Direitos fundamentais do contribuinte e interpretação tributária: Conceito e aplicação do princípio in dubio contra sacrificium

AutorPaulo Caliendo
CargoProfessor Titular na PUCRS, onde compõe o corpo permanente do Mestrado e Doutorado, lecionando na Disciplina de Direito Tributário, e de diversos cursos de Pós- Graduação no país
Páginas181-216
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Direitos fundamentais do
contribuinte e interpretação
tributária: Conceito e aplicação do
princípio in dubio contra
sacrificium
FUNDAMENTAL RIGHTS OF TAXPAYERS AND TAX
INTERPRETATION: CONCEPT AND APPLICATION OF
THE PRINCIPLE IN IN DUBIO CONTRA SACRIFICIUM
Paulo A. Caliendo V. da Silveira*
Resumo: O presente artigo trata dos métodos de interpretação
em Direito Tributário, bem como da passagem do cânone in
dubio contra fiscum para uma formulação atualizada, conforme
os direitos fundamentais, sob a forma de in dubio contra
sacrificium.
Palavras-chaves: Interpretação Tributária; In dubio contra
sacrificium; Interpretação Sistemática.
Abstract: This paper deals with the methods of interpretation
in Tax Law, as well as the passage of the canon in dubio contra
fiscum for an updated formulation according to the theory of
fundamental rights, in the form of in dubio contra sacrificium.
Keywords: Legal Tax Interpretation; In dubio contra sacrificium;
Systematic Interpretation.
DOI: 10.5433/2178-8189.2014v18n1p181
* Professor Titular na PUCRS,
onde compõe o corpo per-
manente do Mestrado e Dou-
torado, lecionando na Disci-
plina de Direito Tributário, e
de diversos cursos de Pós-
Graduação no país. Doutor
em Direito Tributário pela
PUC/SP e Mestre em Direito
dos Negócios pela Faculdade
de Direito da UFRGS. Autor
do livro “Direito Tributário
e Análise Econômica do Di-
reito”, publicado pela edito-
ra Elsevier. Conselheiro do
CARF. E-mail: p.caliendo
@terra.com.br
SCIENTIA IURIS, Londrina, v.18, n.1, p.181-216, jul.2014 | DOI: 10.5433/2178-8189.2014v18n1p181
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INTRODUÇÃO
A teoria da interpretação é diferente para cada modo de pensar jurídico,
produzindo diferenças claras nos seus resultados concretos e nas soluções
práticas para os dilemas jurídicos. A interpretação tópico-sistemática é capaz
de dotar o intérprete de uma gama vasta e sofisticada de instrumentos de análise,
que lhe dão prevalência sobre os modelos anteriores. A proposta do presente
artigo é responder ao questionamento sobre a existência de um posicionamento
interpretativo geral, que oriente a compreensão e construção de sentido das
normas tributárias.
1 DA INTERPRETAÇÃO JURÍDICA NO PENSAMENTO
SISTEMÁTICO
O pensamento sistemático irá permitir uma interpretação tópico-
sistemática, organizando a possibilidade de soluções decorrentes de
considerações e conexões valorativas, do caso concreto e à referência necessária
com o sistema jurídico.
A interpretação sistemática é um caso de interpretação constitucional e
decorre da existência do Estado Democrático de Direito (Estado Constitucional),
que por sua vez representa uma evolução institucional importante perante o
Estado de Direito. A passagem do Estado de Direito para o Estado Constitucional
constitui uma mudança de paradigmas1:
i) no Estado de Direito prevalece o princípio da segurança jurídica e do
consenso; enquanto que no Estado Constitucional ocorre a prevalência do
equilíbrio entre o consenso e o conflito. O Estado Constitucional deve prever
dois grandes princípios: a preservação do pluralismo de valores e seu confronto
leal;
ii) o Estado de Direito tenta preservar um modelo de coesão social (noção
de vida boa identificada com o burguês, pater famílias e comerciante); no Estado
Constitucional não há conceito de vida boa, não existem modelos fechados de
vida. Os direitos fundamentais é que constituem o substrato do ethos social;
iii) o Estado de Direito representa uma situação ideal (ficção) de indivíduos
atomizados ou de uma estrutura social homogênea; o Estado Constitucional,
1Sobre o tema veja-se Zagrebelsky, Gustavo. Il diritto mite: legge, diritti, giustizia. Torino : Einaudi,
1992.
PAULO A. CALIENDO V. DA SILVEIRA
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por sua vez, representa o claro reconhecimento de uma base fática plural e
conflituosa;
iv) o modelo hermenêutico típico no Estado de Direito é o raciocínio
subsuntivo da regra (silogismo legal) do Direito, consagrado na Jurisprudência
de conceitos; o modelo do Estado Constitucional é a concreção de valores,
onde existe uma dogmática fluída, na aplicação de princípios e valores
(Jurisprudência de valores);
v) no Estado de Direito apresenta-se uma homogeneidade do Estado
legislativo, em que o ordenamento jurídico aparece como dado; por sua vez, no
Estado Constitucional aparece a heterogeneidade do ordenamento jurídico como
problema. Se no primeiro caso a lei é pacificadora de conflitos sociais; no segundo
caso, a lei representa um compromisso entre valores pluralistas. Ela não é mais
produto neutro. Os princípios correm o risco de se tornarem um recurso de
esvaziamento semântico de soluções substanciais, pela inexistência de regras e
compromissos. Fim da “beleza” lógica defendida pelos normativistas.
É com base nestes fundamentos que se sustenta a natureza valorativa
da resolução de conflitos2 no ordenamento jurídico constitucional3.
Uma interpretação sistemática objetiva antes de mais nada, na elaboração
de uma nova dogmática, aberta e flexível, atenta aos desafios de nosso tempo.
2 DA INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA NO DIREITO
TRIBUTÁRIO
Considerando que o sistema jurídico é um todo ordenado de princípios,
regras e valores, cabe destacar o papel de relevo desempenhado pelos princípios
em uma teoria sistemática do Direito Tributário. Dentre os diversos aspectos
podemos destacar que:
- as normas de comportamento, tais como as regras, teriam os seus
fundamentos normativos derivados direta ou indiretamente dos princípios.
- os princípios possuem uma prevalência sistêmica em relação às regras
em função de sua relevância.;
- os princípios possuem um conteúdo axiológico claro e, portanto, seriam
detentores dos valores normativos de um sistema jurídico;
2Sobre o assunto veja-se STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da
Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
3Para uma completa verificação da proteção dos Direitos Fundamentais veja-se a obra de SARLET,
Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
(Edição desatualizada).
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DIREITOS FUNDAMENTAIS DO CONTRIBUINTE E INTERPRETAÇÃO TRIBUTÁRIA: CONCEITO E APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO
IN DUBIO CONTRA SACRIFICIUM

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