Contribuicoes juvenis para os direitos indigenas/Youth contributions for indigenous rights.

AutorOliveira, Assis da Costa

Introducao

Nos ultimos anos, tem emergido, no cenario internacional e de muitos paises, uma perspectiva geracional dos direitos indigenas relacionada ao protagonismo politico-organizacional de pessoas que se autoidentificam como jovens e indigenas, entre outros marcadores sociais, para estabelecer novos aportes interculturais aos direitos das juventudes e intergeracionais aos direitos indigenas.

No campo juvenil, estes sujeitos tem tencionado a capacidade dos Estados e de organizacoes sociais de reconhecimento das especificidades indigenas no delineamento de politicas publicas e acoes sociais, de modo a potencializar as diferencas etnicas na representacao e no atendimento das juventudes. No ambito indigena, o movimento e de reforco as pautas estruturais (terra, meio ambiente, etc.) via interpretacoes e processos mobilizatorios pautados no enfoque geracional, e de interpelar a expansao dos direitos indigenas para a incorporacao de temas e demandas ate entao nao compreendidas como "direitos" e/ou "indigenas" (Oliveira, 2017). Em ambos os casos, os fundamentos da atuacao politico-organizacional estruturam-se no entendimento de que o processo identitario (como indigenas, jovens, mulheres, migrantes, estudantes, etc.), a participacao social e o engajamento militante sao valores-direitos manejados por jovens indigenas para desconstruir relacoes de poder e legitimar a acao politica nos cenarios de disputa dos direitos humanos.

Uma destas movimentacoes ocorreu na celebracao dos 10 anos de vigencia da Declaracao sobre os Direitos dos Povos Indigenas (DDPI), da Organizacao das Nacoes Unidas (ONU), no ano de 2017, por jovens indigenas organizados na Red de Jovenes Indigenas de America Latina (RJIAL). A organizacao e constituida por representacoes de juventudes indigenas de Brasil, Bolivia, Guatemala, Nicaragua, Mexico e Panama (1). Entre 2016 e 2017, a RJIAL promoveu ou participou de atividades (2) relacionadas a tematica da avaliacao da garantia dos direitos indigenas, com especial atencao ao monitoramento do cumprimento da DDPI.

A compilacao das demandas e proposicoes apresentadas nestes eventos internacionais ocasionou a producao do documento Informe--Perspectiva de Jovenes Indigenas a los 10 Anos de la Adopcion de la Declaracion de Naciones Unidas sobre los Derechos de los Pueblos Indigenas (doravante Informe), coproduzido pela RJIAL e a Unidade de Juventude Indigena do Fundo para o Desenvolvimento dos Povos Indigenas de America Latina e Caribe (FILAC) (3). Este documento e o principal subsidio para minha analise no presente trabalho, complementado por pesquisa bibliografica, documental e entrevista. Assim, objetivo entender a perspectiva geracional dos direitos indigenas que emerge com a producao politico-discursiva de jovens indigenas no documento de monitoramento da DDPI.

Desenvolvo analise que inicia pela problematizacao da categoria juventude no contexto indigena e no ambito dos documentos juridicos internacionais, utilizando por referencia as criticas e proposicoes presentes no Informe. Posteriormente, farei uma discussao detida de tres dos oito eixos tematicos (4) presentes no documento: direito a nao discriminacao; terra e territorio; e, saude. Neste ponto, trabalho com algumas questoes centrais: de que forma o enfoque geracional aporta novos subsidios para a interpretacao dos temas-direitos? Quais ganhos e riscos com os aportes interpretativos presentes? Quais proposicoes sao formuladas? E quais possibilidades de operacionalizacao?

Ao final, estabeleco reflexoes sobre o carater expansivo do conteudo dos direitos indigenas, ante os novos postulados das demandas geracionais, em associacao com outros marcadores sociais, como genero e sexualidade, o que contribui para (re)pensar a capacidade de mobilizacao social, de interpretacao e de cumprimento dos direitos.

1. Aberturas da DDPI e a interculturalizacao do "ser jovem"

A DDPI e central para o debate do marcador juvenil no campo do direito internacional dos povos indigenas. Nos mais de dez documentos juridicos (5) que compoe o direito internacional dos povos indigenas, coube a DDPI a primazia e, ate o momento, a exclusividade da inclusao do marcador juvenil como criterio de reconhecimento de especificidades geracionais nos direitos indigenas.

Isto ocorreu nos artigos 21, inciso 2 (6), e 22, 1 (7), da DDPI. No primeiro, o direito de acesso aos servicos estatais para garantia do desenvolvimento socioeconomico. No segundo, a adocao de medidas especificas na aplicacao da Declaracao. Em ambos, apresentam-se os termos "direitos" e "necessidades especiais" ligados a condicao juvenil - em conjunto com mulheres, idosos, criancas e pessoas com deficiencia--para indicar o desafio da implantacao de prestacao estatal e interpretacao juridica que atente a diversidade interna dos povos indigenas. E, com isso, operacionalize os marcadores sociais para a articulacao dos direitos indigenas com diplomas juridicos ligados a estas identidades (os direitos das criancas, os direitos das mulheres, os direitos das juventudes, etc.) e a apreciacao das "necessidades especiais" destes sujeitos como criterio de expansao do conteudo dos direitos indigenas.

No entanto, existe uma questao preliminar a presenca juvenil no direito internacional dos povos indigenas: a problematizacao em si da categoria juventude. E este o primeiro ponto de analise do Informe, em conjunto com as categorias infancia e adolescencia. Trata-se de discutir os criterios valorativos e culturais estabelecidos nas condicoes de "ser crianca, adolescente e jovem" no direito internacional e os efeitos nas realidades dos povos indigenas.

7. Las definiciones de ninez, adolescencia y juventud muestran varios niveles de complejidad. Primero, una definicion cerrada de estos conceptos puede llegar a discriminar a un porcentaje de esta poblacion. Otra dificultad se hace evidente al desarrollar los criterios que nos permitan delimitar las definiciones, por ejemplo: la utilizacion de criterios biologicos como la edad, cambio de voz en los varones o menstruacion en las mujeres no reflejan la madurez fisica, emocional y cognitiva de un individuo en relacion a estas etapas. De la misma forma, las sociedades y culturas tambien construyen imaginarios sociales sobre los significados de la ninez, adolescencia y juventud, es decir, que cada sociedad y cultura definen caracteristicas, roles y sentidos propios de cada una de estas etapas. Es posible, incluso, que una sociedad otorgue mayor relevancia a otras etapas del individuo (como adultez o vejes), sin desarrollar o interiorizar ideas establecidas de juventud o adolescencia (RJIAL e FILAC, 2017, p. 6. Italico do original). Para delimitar as bases valorativo-culturais de concepcao de infancia, adolescencia e juventude no direito internacional, o Informe apresenta, no Item 7, tres criticas centrais da RJUAL a normatizacao das categorias geracionais.

Primeiro, a observacao das possiveis discriminacoes passiveis de ocorrer em caso de uso restritivo da conceituacao destas categorias. Isto se liga ao que logo em seguida apresenta o Informe, pois nos Itens 8, 9 e 10, ha o cuidado de se identificar o entendimento normativo do que se concebe por cada uma das categorias geracionais. Porem, o elemento transversal que percorre toda a producao descritiva e prescritiva das categorias geracionais esta alicercado a delimitacao de faixas etarias para estabelecer a entrada e a saida de cada identidade geracional. E este acoplamento das identidades geracionais as idades cronologicas (8) o que encerra um potencial de discriminacao aos criterios utilizados por sociedades que possuem outros "imaginarios sociais" sobre infancia, adolescencia e juventude - e, ate mesmo, de inexistencia das categorias adolescencia ou juventude entre povos indigenas, como observa a parte final do Item 7 no Informe, implicitamente relevando a presenca permanente da infancia.

Apesar da naturalizacao do marcador cronologico na estipulacao das identidades geracionais, este e um criterio cultural e cientificamente localizado nas sociedades modernas/coloniais, consolidado ao longo dos seculos XIX e XX no ambito da especificacao dos significados de infancia, adolescencia e juventude, e tambem dos servicos e direitos destinados a estes grupos (Oliveira, 2014a e 2014b; Turmel, 1998). Apontar os efeitos negativos dos usos restritivos do parametro cronologico produz a relativizacao do proprio criterio, assim como a visibilidade de outras bases culturais adotadas pelos povos indigenas.

Desse modo, num segundo momento, e levando em consideracao a analise do direito internacional dos povos indigenas, o Informe passa a reordenar a legitimidade dos parametros de atribuicao valorativa das categorias geracionais pela otica do reconhecimento da pluralidade cultural de representacao dos ciclos de vida.

11. La construccion de los conceptos, sentidos y roles de la ninez, adolescencia y juventud es principalmente una construccion social y cultural. Esta percepcion radicaliza la diversidad y riqueza de las diferentes visiones de la juventud, propias de diversas sociedades, culturas y etnias en el mundo... La conceptualizacion de la ninez, adolescencia y juventud indigena se hace en este marco del reconocimiento de la diversidad cultural de los pueblos indigenas y sus sistemas propios de organizacion (RJIAL e FILAC, 2017, p. 8). Conceber os sentidos e as regras de fundamentacao de infancia, adolescencia e juventude como "construcoes sociais e culturais", redireciona as bases valorativas para o plano local. Isto e, para como cada povo indigena passa a concebe-las e de como tais concepcoes devem ser tratadas em igualdade de condicoes as definicoes juridicamente instituidas. Ate porque, junto ao reconhecimento fatico da diversidade cultural, estao as garantias juridicas de autodeterminacao, autonomia, organizacao social e sistemas juridicos que "han dado significado, sentido, responsabilidades, roles, derechos y obligaciones a su ninez...

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