A contrarreforma trabalhista e a precarização das relações de trabalho no Brasil

AutorSaionara da Silva Passos, Márcio Lupatini
Páginas132-142

Page 132

132 DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1982-02592020v23n1p132

ESPAÇO TEMA LIVRE

A contrarreforma trabalhista e a precarização das relações de trabalho no Brasil

Saionara da Silva Passos 1

https://orcid.org/0000-0002-9557-8053

1Paulo Éster Sociedade de Advogados, Comarca de Teófilo Otoni, Teófilo Otoni, MG, Brasil

2Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Programa de Pós-Graduação em Tecnologia, Ambiente e Sociedade, Minas Gerais, MG, Brasil

A contrarreforma trabalhista e a precarização das relações de trabalho no Brasil

Resumo: A temática da contrarreforma trabalhista no Brasil, após mais de um ano de vigência da Lei n. 13.467/2017, é analisada em dois eixos: 1) as alterações promovidas na legislação trabalhista por esta Lei; e, 2) como esta repercute no emprego, nas relações de trabalho e nos direitos dos trabalhadores. Após exposição sobre a particularidade das relações sociais na forma capitalista, pretende-se demonstrar que a contrarreforma trabalhista não atingiu os objetivos defendidos, isto é, a diminuição da taxa de desemprego e o combate ao “trabalho informal”. Ao contrário, o número de desempregados aumentou, a parcela dos trabalhadores com relações de trabalho informais cresceu, bem como a contrarreforma acarretou uma limitação ao acesso à justiça trabalhista. Tal resultado não fere, ao contrário, as exigências da lei geral da acumulação capitalista; as alterações da legislação trabalhista impuseram conformidade das relações de trabalho às necessidades do movimento do capital no período atual.

Palavras-Chave: Contrarreforma trabalhista. Relações de trabalho. Precarização.

The labor counter-reform and the precariousness of labor relations in Brazil

Abstract: The theme of labor counter-reform in Brazil, after more than one year of Law 13467/2017, is analyzed in two dimensions: 1) the changes the law promoted in the labor legislation; and 2) how such changes affect employment, labor relations, and workers’ rights. The article exposes the particularities of social relations in capitalism. It aims to demonstrate that the labor counter-reform did not reach the objectives defined, i.e., the reduction of the unemployment rate and the fight against “informal work.” On the contrary, the unemployment number increased, workers in informal labor relations increased, and the counter-reform led to a limitation on access to labor justice. This result, however, does not go against the requirements of the general law of capitalist accumulation; changes in labor legislation have imposed labor relations conformity to the needs of the capital movement in the current period.

Keywords: Labor counter-reform. Labor relations. Precariousness.

Recebido em 28.01.2019. Aprovado em 17.09.2019. Revisado em 28.11.2020.

© O(s) Autor(es). 2020 Acesso Aberto Esta obra está licenciada sob os termos da Licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (https://creativecommons.org/licenses/by-nc/4.0/deed.pt_BR), que permite copiar, distribuir e reproduzir em qualquer meio, bem como adaptar, transformar e criar a partir deste material, desde que para fins não comerciais e que você forneça o devido crédito aos autores e a fonte, insira um link para a Licença Creative Commons e indique se mudanças foram feitas.

R. Katál., Florianópolis, v. 23, n. 1, p. 132-142, jan./abr. 2020 ISSN 1982-0259

Márcio Lupatini2https://orcid.org/0000-0002-9738-8675

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A contrarreforma trabalhista e a precarização das relações de trabalho no Brasil

Introdução

A Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, corporificou a “reforma” trabalhista no Brasil, cujas finalidades principais (anunciadas em prosa e verso) consistiam na flexibilização das relações entre empregado e empregador (modernização!), na redução da taxa de desemprego (decorrentes de ganhos de produtividade e expansão da economia) e no combate ao “emprego informal” (permitido pela redução dos “custos do trabalho”). Vale dizer que as alterações previstas nesta Lei estão inscritas em movimento mais amplo, de países como Espanha (2012) e França (2017) que adotaram “reformas” trabalhistas recentemente, ou do curso mais longo da economia capitalista mundial, cuja crise do capital dos anos 1960/70 desencadeou reações no sentido de flexibilização das relações de trabalho, compressão do rendimento real dos trabalhadores e restrição de direitos sociais.1Pouco mais de um ano de vigência da “reforma” trabalhista, não houve redução significativa na taxa de desocupação e, ainda, contrário ao defendido no momento da “reforma”, houve um aumento do emprego com relações de trabalho informais no país. Desse modo, ao que se percebe, a nova legislação contribuiu tão somente para a precarização das relações de trabalho e a supressão dos direitos sociais, não atingindo os resultados anunciados. Além disso, após a “reforma”, constata-se a limitação na atuação da Justiça do Trabalho nas relações empregatícias, decorrência da prevalência do negociado sobre o legislado, das delimitações ao acesso gratuito ao Judiciário, das condenações em honorários advocatícios sucumbenciais, além do enfraquecimento sindical, que perdeu o seu poder de representatividade.

Para expor em que consistiu a “reforma” trabalhista e seus visíveis desdobramentos, este artigo, além desta Introdução e da Conclusão, está estruturado em três seções: na primeira seção é apresentada uma exposição da particularidade das relações sociais no modo capitalista de produção; uma breve explanação das alterações promovidas na legislação trabalhista pela Lei n. 13.467/2017 é feita na segunda seção; e na última seção, são expostas as consequências da “reforma” para os trabalhadores.

A particularidade das relações sociais na forma capitalista

A Lei em tela neste artigo permite profundas alterações nas relações de trabalho no Brasil. Mas antes de abordá-la, expomos brevemente a particularidade das relações sociais neste modo de produção, em seu caráter geral e fundante.

Contrariamente às relações escravocratas e servis, baseadas em relações pessoais e de coerção direta, os trabalhadores estabelecem com os proprietários dos meios de produção, meios estes enquanto capital, relações formais e impessoais como trabalhadores livres no modo capitalista de produção. Se tal fato representou um avanço civilizatório, uma vez que promoveu a emancipação política, pois o trabalhador não está preso à terra como o servo, ou ao senhor como o escravo, o desenrolar deste modo de produção e de suas contradições têm rebaixado este potencial emancipador para a maioria dos trabalhadores a mera condição de sobrevivência física, cuja rotina diária não foge muito, para os que estão empregados, de comer, trabalhar e dormir. Há outra parcela crescente cada vez mais em piores condições, em empregos com relações informais, em condição de migrantes, prostituição, no fogo cruzado de guerras, tráficos ou disputas geopolíticas etc., cuja sobrevivência física sequer está assegurada. Aborta-se, assim, diariamente a emancipação material, condição necessária para o desenvolvimento dos sentidos e das faculdades imanentemente humanas. Ou seja, a própria liberdade formal é solapada pela dependência material, pelas, cada vez mais, piores condições (ou, pelo menos, exige-se maiores esforços e renúncias) para sobreviver e se reproduzir. Desgraçadamente, isto ocorre em um período no qual o desenvolvimento das forças produtivas nunca esteve em patamar tão elevado, a despeito de não poucas contradições e em vários casos adquirirem o caráter destrutivo em função de serem desenvolvidas e implementadas sob a direção da biruta mercantil-capitalista.

Vejamos mais de perto o porquê, que deixada à própria sorte, a reprodução do capital não permite a realização do potencial emancipador anunciada pela aurora da ordem burguesa. E se assim formos exitosos, revelar-se-á que o pressuposto da “reforma” trabalhista de que a economia real é inerentemente estável e autoajustável, de que é necessário “destravá-la” com relações de trabalho mais flexíveis e “melhor ambiente de negócio”, o que permitirá maiores investimentos e aumento de produtividade, e por conseguinte maior crescimento da economia, do emprego e da renda, não se sustenta.

A circulação capitalista de mercadorias (D-M-D) se distingue da circulação simples de mercadorias (M-D-M). A lógica daquela é a valorização do valor, pois o dinheiro adiantado para a compra de mercadorias somente pode se diferenciar do obtido pela venda destas em termos quantitativos, enquanto esta tem como lógica a satisfação das necessidades, produção de valores de uso, os quais são distintos (condição para ocorrer

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Saionara da Silva Passos e Márcio Lupatini

as trocas). Como o proprietário de dinheiro, o capitalista, o valoriza enquanto capital na circulação capitalista de mercadorias (D-M-D’)? Karl Marx, em O Capital, expõe a forma específica disto ocorrer, revela que na circulação o valor não pode se valorizar (nela há mera alteração da forma deste de D-M e de M-D), bem como que a valorização do valor não pode ocorrer por mero aumento nominal dos preços (M-D’), uma vez que todo o vendedor também é um comprador, e sendo assim os desvios entre valor e preços se compensariam na totalidade. A chave para entender como ocorre a valorização está no primeiro ato (D-M), notadamente no caráter específico de dada mercadoria comprada. Se neste há trocas de equivalentes, “a modificação precisa ocorrer [...] com a mercadoria comprada no primeiro ato D-M, mas não com seu valor, pois são trocados equivalentes, a mercadoria é paga pelo seu valor. A modificação só pode originar-se, portanto, do seu valor de uso enquanto tal, isto é, do seu consumo”. (MARX, 1983, p. 138-9).

Para isto, o possuidor de dinheiro “precisa ter a sorte de descobrir dentro da esfera da circulação, no...

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