A Caracterização da Depressão e o Contrato de Trabalho

AutorFrancisco Ferreira Jorge Neto - Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante - Renato Marangoni Alves de Miranda
CargoDesembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região) - Professor da Faculdade de Direito Mackenzie - Bacharel em Direito
Páginas29-35

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1. Introdução

O objetivo deste estudo é aquila-tar a noção de depressão e o seu enquadramento legal para fins de caracterização de doença do trabalho.

2. Aspectos médicos

Na história da medicina, a identificação da depressão, enquanto patologia própria, é relativamente recente, remontando ao século

XVIII.

Até então, os seus sintomas eram identificados como aspectos da melancolia, a qual era assim explicada por Hipócrates: "se medo e tristeza duram longo tempo, tal estado é melancólico"1.

Contemporaneamente, a Associação Americana de Psiquiatria elaborou um manual listando diver-sas espécies de transtornos mentais, conhecido pela sigla DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 1952).

Posteriormente, com base nessa classificação, a Organização Mun-dial de Saúde (OSM) incluiu em sua Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), os transtornos mentais como entidades mórbidas.

Atualmente, o CID-10 relaciona transtornos mentais e comportamentais em seu capítulo V, compreendidas as espécies entre os códigos F00-F99.

Assim, somente na idade moderna a depressão passou a ser visualizada como uma patologia com características próprias. A partir da análise de suas principais características, a escola psiquiátrica anglo-saxã a denominou, inicialmente, como affective disorder (doença afetiva), o que posteriormente passou por uma nova reformulação com a substituição do termo "afetivo" por "humor", a partir de estudos realizados pela Associação Americana de Psiquiatria.

Hodiernamente, a depressão encontra-se classificada como transtorno de humor, compreendendo suas modalidades dos códigos F30-F39, do CID-10.

Na literatura especializada, Joseph Mendels esclarece que "a palavra depressão é usada de muitas maneiras: para descrever um estado de humor, um sintoma, uma síndrome (ou um grupo de sinais e sintomas), assim como um grupo específico de doenças"2. A sua identificação é feita por meio da análise dos seus sintomas característicos. Para tanto, é necessário que se tenha o conhecimento dos elementos presentes na descrição dos episódios depressivos (F32), vez que esse é utilizado preponderantemente pela legislação previdenciária3 (Grupo V da CID-10, item VII - Episódios Depressivos (F32.-) (Decreto 3048/99).

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3. Sintomas da depressão

Para a verificação da depressão é imprescindível se perquirir os sintomas apresentados, entre os quais se podem listar: (a) um rebaixamento do humor; (b) redução da energia e diminuição da atividade; (c) alteração da capacidade de experimentar o prazer; (d) perda de interesse para as atividades; (e) diminuição da capaci-dade de concentração para prática de estudos, trabalho; (f) fadiga acima do que é observado regularmente para esforços mínimos; (g) problemas do sono; (h) diminuição do apetite; (i) diminuição da autoestima e da autoconfiança; (j) ideias de culpabilidade e ou de indignidade; (l) perda de interesse ou prazer; (m) despertar matinal em horários anteriores aos normais; (n) lentidão psicomotora importante; (o) agitação, perda de apetite; (p) perda de peso; (q) perda da libido; (r) alusão ao suicídio.

Nem todos os sintomas delineados, contudo, necessariamente se apresentam de forma concomitante. Pelo contrário, a aferição se dá pela verificação da presença simultânea de significativo número deles, que contextualizado, indiquem tratar-se de depressão.

Expondo a dificuldade para o diagnóstico da depressão, Marco Antônio Borges das Neves4 declina: "O dano psíquico, por outro lado, não possui qualquer meio de ser demonstrado por meio de exames complementares acessíveis, o que faz com que sua avaliação deva ser eminentemente clínica, e dependente da sinceridade e precisão das informações passadas pelo periciando.

Para França, mesmo os especialistas em psiquiatria médico-legal apresentam uma série de dificuldades para caracterizar este diagnóstico. E de fato, este tema apresenta peculiaridades como:

- Os critérios diagnósticos não se ajustam num padrão clínico;

- Os distúrbios podem ser mal caracterizados ou inaparentes;

- Inexistência de critérios que permitam dimensionar objetivamente o ‘dano’;

- Extrema dificuldade de caracterizar o estado psíquico anterior ao evento alegado como sendo o desencadeador do dano;

- Possibilidade de Simulação ou Metassimulação do Periciando, principalmente quando há interesses secundários associados a esta avaliação pericial;

- Potencial dificuldade de diferenciação em relação a quadros de episódios depressivos com sintomas psicóticos, especialmente se associados a delírios persecutórios;

- Dificuldade de diferenciação da chamada ‘Neurose Traumática’, quadro caracterizado pelo desejo mais ou menos consciente de apresentar doença para usufruir de determinado interesse ou benefício. Segundo França, trata-se de distúrbio diferente da histeria e da simulação, e trata-se de um distúrbio mais identificado nas reivindicações por Acidente de Trabalho."

Nesse ponto, o diagnóstico da depressão é subsidiário. Vale dizer, há outras patologias que podem desencadear quadros idênticos, por exemplo, hiper ou hipotireoidismo, câncer, algumas infecções de pâncreas. Dessa forma, o diagnóstico da depressão é residual, no sentido de que , em primeiro lugar, o profissional de saúde buscará as causas orgânicas e somente quando não as encontradas é que será adequado o diagnóstico do transtorno de humor.

É importante estabelecer-se a diferença entre a depressão e quadros de tristeza, por exemplo, enlutamento.

Embora a tristeza possa apresentar as mesmas características, o sigma distintivo está no período pelo qual a pessoa as vivencia. No cotidiano de qualquer indivíduo é comum a ocorrência de fatores desagradáveis, decorrendo um sentimento de frustração e desânimo em relação às atividades diárias, bem como descrença quanto às expectativas futuras. Porém, em um estado não patogênico, tais contrariedades são superadas em um aspecto curto de tempo.

Para fins de diagnóstico, a manutenção do quadro deve estenderse por lapso superior a duas semanas, sendo que a experiência é reavivada pelo paciente dia após dia, isto é, os sintomas o acompanham diariamente.

Quanto ao enlutamento, sua origem está associada a um episódio específico, decorrente da perda de um ente querido ou de alguma abstração idealizada que o indivíduo coloca em seu lugar, ou seja, nesse caso, há um fator especialmente identificável, considerado como desencadeador daquelas consequências.

Por sua vez, a depressão não tem uma origem única, não sendo possível, portanto, apontar indubitavelmente uma causa específica.

4. Causas da depressão

É impossível a identificação de um fator pontual responsável pelo quadro depressivo, sendo que sua origem é multifatorial, e entre eles podemos citar: (a) predisposição genética; (b) ambiente familiar; (c) educação; (d) estrutura psicoemocional; (e) qualidade dos relacionamentos interpessoais; (f) trabalho.

No que toca à predisposição genética, um dos efeitos biológicos da psicopatologia é a diminuição nos níveis de serotonina. Assim, uma pessoa que, por alguma razão biológica, tenha uma produção diminuta do neurotransmissor poderá ter uma suscetibilidade individual maior aos quadros psicossomático. Portanto, diante de uma mesma circunstância fática e ambiental, poderá desenvol-

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ver a depressão ao passo que outra pessoa não o manifeste.

Contudo, apenas a variável biológica não é suficiente para determinar o desenvolvimento da depressão.

Como relatado, as suas causas são multifacetadas, recebendo a influência do ambiente no qual está inserido, acompanhada da própria estrutura subjetiva do sujeito.

Essa...

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