Contrato de Trabalho Intermitente: Uma Aposta Falhada em Portugal, um Sucesso Perverso no Brasil?

AutorJoão Leal Amado
Páginas41-50
CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE: UMA APOSTA FALHADA
EM PORTUGAL, UM SUCESSO PERVERSO NO BRASIL?
João Leal Amado (1)
(1) Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
(2) Como bem assinala Ulrich Beck, o chamado “emprego normal” sempre se traduziu, em certo sentido, numa “ocupação de uma pessoa
e meia”, envolvendo um homem a trabalhar (o breadwinner) e uma mulher na retaguarda, a qual se encarregava de “tudo o resto” (crian-
ças, refeições, lavagens e limpezas, auxílio familiar etc.) — The Brave New World of Work, Polity Press, Cambridge, 2000, p. 58. No plano
jurídico, convém recordar que, à luz do art. 117.º da Lei do Contrato de Trabalho (diploma de 1969, não de 1869…), o marido poderia
opor-se à celebração ou manutenção do contrato de trabalho da sua mulher, “alegando razões ponderosas”! É óbvio que este modelo
tradicional entrou em crise a partir do momento em que as mulheres deixaram de se confinar ao espaço doméstico e fizeram valer os seus
direitos de cidadania laboral.
(3) Tempos líquidos, Zahar, Rio de Janeiro, 2007.
(4) Ainda que já remonte à época medieval a sensata afirmação do poeta francês François Villon: “Nada tenho por seguro, a não ser as
coisas incertas”. Uma frase célebre, proferida no séc. XV, mas com acrescida atualidade no séc. XXI…
1. As Modalidades Atípicas de Contrato de
Trabalho
Relação com vocação para perdurar no tempo, relação
que preenche, por inteiro, a “vida laboral” do cidadão tra-
balhador, relação bilateral em que o trabalhador/homem(2)
presta a respectiva atividade em prol de um único sujeito
bem definido, que o remunera e que conforma a sua con-
duta emitindo as correspondentes ordens e instruções, rela-
ção que se desenvolve num quadro empresarial (a fábrica,
o escritório, o estabelecimento comercial etc.) — eis alguns
dos traços caracterizadores da chamada “relação laboral tí-
pica” (tipicidade entendida aqui em sentido social e não em
sentido técnicojurídico) ou relação laboral standard.
Com efeito, o emprego normal ou típico, que ainda
funciona como paradigma, é um emprego permanente,
de duração indefinida ou indeterminada, é um emprego
em que o trabalhador labora para quem o retribui, é um
emprego a tempo inteiro ou completo, é um emprego
que tem a empresa por palco de execução.
Vivemos, no entanto, “tempos líquidos”, na sugestiva
expressão de Zygmunt Bauman(3). Vivemos numa época
de grande dinamismo e numa sociedade altamente volátil,
marcada pelo risco, pela incerteza e pela instabilidade(4).
E também aqui a tradição vai deixando de ser o que era,
sendo cada vez mais numerosos e significativos os desvios
em relação àquele modelo laboral standard. Ao lado dos
contratos de duração indeterminada (não raro, em lugar
dos contratos de duração indeterminada) vão crescendo
os contratos de trabalho a prazo (contratos sujeitos a um
termo resolutivo), expressão maior da precariedade labo-
ral. O “empregador único” parece, amiúde, cindirse em
dois, em virtude da progressiva expansão da atividade das
chamadas “empresas de trabalho temporário”. As figu-
ras do emprego em part time e do trabalho intermitente
vão-se também disseminando, nem sempre em função
dos desejos dos trabalhadores. Fenómenos como o velho
“trabalho no domicílio” ganham nova vitalidade e o jovem
teletrabalho subordinado vai fazendo o seu curso, quiçá
lenta mas, decerto, inexoravelmente.
Todos estes fenômenos põem em xeque o paradig-
ma clássico de contrato de trabalho. Novas modalidades
contratuais surgem e velhas modalidades ressurgem, tudo
contribuindo para formar um “mosaico juslaboral” rico e
diversificado. É também por aqui que passa a segmenta-
ção do mercado de trabalho, entre os chamados insiders
(os trabalhadores a tempo completo, com vínculo por
tempo indeterminado e com emprego relativamente está-
vel) e os outsiders (não só os desempregados e os falsos
trabalhadores independentes, mas também todos aqueles
que apenas dispõem de um emprego precário, como os
contratados a prazo). Ora, a este propósito, o Código do
Trabalho português (CT) de 2009 não deixou de inovar, ao
criar a figura do contrato de trabalho intermitente, previs-
ta e regulada nos seus arts. 157.º a 160.º
2. Regime Jurídico do Trabalho Intermiten-
te em Portugal: Breves Notas
2.1. Em que consiste esta nova figura, sem prece-
dente no CT de 2003? Trata-se de uma modalidade
contratual que poderá ser utilizada em empresas
que exerçam “atividade com descontinuidade ou
Livro Paulo Renato.indb 41 10/10/2018 11:02:50

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