Contratos de Trabalho e Relações de Trabalho

AutorAmauri Mascaro Nascimento/Sonia Mascaro Nascimento
Páginas165-180

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1. Conceito

Um dos mais fascinantes temas do direito do trabalho é este que agora examinamos: o vínculo entre empregado e empregador.

Inicialmente, é preciso advertir que não há uniformidade na denominação que os autores dão ao vínculo jurídico que tem como partes, de um lado, o empregado e, de outro, o empregador. Nem mesmo a nossa lei se definiu, nela sendo encontrada tanto a expressão contrato individual de trabalho como relação de emprego, no que não está só. Em outras leis, também, podem ser encontradas ambas as expressões. Diante disso, vem uma primeira pergunta, cuja resposta está desafiando os juristas: contrato de trabalho e relação de trabalho são a mesma coisa?

A primeira observação refere-se à amplitude de ambas as expressões quanto à palavra “trabalho”. Em verdade, melhor seria, para dar uma ideia precisa da figura que estamos estudando, falar não em contrato de trabalho, mas em contrato de emprego, como já propôs o jurista José Martins Catharino, e em lugar de relação de trabalho seria mais próprio dizer relação de emprego. O vértice do direito do trabalho não é todo trabalhador, mas um tipo especial dele, o empregado. Há vários outros tipos de trabalhadores que não estão incluídos no âmbito de aplicação do direito do trabalho. Não há uma definitiva orientação quanto aos tipos de trabalhadores sobre os quais o direito do trabalho deve ser aplicado. Predomina o entendimento segundo o qual o trabalho que deve receber a proteção jurídica é o trabalho subordinado. O trabalhador subordinado típico é o empregado. A CLT é basicamente uma Consolidação das Leis dos Empregados. A Justiça do Trabalho, até o advento da Emenda Constitucional n. 45/04, era uma Justiça dos Empregados. Portanto, esse esclarecimento se faz necessário. A expressão “contrato de trabalho” não dá a noção exata do objeto a que se refere, da mesma maneira que a expressão “relação de trabalho” merece idêntica crítica.

A segunda observação diz respeito às relações que podem ser estabelecidas entre contrato de trabalho e relação de trabalho. Há mais de uma colocação do problema. É possível entender que contrato de trabalho e relação de trabalho são expressões diferentes de uma mesma e única

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realidade: o vínculo entre empregado e empregador. É possível também sustentar que se trata de duas figuras diferentes, dividindo-se, aqui, os critérios de diferenciação, uma vez que para alguns o contrato de trabalho é o fato gerador da relação de trabalho, como ensina o jurista português Antonio de Lemos Monteiro Fernandes1. Nesse caso, o contrato faz nascer a relação, dá vida à relação. Esta é o desenvolvimento do contrato. É o contrato em ação, no seu prolongamento, na sua dinâmica, que pode durar diversos anos durante os quais as partes, o empregado e o empregador, terão direitos e deveres recíprocos que se modificarão.

Para outros, o contrato não é fonte que produz a relação de emprego. Ao contrário. Tanto o contrato como a relação de emprego podem dar origem ao vínculo entre empregado e empregador, distinguindo-se ambos porque, quando a origem é o contrato, o vínculo nasceu em decorrência do acordo de vontades entre os sujeitos, mas quando a origem é simplesmente a relação, o vínculo não nasceu por força de um acordo de vontade entre os sujeitos, mas por obra de um fato, a prestação de serviços, geradora dos mesmos efeitos.

Podem ser citadas duas leis que definem separadamente contrato de trabalho e relação de emprego, para mostrar que a diferença entre ambos está na forma pela qual o vínculo nasce e para equiparar os efeitos do contrato e da relação de emprego. São as leis do México e da Argentina. A lei brasileira não tem essa dupla definição, porém, equipara o contrato à relação de emprego (CLT, art. 442).

A Lei Federal do Trabalho do México (1970, art. 20) dispõe: “Entende-se por relação de trabalho, qualquer que seja o ato que lhe dê origem, a prestação de um trabalho pessoal subordinado a uma pessoa, mediante o pagamento de um salário. Contrato individual de trabalho, qualquer que seja a sua forma ou denominação, é aquele em virtude do qual uma pessoa se obriga a prestar a outra um trabalho pessoal subordinado, mediante o pagamento de um salário. A prestação de um trabalho a que se refere o parágrafo primeiro e o contrato celebrado produzem os mesmos efeitos”.

A Lei do Contrato de Trabalho da Argentina (Lei n. 20.744, arts. 23 a 25) dispõe, no mesmo sentido, que haverá contrato de trabalho sempre que uma pessoa física se obrigar a realizar atos, executar obras ou prestar serviços para outra e sob a dependência desta, durante um período determinado ou indeterminado de tempo, mediante o pagamento de uma remuneração. Quanto à relação de emprego, dar-se-á quando uma pessoa realizar atos, executar obras ou prestar serviços para outra, sob a dependência desta, em forma voluntária e mediante o pagamento de uma remuneração, qualquer que seja o ato que lhe dê origem. Finalmente, dispõe que o fato da prestação de serviços faz presumir a existência de um contrato de trabalho, salvo se, pelas circunstâncias, as relações ou causas que o motivem demonstrarem em contrário.

A terceira observação sobre o conceito de contrato de trabalho e de relação de emprego relaciona-se com a doutrina que se formou para explicar a natureza do vínculo entre empregado e empregador. Há a doutrina contratualista e a doutrina anticontratualista. Convém explicar melhor, em separado, no próximo item.

A quarta observação é que a expressão contrato de trabalho pode ser usada em sentido amplo, para designar um gênero, e no sentido estrito confundindo-se com contrato de emprego. Para este, no entanto, melhor seria o uso de uma designação própria, a de contrato de emprego. Os contratos de emprego, por sua vez, subdividem-se em contrato de emprego comum que é o

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a tempo pleno (jornada de 8 horas diárias e 44 semanais) e os contratos especiais (em razão da profissão, do sexo, da idade ou da duração da jornada), os contratos de qualificação profissional ou tirocínio (aprendizes e estagiários) e contratos flexíveis de emprego (contratos a prazo, contratos a tempo parcial, teletrabalho etc.). Além dos contratos de emprego existem os contratos de trabalho sem vínculo de emprego regidos por disposições especiais, da lei, da doutrina e da jurisprudência (contrato de trabalho autônomo, contrato de trabalho eventual, contrato de trabalho voluntário etc.). O ideal seria a CLT contemplar e disciplinar todos os tipos de contratos de trabalho, mas não o faz.

2. Natureza jurídica

A — TEORIAS. São duas as teorias sobre a natureza da relação jurídica entre empregado e empregador: a do contratualismo e a do anticontratualismo. Há outras teorias igualmente conceituadas.

B — CONTRATUALISMO. A teoria contratualista, como o nome indica, considera a relação entre empregado e empregador um contrato.

O seu fundamento reside numa tese: a vontade das partes é a causa insubstituível e única que pode constituir o vínculo jurídico.

Há duas fases do contratualismo: a clássica e a moderna. A clássica é caracterizada pela tentativa de explicar o contrato de trabalho com base nos mesmos tipos contratuais previstos pelo direito civil, a saber, o arrendamento (JOSSERAND; PLANIOL etc.), sendo a força de trabalho arrendada pelo capital; a compra e venda (POTHIER; LAURENT; CARNELUTTI etc.), porque o empregado é visto como alguém que vende o seu trabalho por um preço pago pelo empregador, que é o salário; a sociedade (CHATELAIN; VILLEY etc.), porque há uma combinação de esforços em prol de um objetivo comum, que é a produção; e o mandato (TROPLONG etc.), sendo o empregado o mandatário do empregador. Todas essas teorias estão rejeitadas pela doutrina moderna, que prefere ver na relação de emprego um contrato de características próprias e regido por um ramo particular do direito, o direito do trabalho.

O contratualismo é valorizado nos países anglo-saxônicos e nestes às condições de trabalho pactuadas nos contratos é atribuído um grande valor. Já nos países latino-americanos e europeus, com a maior intervenção da lei, a liberdade contratual é limitada e a concepção anticontratualista prevalece. A Espanha deu realce aos contratos por prazo determinado, houve abusos e a lei reagiu, promovendo, com a redução dos encargos sociais para empresas que admitiram pessoal fixo, os contratos por prazo indeterminado. Na Inglaterra, há uma visão do contrato individual de trabalho como contrato comum de direito civil.

Os autores mais recentes (BARASSI; RAMIREZ GRONDA; VENTURA; PIERRE D’OLLIER etc.) sustentam a natureza contratual, reconhecendo forte interferência estatal, de modo que as leis trabalhistas inserem-se automaticamente no contrato, restringindo a autonomia da vontade das partes. Para alguns, é uma figura específica. Para outros, como Orlando Gomes, é um contrato de adesão no qual, ao ser admitido, o empregado adere às cláusulas preexistentes sem possibilidade de discuti-las com o empregador.

C — ANTICONTRATUALISMO. A teoria anticontratualista reúne as correntes que negam a natureza contratual do vínculo entre empregado e empregador.

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Nasceu na Alemanha (SIEBERT; NIKISCH etc.), com a teoria da relação de trabalho, e expandiu-se para a Itália e a França, com a teoria do institucionalismo.

A primeira, nascida sob o signo do nacional-socialismo, sustenta que a empresa é uma comunidade de trabalho na qual o trabalhador incorpora-se para cumprir os fins objetivados pela produção nacional. Nessa comunidade, não existe uma soma de particulares relações contratuais entre os interessados, mas só uma relação de trabalho em essência unitária, sem margem para a autonomia da vontade e constituída pela simples ocupação do trabalho humano pelo empregador.

A segunda sustenta que a empresa é uma instituição, na qual há uma situação...

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