Contrato de estágio: a precariedade do vínculo

AutorRocco Nelson - Walkyria Teixeira - Isabel Nelson
CargoProfessor de direito do IFRN - Advogada, mestre em educação pelo IFRN - Doutora em educação pelo IFRN
Páginas224-240
PRÁTICA FORENSE
224 REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019
Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson PROFESSOR DE DIREITO DO IFRN
Walkyria de Oliveira Rocha Teixeira ADVOGADA, MESTRE EM EDUCAÇÃO PELO IFRN
Isabel Cristina Amaral de Sousa Rosso Nelson DOUTORA EM EDUCAÇÃO PELO IFRN
CONTRATO DE ESTÁGIO: A
PRECARIEDADE DO VÍNCULO
Arelação jurídica do estagiário encon-
tra-se hoje disciplinada por meio
da Lei 11.788/08, que revogou a Lei
6.494/771. Decorreram mais de três
décadas de interstício de uma lei para
outra, trazendo o documento legal de 2008
inestimáveis inovações face a tão distinta re-
alidade de trabalho da década de 1970 para os
dias atuais2.
Outro ponto pertinente diz respeito à in-
trínseca precariedade do vínculo de estágio,
isto em face de a referida relação reunir, con-
cretamente, os cinco requisitos da relação
empregatícia (trabalho prestado por pessoa
sica, subordinação, onerosidade, pessoali-
dade e não eventualidade), e não ser conside-
rada juridicamente como tal em decorrência
do objetivo primeiro e único que é o educa-
cional3.
Como consequência dessa reunião fática
dos pressupostos empregatícios circundada
pelo espírito da formação educacional, é ex-
tremamente comum, infelizmente, no Brasil, o
desvirtuamento do estágio, sendo essa forma
legal utilizada para mascarar a captação de
mão de obra barata (em dimensão privada) ou
burlar a regra constitucional do concurso pú-
blico (esfera pública).
É de conhecimento doutrinário e jurisprudencial
que o estágio profissional ou curricular tem sido
instrumento generalizado de fraude aos direitos
trabalhistas e previdenciários no ordenamento ju-
rídico brasileiro. Não raro encobre verdadeiros con-
tratos de trabalho, não só pelo concurso doloso
dos sujeitos cedentes, enganados pelos agentes de
integração, que nada mais querem do que contar
com a força de trabalho jovem e obediente sem
os ônus sociais, como também pelas negligências
das IEs – Instituições de Ensino, que se limitam a
cumprir os requisitos formais, sem se preocuparem
com o acompanhamento pedagógico previsto na
legislação e no plano de estágio, equiparando-se
a meras intermediadoras de mão de obra barata,
cujo objetivo é apenas de cunho financeiro, ou seja,
recebimento de suas mensalidades em casos de ins-
tituições de ensino privadas.4
Constitui-se, em verdade, o estágio em uma
espécie de relação de trabalho, distinguindo-
-se da relação empregatícia em face de sua f‌i-
nalidade intrinsecamente pedagógica5. De tal
sorte, a ausência dessa f‌inalidade desnatura o
vínculo de estágio para um vínculo emprega-
tício.
DAS CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO
JURÍDICA DE ESTÁGIO
1. Da def‌inição de estágio e suas
modalidades
A Lei 11.788/08 def‌ine o estágio, em seu ar-
tigo 1º:
[...] é ato educativo escolar supervisionado, desen-
volvido no ambiente de trabalho, que visa à prepa-
ração para o trabalho produtivo de educandos que
estejam frequentando o ensino regular em institui-
ções de educação superior, de educação profissio-
nal, de ensino médio, da educação especial e dos
anos finais do ensino fundamental, na modalidade
profissional da educação de jovens e adultos.6
Afere-se que, com o presente dispositivo le-
gal, houve uma ampliação referente ao espec-
Rocco Nelson, Walkyria Teixeira e Isabel Nelson PRÁTICA FORENSE
225
REVISTA BONIJURIS I ANO 31 I EDIÇÃO 660 I OUT/NOV 2019
tro dos educandos, não se restringindo ape-
nas aos discentes de ensino superior e médio
prof‌issionalizante como se sucedia na antiga
Lei 6.494/77, mas também aos estudantes do
ensino médio geral, bem como os da educa-
ção especial e do ensino fundamental II, estes
quando na modalidade prof‌issional da educa-
ção de jovens e adultos ().
A relação jurídica de estágio pode aconte-
cer de maneira obrigatória e não obrigatória.
O primeiro estaria prescrito no projeto peda-
gógico do curso, cuja carga horária precisa ser
cumprida, além de obter aprovação como pré-
-requisito para a conquista do diploma7.
Esta modalidade, o estágio é parte integrante do
projeto pedagógico do curso. Não apresenta qual-
quer dificuldade de ordem ética ou legal a academia
o tem absolutamente controlado. Constitui-se em
parte integrante do processo ensino-aprendizagem.
É registrado como disciplina no histórico escolar
do estudante. É supervisionado pela academia no
próprio campo de estágio. O número de horas de
estágio atende ao previsto no projeto pedagógico
do curso. Não surgem aqui quaisquer questões de
ordem ética ou legal. (...)8
Já o estágio não obrigatório é aquele de na-
tureza facultativa, que vem a ser acrescida na
carga horária regular, não vindo a constituir
requisito para conclusão do curso9.
Figura 1 – Modalidades de estágio
Estágio
Obrigatório Facultativo
Fonte:
elaborado pelos autores.
1.1. Algumas críticas
Como já explicitado, tem-se no estágio uma
relação de trabalho lato sensu, a qual tem por
vetor axiológico o pedagógico, tendo seu f‌im
alcançado por meio do trabalho. Desta feita, o
estágio realizado pelo discente necessita estar
correlacionado com as diretrizes curriculares
do curso perpetrado, a f‌im de garantir a es-
sência motivadora da criação do instrumento,
qual seja, o aprendizado do aluno.
Nesse diapasão, indaga-se: como seria pos-
sível aferir a devida correlação do estágio com
o projeto pedagógico na hipótese de aluno do
ensino médio?10
Outro aspecto que merece destaque refere-
-se à questão do ensino médio, haja vista o re-
ferido nível escolar apresentar disciplinas de
cunho geral, cujo desiderato não é o mercado
de trabalho, como se sucede nos cursos de en-
sino médio prof‌issionalizantes11. Essa lógica
subverte a intenção contida na legislação que
disciplina a atuação dos estagiários, pois, em
que pese abrir inúmeras possibilidades de atu-
ação para o estudante, compromete a verif‌ica-
ção do adimplemento dos requisitos legais.
Deveras, a possibilidade de estágio perpe-
trado por discente de ensino médio constitui-
-se em uma forma de precarização da relação
de trabalho, vindo, inevitavelmente, a se des-
viar dos f‌ins educacionais para se apresentar
com uma roupagem de “mão de obra barata”.
Mencionada realidade não contribui para a
construção do conhecimento, a qual deveria
ser alicerçada na associação da teoria com a
prática.
Esse mesmo raciocínio aplica-se à hipótese
do estágio no ensino fundamental II e na mo-
dalidade prof‌issional da educação de jovens
e adultos. Vislumbra hipótese, aqui, da hiper-
precarização.
Corroboram a esse entendimento as lições
de Jair Teixeira:

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT