Contrato de trabalho e contratos AFINS

AutorMauricio Godinho Delgado
Páginas658-679

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I Introdução

Há, no mundo sociojurídico, inúmeros contratos que têm como elemento central ou relevante de seu objeto a prestação de serviços por uma pessoa natural a outrem. O enfoque nesse elemento central permite a classificação de tais pactos em um grupo próprio e distintivo, o grupo dos contratos de atividade.

Contratos de Atividade — Em distintos segmentos do Direito há exemplos marcantes de contratos de atividade. No Direito Civil, as figuras contratuais da prestação de serviços (antiga locação de serviços), da empreitada e ainda do mandato; no Direito Agrário/Direito Civil, as variadas figuras de parceria agrícola e pecuária; no Direito Comercial clássico (ou Direito Empresarial), a figura da representação mercantil (aproximada, de certo modo, pelo novo Código Civil, ao contrato de agência e distribuição). No plano do Direito Civil e Comercial, em conjunto, pode-se ainda mencionar a figura contratual da sociedade. A área jurídica trabalhista apresentaria, ainda, contratos de atividade diferenciados entre si: o mais relevante é o contrato empregatício, embora se possa mencionar também o contrato de trabalho avulso.

Os contratos de atividade situam-se, pela semelhança do sujeito pessoa física e do objeto, em uma fronteira próxima à seara do contrato empregatício. Embora seja evidente que com ele não se confundem, guardando pelo menos uma ou algumas distinções essenciais, essa diferenciação nem sempre é claramente visível no cotidiano sociojurídico. A recorrência prática de tais situações fronteiriças torna prudente o exame comparativo de algumas dessas figuras contratuais similares1.

É claro que, sendo a prestação de serviços pactuada efetivamente por pessoa jurídica, tais tipos de contrato irão se afastar, sumamente, da relação de emprego e, até mesmo, do próprio conceito de relação de trabalho — inerente à pessoa humana, como se sabe.

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II Contrato empregatício e contrato de prestação de serviços

Prestação de serviços é o contrato mediante o qual uma (ou mais) pessoa(s) compromete(m)-se a realizar ou mandar realizar uma ou mais tarefas para outrem, sob a imediata direção do próprio prestador e mediante uma retribuição material especificada.

O contrato de prestação de serviços (locação de serviços, segundo o antigo CCB — art. 1.216 e seguintes) corresponde ao tipo legal previsto para a pactuação da grande maioria de relações de prestação autônoma de serviços que se conhece no mundo moderno (o novo CCB inclusive reverencia esse seu caráter generalizante: art. 593). Com raízes na antiga locatio conductio operarum romana, a figura expandiu-se no mundo atual, regendo distintas modalidades de prestação de serviços, quer efetuadas por pessoas naturais, quer por pessoas jurídicas. Anteriormente ao surgimento do Direito do Trabalho, consistia ainda no tipo legal em que a ordem jurídica buscava enquadrar a novel relação de emprego despontada na sociedade industrial recente.

O prestador autônomo de serviços é, em geral, um profissional no tocante às tarefas para as quais foi contratado. Nesse sentido, tende a ter razoável conhecimento técnico-profissional para cumprir suas tarefas de modo autossuficiente. Essa circunstância não reduz, porém, esse tipo de contrato apenas a profissionais especializados, uma vez que é viável a prestação autônoma de serviços por trabalhadores não qualificados (por exemplo, limpeza de um lote ou lavagem externa de trouxas de roupas). O fundamental é que, nesses casos de trabalhadores não qualificados, o rudimentar conhecimento do obreiro seja bastante para que ele cumpra seus singelos serviços contratados sob sua própria condução e análise — portanto, de modo autônomo.

A prestação de serviços pode ser pactuada com ou sem pessoalidade no que tange à figura do prestador laboral. Caso a infungibilidade da pessoa natural do prestador seja característica àquele contrato específico firmado, ele posicionar-se-á mais proximamente à figura da relação de emprego. Pactuado sem pessoalidade, o contrato de locação de serviços distanciar-se-á bastante do pacto empregatício por acrescentar um segundo elemento essencial de diferenciação em contraponto ao tipo legal do art. 3º, caput, da CLT — a pessoalidade.

Contudo, a diferença essencial a afastar as duas figuras é a dicotomia autonomia versus subordinação. A prestação de serviços abrange, necessariamente, prestações laborais autônomas, ao passo que o contrato empregatício abrange, necessariamente, prestações laborais subordinadas. As duas figuras, como se sabe, manifestam-se no tocante ao modo de prestação dos serviços e não no tocante à pessoa do trabalhador. Autonomia

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laborativa consiste na preservação, pelo trabalhador, da direção cotidiana sobre sua prestação de serviços; subordinação laborativa, ao contrário, consiste na concentração, no tomador de serviços, da direção cotidiana sobre a prestação laboral efetuada pelo trabalhador.

No plano concreto, nem sempre é muito clara a diferença entre autonomia e subordinação. É que dificilmente existe contrato de prestação de serviços em que o tomador não estabeleça um mínimo de diretrizes e avaliações básicas à prestação efetuada, embora não dirija nem fiscalize o cotidiano dessa prestação. Esse mínimo de diretrizes e avaliações básicas, que se manifestam principalmente no instante da pactuação e da entrega do serviço (embora possa haver uma ou outra conferência tópica ao longo da prestação realizada) não descaracteriza a autonomia. Esta será incompatível, porém, com uma intensidade e repetição de ordens pelo tomador ao longo do cotidiano da prestação laboral. Havendo ordens cotidianas, pelo tomador, sobre o modo de concretização do trabalho pelo obreiro, desaparece a noção de autonomia, emergindo, ao revés, a noção e realidade da subordinação.

Naturalmente que o conceito de subordinação (e, portanto, de autonomia) tem sofrido ajustes, adequações e aperfeiçoamentos ao longo do tempo, de modo a se compatibilizar com o dinamismo da vida econômica e social. Assim é que a doutrina e a jurisprudência trabalhistas têm alargado, em certa medida, o conceito de subordinação (e, desse modo, reduzido a amplitude da ideia de autonomia), ampliando o âmbito de incidência do Direito do Trabalho na prática concreta das relações sociais e econômicas. Evidência desse alargamento são as três dimensões destacadas no fenômeno subordinativo, quais sejam, a tradicional (ou clássica), a objetiva e a estrutural. O manejo desse novo arsenal de análise pode ampliar, sem dúvida, a esfera de enquadramento da relação de emprego e, portanto, de incidência do Direito do Trabalho.2

III Contrato empregatício e contrato de empreitada

Empreitada é o contrato mediante o qual uma (ou mais) pessoa(s) compromete(m)-se a realizar ou mandar realizar uma obra certa e especificada para outrem, sob a imediata direção do próprio prestador, em contraponto a retribuição material predeterminada ou proporcional aos serviços concretizados.

A empreitada tem raízes na antiga locatio conductio operis romana, abrangendo as modalidades de contratação de prestação laboral autônoma

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que enfatizem como objeto a obra resultante do trabalho pactuado. A noção e realidade da obra contratada (opus), e não exatamente da prestação laboral em si, é o que distingue esse pacto de trabalho autônomo do contrato de locação de serviços.

Contrato também regulado pela lei comum (art. 1.237 e seguintes, CCB/1916; art. 610 e seguintes CCB/2002), a empreitada pode abranger apenas o fornecimento, pelo empreteiro (pessoa física ou jurídica), do trabalho necessário à consecução da obra (empreitada de lavor) ou o conjunto do trabalho e respectivo material.

Na empreitada, a figura contratual constrói-se vinculada à obra resultante do trabalho (opus), e não segundo o mero desenvolvimento de uma atividade. Em virtude dessa característica, a retribuição material ao trabalhador empreiteiro faz-se por um critério de concentração da unidade de obra (valor da obra produzida) e não por um critério de referência à unidade de tempo (tempo despendido).

As diferenças entre o contrato de empreitada e o contrato empregatício são marcantes. Em primeiro lugar, há a distinção quanto ao objeto do pacto: é que na empreitada enfatiza-se a obra concretizada pelo serviço, ao passo que, no contrato de emprego, emerge relativa indeterminação no que tange ao resultado mesmo do serviço contratado. Embora o empregado esteja vinculado a uma função (isto é, um conjunto orgânico e coordenado de tarefas), recebe distintas e intensas orientações ao longo da prestação laboral, que alteram o próprio resultado alcançado ao longo do tempo.

Essa diferença quanto ao objeto não é, contudo, essencial — embora seja comum e recorrente no cotidiano do mercado de trabalho. É que pode existir contrato empregatício cujo objeto seja a prestação de serviços vinculada a uma obra específica e determinada, efetuada, porém, com os elementos fático-jurídicos da relação de emprego (trabalho por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade).

Em segundo lugar, surge o elemento diferenciador da pessoalidade. É comum que a empreitada seja pactuada sem cláusula de infungibilidade do prestador ao longo do contrato, substituindo-se esse prestador, reiteradamente, no transcorrer da concretização da obra. Caso não se evidencie a...

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