A convenção internacional sobre direitos das pessoas com deficiência da onu e as quotas de trabalho para empregados com deficiência no Brasil

AutorGuilherme Henrique Lasmar Mendonça/Lutiana Nacur Lorentz
CargoAdvogado/Procuradora do Trabalho lotada em MG, Mestre e Doutora em Direito Processual pela PUC-Minas, professora Adjunta I da graduação e mestrado da Universidade FUMEC
Páginas252-276

Page 253

1. A convenção sobre direitos das pessoas com deficiência eas questões de conceituação e terminologias brasileiras sobre deficiência: paradoxo ou coexistência?

Segundo dados das Nações Unidas1, de 2009, através de seu Centro Regional, cerca de 10% (dez por cento) da população, ou seja, 650

Page 254

(seiscentos e cinquenta) milhões de pessoas vivem com uma deficiência. Estas pessoas são maior minoria do mundo. Nos países onde a esperança de vida é superior a setenta anos, cada indivíduo viverá com uma deficiência em média oito anos, isto é 11,5% (onze e meio por cento) da sua existência. Oitenta por cento das pessoas com deficiência vivem nos países em desenvolvimento, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Nos países-membros da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômicos (OCDE), segundo o Secretariado desta Organização, a proporção das pessoas com deficiência é nitidamente mais elevada nos grupos com menos instrução. Em média, 19% (dezenove por cento) das pessoas menos instruídas têm uma deficiência, em comparação com 11% (onze por cento) das mais instruídas.

Na maioria dos países da OCDE, a incidência das deficiência é mais elevada entre as mulheres do que entre os homens.

O Banco Mundial estima que 20% (vinte pro cento) das pessoas mais pobres tenham uma deficiência e em geral são consideradas como as mais desfavorecidas pelos membros da sua própria comunidade.

As mulheres com deficiência sofrem múltiplas desvantagens, incluindo a exclusão devido ao seu sexo e deficiência e estão particularmente expostas a maus-tratos. Um estudo realizado em Orissa (Índia), em 2004, mostra que quase todas as pessoas do gênero feminino com deficiência eram agredidas fisicamente em casa, 25% (vinte e cinco por cento) das mulheres com uma deficiência mental tinham sido violadas e 6% (seis por cento) das mulheres com deficiência haviam sido esterilizadas à força. E, segundo a UNICEF 30% (trinta por cento) dos jovens que vivem na rua, são deficientes.

Segundo o Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento2, no Brasil, também em 2009, a maior parte das pessoas com deficiência física, auditiva, visual e mental está alijada do mercado de trabalho. Estudos mostram que há aproximadamente seis milhões de pessoas com deficiência em idade economicamente ativa, dos quais um milhão deve estar no mercado de trabalho informal e apenas 158 (cento e cinquenta e oito) mil, legalmente empregadas com garantias trabalhistas e benefícios.

Os dados do Ministério do Trabalho e Emprego3, coletados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais), de 2009 indicam que o trabalho formal (emprego), no Brasil, destas pessoas é em índice muito baixo. Em

Page 255

2009, de acordo com os dados da RAIS, do total de 41,2 (quarenta e um vírgula dois) milhões de vínculo ativos em 31 de dezembro, 288,6 mil foram declarados como pessoas com deficiência, representando o percentual pífio de 0,7% (zero ponto sete por cento) do total de vínculos empregatícios.

Esse resultado apresentou uma redução em relação ao ocorrido no ano anterior (323,2 — trezentos e vinte e três vírgula dois mil vínculos).

Do total de vínculos de trabalhadores com deficiência em 2009, verifica--se a predominância dos classificados com deficiência física (54,68% ou 157,8 mil vínculos), seguido dos auditivos (22,74% ou 65,6 mil vínculos), visuais (4,99% ou 14,4 mil vínculos), mentais (4,55% ou 13,1 mil vínculos) e deficiências múltiplas (1,21% ou 3,5 mil vínculos). Na situação de empregados reabilitados, foram declarados 11,84%, ou 34,2 mil vínculos. Em conclusão, há um número grande de subempregados e trabalhadores informais, bem como pessoas com deficiência que não trabalham, algumas em virtude de recebimento de BPC (Benefício de Prestação Continuada4) que tem um valor pequeno (salário mínimo) e com requisitos de quase miserabilidade familiar (não pode haver recebimento do BPC com renda per capita de mais de um quarto do salário mínimo), além da incapacidade da pessoa com deficiência para o trabalho e também há um imenso número destas pessoas completamente desempregados e sem renda.

Os dados são alarmantes sobre a vida e o trabalho das pessoas com deficiência no mundo e, notadamente no Brasil, por isso, este artigo se propõe a pesquisar a questão do trabalho destas pessoas, com uma das formas de lhes fornecer uma melhoria da qualidade de vida e inclusão social. Sobretudo na atual fase do capitalismo, em que os direitos dos trabalhadores estão sendo "flexibilizados" (pomposo eufemismo que, em verdade, tenta encobrir sua real significação de corte, ou redução de direitos) o que faz com que autores como Delgado5, Baylos6 e Bihr7 preconizem a necessidade de repúdio ao Estado Neoliberal (ou Ultraliberal) e defesa do trabalho humano através do fortalecimento do Direito e do Processo do Trabalho, fazendo-se mais necessária do que nunca esta intervenção Estatal, sobretudo com vistas à proteção desta minoria discriminada e para

Page 256

implementar o requisito de patamar mínimo civilizatório do Estado Democrático de Direito. Porém, antes de enfrentar o tema na contemporaneidade, é preciso fazer seu levantamento histórico e comparativo.

Inventariar a história das pessoas com deficiência como grupo sujeito às mais diversas discriminações e estigmas (sobre o peso destes, há os trabalhos de Goffman8, Croch9 e de Cantelli10) passa, na visão deste artigo, pela categorização da mesma em quatro fases distintas, o que afeta, com-pletamente, não só as definições dos mesmos, terminologias, mas também toda a gama de direitos concernentes. Neste sentido, inicialmente, sobretudo em épocas Greco-romanas havia o período da eliminação destas pessoas, passando da fase medieval à cristã à fase do assistencialismo, em um período bem posterior, ao da integração e da década de oitenta a noventa em diante, à fase atual da inclusão11. Sobre este aspecto histórico dos direitos humanos, não só das pessoas com deficiência, mas sim em âmbito geral há o trabalho de Comparato12 e sobre as variações históricas de (des) valorização do trabalho humano há também a pesquisa relevante de Irany, Nascimento e Martins Filho13.

Na fase da inclusão, amiúde, é encontrado o uso da terminologia "pessoa portadora de deficiência" sendo que a Convenção Internacional de n. 159, da OIT, de 1983, ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo n. 51, de 28.8.1989, assim conceituava as pessoas com deficiência:

Para efeitos da presente Convenção, entende-se por "pessoa deficiente" todo indivíduo cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de progredir no mesmo fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente reconhecida. (Negritos nossos.)

O conceito em questão apesar de ser um avanço, para a época, resultou em apresentações de inúmeras alegações de empecilhos (em verdade, pretextos) tanto de empresas, quanto entes governamentais para descumprir as quotas de trabalho para as pessoas com deficiência (art. 93 da Lei n.

Page 257

8.213/91 e art. 37, VIII, CF/88) porque entendiam que era uma definição por demais aberta e não taxativa e que, por isso mesmo, se prestava a todas as interpretações, inclusive a nenhuma. Em que pese este artigo não concordar com esta tese, porque o enquadramento em casos concretos poderia ser feito, em última ratio, por equidade do poder Judiciário, certo é que o Decreto n. 3.298, de 1999 (que, atualmente foi substituído como se verá, em parte, pelo Decreto n. 5.296, de 2 de dezembro de 2004) teve o mérito de categorizar, taxativamente, quem são estas pessoas. Aquele decreto estabeleceu uma clara separação entre deficiência e incapacidade, sendo que as deficiências foram conceituadas em seu art. 3e, incs. I e II (já que a Lei n. 7.853/89, não definira as deficiências hábeis a gerar a proteção jurídica por ela traçada)14. A incapacidade, reitere-se, é conceito diverso do conceito de deficiência, sendo aquela conceituada pelo no art. 3e, inc. III, do Decreto n. 3.298/99 que definiu incapacidade como:

... uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para que a pessoa com deficiência possa receber ou transmitir informações necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida.

Este decreto foi parcialmente alterado pelo Decreto n. 5.296, de 2004, que introduziu no conceito de pessoas com deficiência outros tipos, tais como: ostomia, nanismo e alterou as conceituações de deficiências auditiva e visual, no art. 5e. A conceituação de deficiência foi feita da seguinte forma no§1edoart. 5e15.

Assim, a incapacidade é um tipo de agudizamento da própria deficiência: todo incapaz será uma pessoa com deficiência, mas nem toda pessoa com deficiência será uma pessoa incapaz. Tanto que a Classificação Internacional de Doenças (CID) também separou deficiência de incapacidade, conceituando aquela como perda ou anormalidade transitória ou permanente, e esta como uma restrição resultante da própria deficiência para uma função específica, como, por exemplo: incapacidade para ouvir, para se expressar, etc.

Em verdade, a questão da diferenciação entre deficiência e incapacidade é extremante importante, sobretudo porque em diplomas

Page 258

anteriores já havia o problema de má definição e até de confusão entre os dois conceitos impor-tando sérios prejuízos às pessoas com deficiência. Um exemplo de confusão entre os dois conceitos é que no art. 203, V, da CF de 1988, a...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT