Contornos atuais e novas questões sobre a prova documental no processo civil brasileiro – o anteprojeto de código de processo civil

AutorJúlio César Ballerini Silva
CargoMagistrado professor mestre em direito processual civil

INTRODUÇÃO

O tema referente à prova documental e sua produção se revela como atual na medida em que, como sabido, já que público e notório, existe projeto de lei, em trâmite pelo Congresso Nacional, visando a promulgação de um novo Código de Processo Civil, no qual a questão em comento também restará revisitada, mormente com a disciplina uniformizada e não esparsa de questões como a do documento eletrônico e os princípios que nortearão o chamado processo virtual, o que parece ser matéria interdisciplinar já que envolverá conceitos como o de segurança documental.

Também não pode restar desconhecida dos operadores do direito a atualidade da discussão da admissibilidade e produção de documentos, em dadas circunstâncias, pelo Supremo Tribunal Federal, dentro do exame da licitude das provas, o que igualmente revela a atualidade da questão proposta à cognição no presente trabalho, ainda mais porque na exposição de motivos do Anteprojeto de novo Código de Processo Civil, a nota preponderante será a da constitucionalização do processo, o que, obviamente, se estenderá à atividade probatória.

Aliás, o direito à produção de provas resta como matéria de base de direito constitucional processual, na medida em que envolve questões como a da isonomia ou da igualdade (todos tem o mesmo direito de alegar e provar fatos dentro de um processo) entre as pessoas residentes e domiciliadas no território nacional, o devido processo legal (nas vertentes do devido processo legal formal e material), implicando em verdadeiro fundamental right do indivíduo.

Assim, seria, num primeiro momento, de se estabelecer algumas diretrizes a respeito do que seria a prova documental, bem como a mesma estaria inserida no plano geral dos meios de prova, com suas espécies, para, então, passar-se ao exame da sua produção, com os respectivos incidentes.

E o exame de tais tópicos far-se-á nos itens seguintes do presente trabalho, com base em consultas a textos doutrinários identificados nas referências bibliográficas e, quando se fizer necessário, com consulta à jurisprudência dos Tribunais pátrios.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A ATIVIDADE PROBATÓRIA

Como sabido, o Brasil se organiza como uma República Federativa consubstanciada em um Estado Democrático de Direito (tal como decorre do advento da norma contida no artigo 1º, caput, da Carta Política vigente), por força de dispositivo constitucional, tendo, como um dos sobreprincípios constitucionais, estabelecidos no caput do artigo 5º da Constituição Federal, a obediência ao princípio da igualdade (artigo 5º, caput, do mesmo texto constitucional em questão).

Sob tal perspectiva, todos são iguais perante a lei, o que implica em dizer que, em caso de lide, ou seja, conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, o magistrado não poderá se desviar de prelados de imparcialidade, com igualdade de tratamento entre as partes (artigo 125, inciso I do Código de Processo Civil), para aferir quem tem razão.

E isso implica em dizer que, se uma parte alegar um fato e a outra parte negá-lo, o juiz deverá analisar a questão sob o prisma do princípio do livre convencimento motivado, valorando provas apresentadas pelas partes, como consta do disposto no advento da norma contida no artigo 131 do mesmo diploma processual civil (sempre de modo motivado como decorre também do advento da norma contida no artigo 93, inciso IX da Constituição Federal).

Aliás, a todo momento, o ordenamento jurídico, seja em nível constitucional, seja em nível infraconstitucional parece não se desvirtuar da orientação no sentido da busca do cumprimento da função política do Poder Judiciário, qual seja, a solução imparcial de conflitos (a garantia da igualdade seria uma finalidade a ser atingida que poderia ser conseguida por uma série de garantias asseguradas por outros princípios processuais, como a possibilidade de acesso a um segundo grau de jurisdição para reexame, a proibição do juiz fomentador de demandas, pela regra da inércia da jurisdição, ou de um juiz acobertador de pretensões, pela regra do impulso oficial, agora sob a perspectiva constitucional de um tempo razoável de duração de um processo – artigo 5º, inciso LXXVIII CF, com redação dada pelo advento da EC nº 45/04, com hipérbole dos princípios da economia e tempestividade da jurisdição, que podiam ser extraídos do artigo 125, inciso II do Código de Processo Civil).

Ganha, portanto, relevância a questão das provas, enquanto meio de convencimento do magistrado a respeito da ocorrência de fatos, no processo, já que o juiz deve ser imparcial também na garantia de produção de provas, o que poderia ser analisado neste contexto de fundamento político de existência do Poder Judiciário, num Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, inclusive, aponta a doutrina no sentido de que prova seria o “modo pelo qual o magistrado forma convencimento sobre as alegações de fatos que embasam as pretensões das partes”.(1)

E, ainda, pertinente a opinião no sentido de que “na dinâmica do processo e dos procedimentos, prova é um conjunto de atividades de verificação e demonstração, mediante as quais se procura chegar à verdade quanto aos fatos relevantes para o julgamento”.(2)

Tudo isso sem prejuízo da constatação no sentido de que a prova seria um conceito plurívoco, na medida em que “em uma primeira acepção, indica o conjunto dos atos processuais praticados para averiguar a verdade e formar o convencimento do juiz sobre os fatos, num segundo sentido, designa o resultado desta atividade, no terceiro, aponta para os “meios de prova”.(3)

Assim, tem-se o processo como instrumento pelo qual se manifesta o direito de ação constitucionalmente assegurado, sendo as provas o meio pelo qual, nesse instrumento processual, as partes podem convencer o juiz acerca da existência ou inexistência dos fatos que restam apontados nas relações jurídicas materiais discutidas no bojo da demanda.

E superando períodos históricos de provas místicas, como as ordálias e os juízos de Deus e da prova tarifária(4), passa-se ao sistema atual, do artigo 131 do Código de Processo Civil, que seria o princípio da persuasão racional.

Sobre a questão, importaria destacar a seguinte opinião doutrinária:

Enquanto no livre convencimento o juiz pode julgar sem atentar, necessariamente, para a prova dos autos, recorrendo a métodos que escapam ao controle das partes, no sistema da persuasão racional, o julgamento deve ser fruto da operação lógica armada com base nos elementos de convicção existentes no processo. Sem a rigidez da prova legal, em que o valor de cada prova é previamente fixado na lei, o juiz, atendo-se apenas às provas do processo, formará seu convencimento com liberdade e segundo a consciência formada. Embora seja livre o exame das provas, não há arbitrariedade, porque a conclusão deve ligar-se logicamente à apreciação jurídica daquilo que restou demonstrado nos autos.(5)

Sobre o período de prova tarifária, aplicável no direito pátrio na época das Ordenações do Reino de Portugal, inclusive, seria de observar a grande importância que se atribuía à prova documental(6) (como ainda é hoje em dia, verbi gratia, para atos solenes como a transmissão da propriedade imobiliária).

E todo este intróito se faz adequado e necessário na medida em que, englobando a teoria geral das provas, obviamente, aplicar-se-á o respectivo arcabouço, à prova documental e sua produção.

Aliás, sobre a questão, a jurisprudência pátria, tem reafirmado a proeminência do princípio da persuasão racional, em questões versando a produção de provas documentais em processos. Nesse sentido, de se pedir licença para destacar:

ADMINISTRATIVO. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. REVISÃO. CABIMENTO. PROVENTOS EFETIVAMENTE REDUZIDOS. RECURSO E REMESSA NÃO PROVIDOS. Inocorrência de cerceamento de defesa alegado pela União Federal, pois se verifica que, instada a manifestar-se sobre a produção de novas provas, informou que "não tem provas a produzir, por entender que as provas necessárias ao julgamento da lide já encontram - Nos autos". O "artigo 131, do CPC, consagra o princípio da persuasão racional, habilitando-se o magistrado a valer-se do seu convencimento, à luz dos fatos, provas, jurisprudência, aspectos pertinentes ao tema e da legislação que entender aplicável ao caso concreto constantes dos autos, rejeitando diligências que delongam desnecessariamente o julgamento, atuando em consonância com o princípio da celeridade processual" (STJ, 1ª Turma, RESP - 760998 GO, Rel. Min. Luiz Fux, DJU de 29.03.2007). Não procede a alegação de que o autor não procurou a Administração para efetuar a revisão de sua aposentadoria, pois encontra-se acostado aos autos o protocolo, cujo assunto é "revisão de aposentadoria". De qualquer forma, a necessidade de, primeiramente, exaurir a instância administrativa carece de amparo legal, vez que a Constituição Federal não agasalha tal pretensão, estabelecendo em art. 5º, inciso XXXV: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Conforme os documentos acostados, não há qualquer mudança funcional que justifique a brusca redução do provento básico do autor, devendo, assim, ser este restabelecido, nos valores de julho de 1997, isto é, R$ 211,22 (duzentos e onze reais e vinte e dois centavos), sendo as vantagens recalculadas como base neste valor. Dos valores apurados em liquidação de sentença, deve ser realizada a compensação entre os devidos e os efetivamente recebidos. Recurso e remessa não providos. (Apelação Cível nº 242487/RJ (2000.02.01.046949-3), 6ª Turma Especial do TRF da 2ª Região, Rel. Benedito Gonçalves. j. 19.09.2007, unânime, DJU 02.10.2007, p. 254/255).(7)

PROVA DOCUMENTAL

O próprio texto legal disponibiliza uma gama de meios de prova colocados à disposição do juiz (artigo 130 do Código de Processo Civil) ou mesmo das partes, para a formação do convencimento judicial acerca da forma como se deram os fatos, sendo certo...

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