Conceito e contexto do tráfico internacional de mulheres: a situação do Brasil

AutorCaroline Silva de Lara
CargoAcadêmica do 6º período de Relações Internacionais das Faculdades Integradas do Brasil.
Páginas2-21

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Introdução

A sociedade global é movida pela competitividade e consumo2, o individualismo impera e as relações pessoais se tornaram superficiais. O neoliberalismo tem tomado conta das políticas de todos os Estados que buscam o lucro e o crescimento de suas economias a qualquer custo. Tudo e todos se tornaram mercadorias, tudo pode ser negociado. A busca pelo lucro é incessante e primordial. Não importam quais as consequências dessa busca. Então, passa-se também a comercializar pessoas.

Entretanto outra questão se levanta, mesmo que hajam homens traficados, as maiores vítimas continuam sendo mulheres e crianças, por quê? A resposta mais contundente é a fragilidade social apresentada por esses indivíduos, mas não é só isso. Grande parte das sociedades está fundamentada em regimes patriarcais, onde a mulher sempre foi considerada um objeto, um ser inferior ao homem. A sociedade brasileira não se diferencia das outras nisso. Então se pode também concluir que hoje o pensamento continua o mesmo. Esse é um dos motivos para que a mulher seja a vítima.

Ainda há resquícios do preconceito sofrido durante séculos, a igualdade pregada nas Constituições e tratados internacionais de proteção à mulher, não discriminação e igualdade entre os gêneros não atingiu as relações sociais. A mulher ainda hoje, apesar de suas conquistas pelo feminismo e de sua luta constante no mercado de trabalho, é vista como objeto. Seus sentimentos, vontades e sua dignidade são feridos sem qualquer ressentimento por parte dos exploradores. É impossível contabilizar os traumas e estigmas sofridos pelas vítimas.

O tráfico de mulheres é fato e mesmo que pouco divulgado tem aumentado a cada ano proporcionando lucros astronômicos a seus exploradores a custo de vidas inocentes. É necessária uma maior atenção a esse assunto por parte das autoridades responsáveis, para que os Tratados Internacionais de Proteção à Mulher e a legislação interna sejam cumpridos e que casos de tráfico e exploração sejam apagados da memória e das páginas policiais. Para que possa existir de fato uma sociedade justa e igualitária.

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No entanto, por vezes o simples fato de uma mulher estar viajando sozinha para um país estrangeiro ela pode ser considerada como vítima potencial ao tráfico e à exploração3. É também importante ressaltar que é uma escolha da mulher viajar com o intuito de trabalhar como profissional do sexo, sem nenhuma pressão ou ameaça de aliciadores, como especifica o Protocolo de Palermo.

Assim, o tráfico de mulheres acaba sendo um dos problemas internacionais mais difíceis de se definir, suprimir e registrar academicamente. No entanto, é urgente se dedicar ao estudo aprofundado do tema, para assim, conseguir de fato punir e eliminar os verdadeiros culpados do tráfico e prevenir o sofrimento das reais vítimas.

1 Contexto histórico
1. 1 Tráfico de Escravos

As escravas, mulheres, eram destinadas principalmente para o serviço doméstico, o que acabava dando-lhes maior status e um tratamento melhor na maioria das vezes4. Porém, estes trabalhos não deixavam de ser tão exaustivos quanto o realizado nas lavouras, sem contar as situações de exploração sexual das escravas, com a prostituição destas para lucro de seus proprietários5. Estas questões, como também a respeito da sexualidade das escravas e das mulheres, serão abordadas mais profundamente neste trabalho, por apresentarem as características do preconceito sofrido pelo gênero desde os primórdios da história.

Primeiramente, pode-se destacar o caráter das relações matrimoniais das escravas no Brasil. Estas possuíam um caráter predominantemente temporário, principalmente pelo número reduzido de mulheres escravas6, num primeiro momento. Assim:

Com frequência, a escolha da companheira da companheira do escravo que ele deseja “casar” é feita pelo senhor [proprietário], certo de que a vida sexual do escravo nem sempre se expressa como ele o desejaria. Eis porque as escravas no Brasil tinham tão poucos filhos. Além disso, muitas dentre elas recorriam ao aborto a fim de evitar a escravidão de seu filho e, aparentemente, os homens praticavam bastante o coitus interruptus. Para o escravo a vida sexual responde apenas às necessidades físicas, não visa à procriação. Nas fazendas, dormitórios de homens e de mulheres são separados e os encontros de casais, mesmo legalmente casados, são Page 4realizados furtivamente, durante a noite. A política dos senhores é tornar os contatos sexuais difíceis, mas não impossíveis7.

Isso demonstrava uma forma de repressão da sexualidade dos escravos e mais especificamente das mulheres escravas, consideradas pela Igreja como corruptoras da moral, pelo excesso de sensualidade, simplesmente por sua condição de ter nascido mulher8. Assim, além de toda exploração do físico do escravo caracterizava-se também a imposição de uma nova religião9, que condenava atos antes comuns na sua comunidade. A religião é vista então, como mais uma das formas de dominação do escravo, de sua cultura e principalmente de sua sexualidade, mais especificamente combatida no caso das mulheres.

1. 2 A situação feminina e a construção do Direito da Mulher no Brasil

Nas relações entre empregadores e as mulheres nas fábricas não era muito diferente do apresentado nas lavouras, mesmo sendo maioria entre os trabalhadores. A identidade feminina e a falta de garantia de direitos eram fatores que assombravam as trabalhadoras. A imagem da mulher que trabalha era idealizada pelos homens, ou seja, há pouca documentação disponível escrita por mulheres que retratem a sua visão da realidade trabalhista10. “Pagu, Patrícia Galvão, ou ainda Mara Lobo, escritora, feminista e comunista dos anos 30, foi uma das poucas mulheres a descrever, no romance Parque Industrial, a difícil vida das operárias de seu tempo: as longas jornadas de trabalho, os baixos salários, os maus-tratos de patrões e, sobretudo o contínuo assédio sexual11”. Em outras palavras, como afirma RAGO:

Isso significa que lidamos muito mais com a construção masculina da identidade das mulheres trabalhadoras do que com sua própria percepção de sua condição social, sexual e individual. Não é à toa que, até recentemente, falar das trabalhadoras urbanas no Brasil significava retratar um mundo de opressão e exploração demasiada, em que elas apareciam como figuras vitimizadas e sem nenhuma possibilidade de resistência. Sem rosto, sem corpo, a operária foi transformada numa figura passiva, sem expressão política nem contorno pessoal12.

Na esfera familiar, a situação da mulher também continua a ser de submissão. Apesar de ser grande o número de mulheres trabalhando “fora de casa”, seu trabalho não era valorizado ou muito menos desejado pela figura do pai, ou melhor, do homemPage 5da casa13. Era desejo destes que as moças encontrassem um “bom partido”, se casassem e constituíssem família. Para isso, no ambiente de trabalho continuava-se a ignorar e a subestimar o trabalho feminino como forma de expulsá-las do trabalho fabril e fazê-las retornar ao trabalho do lar, onde, de acordo com a cultura da época era o lugar da mulher14.

A partir dessa mesma época, 1920, houve o início de uma mudança na sociedade, em que sob a influência de Jean-Jacques Rousseau passou-se a redefinir o lugar da mulher na sociedade15. Independente disso, as relações familiares, em que a moça, a mulher deveria se manter casta e logo se casar não se alteraram até meados dos anos 60, como será analisado posteriormente. Neste meio tempo, as feministas iniciaram a divulgação de seus ideais liberalizantes, que se concentravam na dificuldade da mulher entrar no mercado de trabalho e ser respeitada nele16.

2 Contexto socioeconômico
2. 1 Globalização

A globalização é apresentada como um conto de fadas que promove a igualdade entre os indivíduos, um livre acesso à informação e ao capital, porém, na verdade o que a realidade é um aprofundamento das diferenças socioeconômicas já existentes17. Assim, entende-se que: “Seus fundamentos [da globalização] são informação e o seu império, que encontram alicerce na produção de imagens e do imaginário, e se opõem ao serviço do império do dinheiro, fundado este na economização e na monetarização da vida social e da vida pessoal18”.

Essa visão real de como funciona a globalização é impulsionada por um conjunto de violências. Este conjunto abrange especialmente os principais pilares do sistema globalizado, o capital e a informação. Cada um desses, pode-se dizer pilares da globalização são manipulados de acordo com o interesse das detentoras de sua tecnologia e distribuição pelo mundo.

Essa afirmação é corroborada pelo autor Gilberto DUPAS, em seu livro Atores e poderes na nova ordem global que afirma: “a consolidação da hegemonia capitalista do pós-guerra fria definiu claramente o tom hegemônico contemporâneo. A mobilidade do capital e a emergência de um mercado global criaram uma nova elite que controla os fluxos de capital financeiro e das informações19”.

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Outro pilar que mantém a globalização é o capital. Este pode ser resumido como o combustível de toda exploração econômica. Isso ocorre porque há a ampliação da internacionalização do capital, regida pela abertura de mercados e sua auto- regularização. A total ausência ou o novo papel do Estado nas relações sociais. O Estado sob a perspectiva neoliberal se torna inimigo da liberdade e da independência20.

Na realidade, é preciso destacar que os Estados são pressionados a adotar essa nova...

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