O contrato administrativo como fenômeno atual do direito econômico

AutorProf. Cláudio Cairo Gonçalves
CargoProfessor da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB. Procurador da Fazenda Estadual e Mestrando em Direito na UFBA.
Páginas1-23

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1. Introdução

Existe um movimento crescente da Administração Pública voltado para a estipulação de contratos com os particulares. Este movimento se orienta no intuito de prover suas necessidades materiais, assim como também no sentido de delegar a prestação de alguns serviços públicos à iniciativa privada i.e., no que toca à prestação de serviços públicos, realização de obras públicas ou fornecimento de materiais ou utilidades, em face do aprimoramento do Estado Democrático de Direito e da expansão das limitações dos recursos públicos para prover as cada vez mais extensas necessidades públicas e coletivas.

2. O Estado Democrático de Direito

A passagem do Estado Totalitário da Idade Média para o Estado Democrático de Direito do século XX, fez com que se implementasse um modelo que acolhe uma maior participação dos indivíduos, das comunidades e das organizações civis, havendo maior espaço para a intervenção popular nas decisões políticas. É que, em determinado momento histórico, além de formalizar o exercício do poder, tornou-se necessário erigir condições para que o acesso ao seu exercício fosse considerado socialmente legítimo. Buscou-se instituir, portanto, um procedimento que intentasse refletir uma vontade coletiva dentro da sociedade. Desta feita, o exercício do poder estaria respaldado na vontade coletiva, i.e., respaldado na legitimidade do sistema político-jurídico.

Tal procedimento orientava-se pela busca de algo que representasse a vontade coletiva. Esse "algo" significou justamente um elemento semântico denominado "consenso", do latim consensus, que na pragmática da comunicação humana significa consentimento; acordo; opinião geral; anuência"1. Na acepção da pragmática jurídica2, a palavra possui a mesma significação de consentimento, que por sua vez, equivale à expressão "ter o mesmo sentir". No âmbito jurídico, é certo que consenso e consentimento equivalem à idéia de manifestação de vontade, aprovação, outorga. Nesse sentido, era deveras impossível que um sistema político-jurídico conseguisse refletir, a uma só vez, a vontade de todos individualmente. A empresa constitui a busca da vontade geral, ainda que não seja de todos. O modelo procedimental que buscou o consenso, efetivou-se pela realização da vontade de uma maioria.

Por outro lado, em nível da especialização de funções, tornou-se indispensável que existisse uma determinada classe de pessoas cuja atividade se restringisse especialmente à seara política, ou seja, "quando o governo das comunidades antigas deixa de ser direto - nas quais os cidadãos governavamse eles próprios - e passa a intermediário", surgem os regimes representativos, em que a idéia de consenso básico dos cidadãos passa a ser o "principal instrumento de legitimação da atividade política"3.

Instituem-se, portanto, os regimes representativos, cuja noção básica se estreitou à de democracia. Para José Eduardo Faria, "democracia é o regime dos sistemas abertos, ou seja, aqueles que procuram garantir a manutenção das regras do jogo, a sobrevivência dos textos constitucionais, a impessoalidade e o rodízio do poder, e a ação dos diferentes grupos sociais, sem a eliminação das partes descontentes e da maneira menos coercitiva possível" (ob. cit., p. 62).

Convém destacar, que a democracia conseguiu, com a extensão da cidadania às classes mais despossuídas de recursos materiais, implantar o que se pode chamar de plena igualdade entre as pessoas do povo, posto que o voto de todos, e de cada um, tem o mesmo peso, a mesma força perante o sistema político-eleitoral. Isto representa uma conquista histórica, que passou a ser adotada a partir do fim do século XIX, com o sufrágio universal.

O modelo de democracia adotado pelos governos oriundos das revoluções liberais do último quartel do século XVIII, para Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1990: 72), fez instituir a democracia representativa que significa Page 3 "um tipo de democracia em que o povo se governa indiretamente, por intermédio de representantes que elege".

Porém, deformações existem, e são encontradas em um sistema que se respalda in absoluto na representatividade. É certo que, no contexto político moderno, a noção de democracia representativa não oferece mais o consenso, pois a integração do povo na vida política tem sido cada vez menos constante, em face de que não mais participa, nem delibera, exceto no dia da eleição.

José Eduardo Faria, em lúcida observação, afirma que uma faceta importante do processo de recomposição de poder do Estado-nação:

"são as recorrentes discussões sobre o sentido, o alcance, e o locus da democracia representativa no âmbito da economia globalizada; sobre a substituição da política de mercado como fator determinante de "âmbito público"; sobre a erosão dos distintos mecanismos de formação de identidade coletiva forjados pela modernidade; sobre os novos tipos de sociabilidade gerados pela mercantilização das mais diversas relações sociais; sobre o impacto fragmentador ocasionado pela diversidade de ritmos, dinâmicas e horizontes temporais com relação às percepções da história e de um futuro nacional; sobre a efetividade da representação parlamentar; e, por fim, sobre o caráter cada vez mais difuso e menos transparente da elaboração das regras jurídicas em matéria econômica, monetária, financeira, cambial, industrial e comercial" (1999: 28).

Nesse sentido, Edvaldo Brito4 lembra a tese defendida por Raymond Aron, segundo a qual a democracia deve ser considerada como governo de minoria, "por que não pode ser caracterizado como o governo em que o povo decide, dada a complexidade da vida moderna". Desta forma, o Autor referido elenca os aspectos jurídicos que tendem ao aprimoramento da democracia, instituindo-se a "chamada democracia semi-direta", principalmente através dos institutos da iniciativa popular, referendo (referendum), plebiscito (plebiscitum)5. Page 4 Lembra ainda, o recall ou revoca, que a Constituição brasileira não contempla, embora pudesse ser útil ao nosso sistema de governo presidencialista.

O que se estabeleceu através de consenso é que todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, consagrando em nível constitucional (Parágrafo único artigo 1º da C.F. de 1988), como fundamento do Estado, a participação e o reconhecimento do indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal e que todo o funcionamento do Estado estará submetido à vontade popular 6.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto destaca o fato de que na democracia clássica, a participação popular está voltada "à escolha dos governantes", enquanto que a democracia emergente do final do século XX, volta-se "à escolha de como se quer ser governado", através de maior participação política (2.000: 41).

O dado elementar dessa conformação é a histórica busca da legitimidade através da participação popular, por meio do aprimoramento doutrinário e legislativo das instituições existentes na sociedade7.

Todavia, fica sacramentado que quanto maior a busca e a obtenção do consenso, da participação, e do envolvimento dos indivíduos, dos grupos e das comunidades em torno das ações estatais, maior será o retorno e as vantagens a serem desfrutadas por todos. É consequência direta do aprimoramento, instituição e efetivação dos instrumentos democráticos, maior respaldo nas ações do Estado.

3. Limitações do Estado na manutenção das necessidades públicas e coletivas

Com relação às limitações dos recursos públicos para prover as cada vez mais extensas necessidades públicas e coletivas, após a implantação dos modelos de Estado intervencionista, com o passar do tempo e em grande parte dos países, verificou-se uma verdadeira degradação dos aparelhos públicos e Page 5 a completa impossibilidade de que o Poder público pudesse recompor este aparelhamento a partir de seus próprios recursos materiais8.

O Plano Diretor de Reforma do Estado, de novembro de 1995, define a crise do Estado: (1) como uma crise fiscal, caracterizada pela crescente perda do crédito por parte do Estado e pela poupança pública que se torna negativa; (2) o esgotamento da estratégia estatizante de intervenção do Estado, a qual se reveste de várias formas: o Estado do bem-estar social nos países desenvolvidos, a estratégia de substituição de importações no terceiro mundo, e o estatismo nos países comunistas; e (3) a superação da forma de administrar o Estado, isto é, a superação da administração pública burocrática.

No Brasil, conforme a observação de Belmiro Valverde Jobim Castor verificam-se diversas conseqüências decorrentes do modelo intervencionista, notadamente, o esgotamento do modelo de Estado condutor do processo econômico e social; a erosão da capacidade de prestação de serviços públicos, gerando seqüelas indesejáveis como clientelismo, corporativismo, populismo, e corrupção (1995, p. 147 e seg.).

Segue-se, demais disto, a extrema dependência econômico-financeira estatal em relação aos capitais privados, no tocante ao crescente endividamento interno e externo e à necessidade de promover a rolagem de tais dívidas. Paralelamente, verificou-se a impossibilidade de manter níveis também crescentes de investimentos nos órgãos da Administração direta, e principalmente, nas entidades que compõem a Administração indireta, as autarquias, as fundações instituídas e mantidas pelo poder público, as empresas públicas e as de economia mista, que se tornaram, na sua maioria, intensamente defasadas, sob o ponto de vista tecnológico e do modelo de gestão administrativa.

Este foi um dos...

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