O controle de constitucionalidade sob a égide da Constituição de 1988 e os efeitos das decisões sobre a constitucionalidade

AutorMarcelo Passamani Machado
Páginas139-257
Capítulo 5
O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
SOB A ÉGIDE DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
E OS EFEITOS DAS DECISÕES SOBRE
A CONSTITUCIONALIDADE
A Constituição de 1988 manteve a convivência entre os sis-
temas incidental-difuso (presente entre nós desde 1890) e princi-
pal-concentrado (consagrado no Brasil denitivamente apenas com
a Emenda Constitucional n.º 16, de 1965) de controle de consti-
tucionalidade. Porém, no regime pós-88, tornou-se muito nítida
a tendência de se privilegiar o controle principal-concentrado em
detrimento do modelo incidental-difuso, e a tese da nulidade do
ato inconstitucional, tão propalada pelos constitucionalistas pátrios
desde a República, começou a ser posta em xeque com maior fre-
quência. É o que será visto nos itens a seguir.
5.1. O SISTEMA INCIDENTAL-DIFUSO
Quanto a esse sistema de controle de constitucionalidade, a
Constituição de 1988 não trouxe em seu texto grandes novidades.
Ao lado do recurso extraordinário, a ser manejado nas causas de-
cididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida
contrariar a Constituição, declarar a inconstitucionalidade de lei
federal ou tratado ou a constitucionalidade de lei ou ato de gover-
no local impugnado em face da Constituição (art. 102, III, a, b e
Marcelo.indd 139 20/01/2015 09:43:13
Capítulo 5
• 140 •
c),1, guram também o habeas corpus (art. 5.°, LXVIII) e o mandado
de segurança (individual ou coletivo, art. 5.°, LXIX e LXX) como
instrumentos constitucionais hábeis para a proteção de direitos
contra atos inconstitucionais, bem como a ação popular, destinada
a anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade adminis-
trativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (art.
5.°, LXXIII), e a ação civil pública, cujo objetivo é a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros inte-
resses difusos e coletivos (art. 129, III). A regra do full bench foi
mantida, estando prevista no art. 97, e a competência do Senado
para suspender no todo ou em parte a execução de lei declarada
inconstitucional por decisão denitiva do Supremo Tribunal Fede-
ral também se fez presente no art. 52, X.
Como visto anteriormente, a scalização da constituciona-
lidade pelo sistema incidental-difuso ocorre no exercício normal
da atividade típica do Poder Judiciário. A questão sobre a consti-
tucionalidade de um ato não é o objeto principal do processo. Na
verdade, ela surge como uma questão prejudicial2 para a resolução
de um litígio entre as partes, como um antecedente lógico da deci-
são da causa. Assim, diante de um caso concreto em que pareçam
ser aplicáveis duas normas conitantes, uma constitucional e outra
1 A a línea d, acrescentada pela Emenda Const itucional n.º 45, não foi aqui
mencionada por não di zer respeito propriamente ao controle de constitu-
cionalidade.
2 “As questões prejudiciais, portanto, são questões ( pontos de fato ou de
direito controvert idos) que constituem antecedente lógico para o conhec i-
mento da pretensão do autor, mas que não são decid idas pelo juiz da causa,
mas, incidentalmente, resolvidas por ele, porque sobre elas ning uém pede
decisão espec íca do magistr ado, já que não compõem o bojo do pedido
formulado pelo autor – e o juiz somente pode proferir sentença, que seja
efetivamente de mérito, acol hendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o
pedido formulado pelo autor (art. 459, caput, primeira par te, do CPC.”
(
Marinoni
, Luiz Gui lherme;
arenha rt
, Sérgio Cru z.
Curso de processo
civil
. 6. ed. São Paulo: RT, 2007. v. 2 (Processo de Conheci mento). p. 154).
Marcelo.indd 140 20/01/2015 09:43:13
• 141 •
Capítulo 5
infraconstitucional, deve o juiz deixar de aplicar a norma de hierar-
quia inferior e, a partir daí, decidir a controvérsia a ele submetida.
A questão de constitucionalidade pode ser conhecida pelo juízo
mediante provocação das partes, de terceiros intervenientes, do Minis-
tério Público atuando como scal da lei, ou mesmo pelo próprio jul-
gador, de ofício,3 quando isso for necessário4 para o deslinde da causa.5
É possível perceber que, em nosso ordenamento, os juízes de
primeira instância acabam possuindo uma liberdade maior que a dos
tribunais para pronunciar a inconstitucionalidade, anal, estes últimos
devem, normalmente, respeitar a regra do full bench, segundo a qual
“somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos
membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar
a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.6
Nesse ponto, tornam-se necessárias algumas observações so-
bre a aplicação de tal regra no controle difuso.
Em primeiro lugar, recorde-se, com Bittencourt, que, embora
por ocasião da introdução do full bench no direito brasileiro (art. 179
da Constituição de 1934) tenham surgido dúvidas sobre a manu-
3 Certamente, a regra do conheci mento de ofício, válida para juízes e t ribu-
nais em geral, não parece valer da mesma forma para o Supremo Tribuna l
Federal, tendo-se e m conta a exigência de pré-quest ionamento para conhe-
cimento do recurso extraordinário (Súmula ST F n.º 282: “É inadm issível
o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorr ida, a
questão federal suscit ada.”).
4 Há precedentes do Supremo Tribunal Federal no sentido de que a corte,
como guardi ã última da Constitu ição, quando provocada, pode se pronun-
ciar em sede incidental sobre a questão de constitucionalidade ainda que
isso não seja necessário par a a solução do caso concreto. Cf. MS n.º 20.505/
DF, rel. Min. Néri da Si lveira, 2.ª Turma, j. 30.10.1985; RE n.º 102.553/DF,
rel. Min. Fra ncisco Rezek, Tribunal Pleno, j. 21.8.1986; SE-AgRg n.º 5.2 06,
rel. Min. S epúlveda Pertence, Tribunal Pleno, j. 12 .12.2001; AO n.º 499, rel.
Min. Mau rício Corrêa, Tribunal Pleno, j. 21.8.20 02.
5 Cf.
Barroso
, Luís Roberto.
O controle de constitucion alidade no direi-
to brasileiro
. 2. ed. São Paulo: Sar aiva, 2006. p. 78.
6 Ibidem, p. 83.
Marcelo.indd 141 20/01/2015 09:43:13

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT