 pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara dos Deputados em relação à Mensagem Presidencial (MSC n. 59/08), que trata da ratificação da Convenção n. 158.

A referida Comissão rejeitou a aprovação da Convenção, decidindo no mesmo sentido da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN).

Diversos são os argumentos pela não ratificação do tratado internacional apresentados pelas Comissões, os quais devem ser questionados com urgência, enquanto o tema ainda está em discussão no Congresso Nacional, sob pena de ocorrerem sérios prejuízos aos trabalhadores.

Diante disso, esse artigo pretende discorrer acerca de alguns aspectos relacionados à Convenção n. 158 da OIT, em sua defesa, rebatendo as críticas existentes para demonstrar que a sociedade brasileira carece da aprovação desse tratado.

1. Importância da convenção n 158 da OIT

A Convenção n. 158, por prever regime de tutela em face das dispensas imotivadas, é tema de suma importância no desenvolvimento do país ao menos por duas razões: primeiro por reger o tema das dispensas coletivas e, segundo, por trazer segurança ao trabalhador quanto ao seu meio de subsistência.

Ao contrário do que alegam os contrários ao teor da Convenção, a garantia de emprego contra a dispensa imotivada não tem o poder de gerar desemprego. É o que explica Dinaura Godinho Pimentel Gomes (2009):

A redução da taxa de desemprego estrutural depende basicamente do desenvolvimento do país, lastreado na educação e na justa distribuição da riqueza, na diminuição da taxa de juros e numa autêntica reforma fiscal, em consonância com a qualificação da mão de obra, cons-cientização e aperfeiçoamento das lideranças sindicais.1

A possibilidade de dispensa imotivada gera total insegurança ao trabalhador, com reflexos na organização de sua vida pessoal e familiar2. Assim, a alta rotatividade de empregados lhes é totalmente prejudicial.

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A rotatividade de mão de obra é prejudicial à economia, já que afeta o consumo, bem como ao interesse público, pois, com a rotatividade, o governo deve pagar seguro-desemprego, o que gera défice aos cofres públicos. Também serve de mecanismo de redução salarial, vez que basta ao empregador dispensar imotivadamente o empregado e contratar outro com menor salário.

É de se reconhecer, igualmente, a importância das previsões trazidas pela Convenção acerca das dispensas coletivas no atual momento de crise econômica, onde diversas empresas vêm promovendo essa modalidade de dispensa. Na dispensa coletiva, pelas disposições da Convenção n. 158 da OIT, deve haver uma causa objetiva da empresa, de ordem técnica ou econômica, com procedimento aprovado por representação eleita dos empregados.

Proteger o trabalhador das dispensas imotivadas é proteger o trabalho, valor fundamental tutelado amplamente pela Constituição da República. E mais, é proteger o direito de ação do trabalhador. Constitui fato notório que o empregado só pleiteia seus haveres judicialmente após o término da relação de emprego, por temer sua dispensa. Com a necessidade de motivação para a dispensa, essa situação tende a mudar.

De acordo com Márcio Túlio Viana (2008):

Por igual razão, esse novo trabalhador sem medo, ou com menos medo, poderá ter um acesso mais real à Justiça, mesmo durante a relação de emprego. E, assim, não só a prescrição ganhará alguma base lógica, como até os acordos serão melhores, já que — ao contrário de hoje — ele poderá manter, enquanto negocia, a sua principal fonte de sobrevivência. E tudo isso, ainda uma vez, significará dar nova vida à CLT, tirando da hibernação muitas de suas normas.3

Destaque-se também que o trabalhador não contribuiu para a crise econômica e é o mais afetado por ela, de modo que deve existir proteção jurídica ao emprego. A garantia do emprego, nas palavras do professor Antônio Álvares da Silva, se faz de três modos:

  1. em dimensão macroeconômica, fortalecendo a economia, incentivando a contratação e criando meios de permanente ampliação da atividade produtiva através de políticas governamentais: crédito ao microempresário e às empresas em geral, prêmios e incentivos à livre-

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    -iniciativa, e tudo mais que se possa fazer para garantir a existência de uma economia saudável.

  2. em dimensão microeconômica, favorecendo a relação de emprego através de política fiscal, tornando menos onerosa a incidência de tributos, diminuindo a incidência tributária em relação ao empregador que dispensa menos, criando um sistema de prêmios para as categorias que mais empregam e assim por diante;

  3. em dimensão jurídica, estabelecendo regras e restrições para a dispensa. Esta última fase acontece no Direito do Trabalho e constitui o principal objetivo do Direito Individual do Trabalho.4

    Conclui-se que o regime de liberdade de dispensa atualmente predominante no Brasil gera desemprego, rotatividade de mão de obra (e consequente insegurança ao trabalhador), prejudica o consumo e impede o livre acesso ao Judiciário.

2. Da vigência da convenção n 158 da OIT no Brasil

A Convenção n. 158 da OIT entraria em vigor, conforme previsto em seu art. 16.2,12 meses após a data em que as ratificações de dois membros da OIT tivessem sido registradas pelo diretor-geral. Dessa maneira, passou a vigorar em 23 de novembro de 1985. Foi ratificada pelo Brasil em 5.1.19955. Para a ratificação, houve a aprovação do Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo n. 68, de 16 de setembro de 1992.

Após a ratificação no plano internacional, o Poder Executivo publicou o Decreto n. 1.855, de 10 de abril de 1996, que deu executoriedade à Convenção.

O art. 16.3 da Convenção determina que esta entrará em vigor, para cada membro, 12 meses após a data em que sua ratificação tiver sido registrada. Portanto, a vigência da Convenção n. 158 da OIT se deu em 6.1.1996, ou seja, um ano após a ratificação da Convenção junto à OIT.

Após a publicação do decreto presidencial, foi apresentada Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn n. 1.480-3) pela Confederação Nacional da Indústria, por alegado conflito com o art. 7e, I, da Constituição Federal. Essa ação será analisada mais adiante.

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3. Denúncia da convenção n 158 pelo Brasil

Em relação à denúncia, o art. 17.1 da Convenção prevê que todo membro que tiver ratificado a presente Convenção poderá denunciá-la no fim de um período de dez anos, a partir da data da entrada em vigor inicial, mediante um ato comunicado, para ser registrado ao diretor-geral da Repartição Internacional do Trabalho. Adenúncia se tornará efetiva somente um ano após a data de seu registro.

É possível existir divergência quanto ao início desse prazo de dez anos. O vigor inicial a que se refere a Convenção é o momento em que ela passou a vigorar pela primeira vez ou o vigor inicial para o país ratificante? Nesse tocante, o teor da Convenção n. 158, traduzido ao português no Decreto n. 1.855, de 10 de abril de 1996, apenas menciona o termo "vigor inicial", o que não esclarece a questão.

A fim de esclarecê-lo, vale citar o texto da Convenção em inglês: Article 17

  1. A Member which has ratified this Convention may denounce it after the expiration of ten years from the date on which the Convention first comes into force, by an actcommunicatedtothe Director-General of the International Labour Office for registration. Such denunciation shall not take effect until one year after the date on which it is registered. (...)

Pela redação em inglês, observa-se que o prazo se inicia do momento em que a Convenção passa a vigorar pela primeira vez, ou seja, em 23 de novembro de 1985. Isso porque o texto está redigido com a expressão first comes into force.

Assim, pela normativa da Convenção, a denúncia, por qualquer país, é possível desde 1995, já que o início da vigência da Convenção n. 158/ OIT foi em 1985. Porém, somente se efetiva um ano após o registro da denúncia.

O Brasil denunciou a Convenção n. 158 da OIT em 20 de novembro 19966. O Decreto n. 2.100, de 20 de dezembro de 1996, conferiu publicidade à denúncia da Convenção n. 158, que deixaria de vigorar para o Brasil a partir de 20 de novembro de 1997. Dessa forma, nesse aspecto, o Estado brasileiro agiu de acordo com a normativa internacional.

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Ao que consta do sítio da OIT7, 34 países ratificaram a Convenção n. 158 da OIT8, sendo que o Brasil foi o único a denunciá-la. Portanto, até mesmo a OIT entendeu que o Brasil agiu de acordo com a normativa internacional posto que aceitou a denúncia, constando em seu sítio da Internet a denúncia do governo brasileiro.

Entretanto, o presidente da República denunciou a Convenção n. 158 da OIT sem consultar o Congresso Nacional, sendo esse procedimento incorreto, já que o ato jurídico complexo deve ser revogado da mesma forma como foi praticado9. O presidente da República, no que diz respeito aos tratados normativos, deve submeter a denúncia ao Congresso Nacional e, mesmo assim, a denúncia somente seria autorizada caso ocorresse por força de uma ampliação de direitos dos indivíduos, por força do art. 60, § 4e, da CF, já que a Convenção n. 158 da OIT é tratado internacional de direitos humanos e ingressou no ordenamento jurídico nacional no patamar constitucional.

Com isso em mente, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura — CONTAG ajuizou Ação Direta de...

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