A Proteção do Consumidor no Comércio Eletrônico na Itália

AutorLourdes Fernández del Moral Domínguez
CargoProfessora Doutora de Direito Privado da Universidade de Nápoles e Professora da Universidade Almeria - Espanha
Páginas225-250

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1. Abordagem da questão

Nos últimos anos, os consumidores italianos que fizeram transações na internet duplicaram-se. Estamos ainda longe de alcançar os níveis de transações dos países anglo-saxônicos mas o comércio eletrônico na Itália continua seu crescimento.

Os usuários de internet que estão acima de 15 anos que não compraram nada na rede são um terço do total. Enquanto que os usuários que compraram na internet habitualmente cresceram 22% no último ano, também estes, portanto, mais ou menos um terço do total.

Entre esporádicos e habituais, o número dos cidadãos que adquirem produtos ou serviços na internet aumentou 20% no último ano. Em 2012 o número de consumidores que escolheram os canais digitais superou o número dos entusiastas dos canais de compras tradicionais.

No entanto, apesar do crescente interesse pelo comércio eletrônico por parte dos usuários italianos, favorecido também pelo crescente uso de dispositivos móveis (dos quais se podem fazer compras), é a oferta que na Itália é mais escassa comparando com outros países em que o comércio eletrônico constitui uma realidade mais consolidada, o que impede de alguma maneira a penetração e expansão desse fenómeno na Itália. As empresas que se prepararam para vender seus próprios produtos e serviços online são apenas 4% do total. Uma grande pena porque a difusão da economia na internet tem um efeito positivo sobre a ocupação laboral, especialmente a juvenil, que é a que mais vem sofrendo o desemprego neste momento de crise.

Uma pesquisa realizada nos primeiros meses de 2014 evidenciou que um aumento da difusão na internet de 10% determina um aumento médio de 0,44% da ocupação geral e de um 1,4% da juvenil.

No entanto, o estudo mostrou como também se pode observar um crescimento da capacidade das empresas de dispor de seus próprios produtos e serviços na internet. Nos primeiros dez meses de 2013 foram abertas quase 2000 empresas que vendem exclusivamente através da rede, com um saldo positivo (ou seja, uma diferença entre as empresas que abrem e as que fecham) de 472 atividades. No total, o número de empresas online cresceu 16,1% na Itália, chegando a ser 11.791 empresas.

Em 2013 se notou um crescimento de 18% no comércio eletrônico italiano, com vendas de 13,3 bilhões de euros.

O desenvolvimento exponencial da Information Technology, que desde algumas décadas caracteriza a evolução da civilização contemporânea, influiu

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profundamente na estrutura da sociedade, chegando inclusive a modificar as relações sociais. Tudo isso gerou uma transformação radical do sistema da informação e das comunicações, dos conhecimentos e da cultura, a uma dilatação do mercado e ao intenso processo de globalização que caracteriza o mundo atual.

Hoje as tecnologias informáticas e telemáticas multiplicaram as possibilidades para satisfazer as novas exigências da sociedade atual, graças à expansão do mercado, à simplificação, à rapidez dos procedimentos, ao automatismo das operações, à redução dos custos e das distâncias geográficas.

A difusão da internet a uma escala planetária permite a um número elevado e sempre maior de sujeitos entrarem em contato e realizar operações em um mercado digital sem que exista um acordo prévio em que se tenham estabelecido as regras e as consequências jurídicas de tais negócios.

Calcula-se que o volume de negócios relativo ao comércio eletrônico a escala mundial tenha superado os 2000 bilhões de dólares. Todas estas novidades não podiam deixar indiferente o direito. Provocam uma série de questões jurídicas que exigem uma resposta nova por parte do direito.

Neste âmbito jurídico observa-se um processo duplo. Em primeiro lugar o direito mercantil neste novo contexto do cyberspace manifesta sua tradicional vocação à universalidade, como dimensão natural às suas normas, e, ao mesmo tempo, confirma uma exigência de especialidade, distinguindo o direito aplicável às relações entre empresários e o direito aplicável, por sua vez, às relações entre empresários (fornecedores, comerciantes) e consumidores.

No passado esta exigência de especialização manifestou-se no âmbito das regras da lex mercatoria: a diferença em relação às antigas regras consuetudinárias do direito mercantil é que hoje a especialização não é expressão de um tratamento de favor generalizado em relação aos interesses dos comerciantes, mas um favor proeminente nas relações entre comerciantes e consumidores em benefício dos interesses dos consumidores, cuja tutela constitui o núcleo fundamental da disciplina reguladora do comércio eletrônico.

De fato, todas as normas adotadas pelo legislador estatal ou comunitário, no âmbito do direito interno ou internacional, estão orientadas para realizar a maior liberalização possível na contratação business to business (ou seja, relações contratuais entre empresas) e dirigidas, ao revés, à máxima cautela considerando as numerosas normas de proteção na contratação business to consumer.

Este segundo tipo de contrato oferece uma série de questões jurídicas de maior complexidade, relativas à situação do consumidor, que requerem uma

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maior atenção, dada a necessidade de garantir-lhe uma efetiva liberdade de escolha e a tutela de seus interesses1.

No que concerne aos elementos subjetivos da contratação, é possível observar no âmbito do comércio eletrônico outros tipos de contratos, em concreto os contratos consumer to consumer, entre consumidores, que apresentam problemáticas gerais comuns às outras duas categorias de contratos online: os contratos entre a administração pública e os empresários (business to administration B2A) e entre a administração e os cidadãos (consumer to administration C2A).

No ordenamento jurídico a normativa tradicional relativa aos contratos sempre se fundamentou nos pré-requisitos de formalidade e materialidade: no comércio eletrônico o componente material desaparece radicalmente e a formalidade, como não poderia ser de outra forma, sofre uma mudança significativa.

No caso do comércio eletrônico direto, todas as fases da relação contratual ocorrem na rede, incluso a entrega do bem e do serviço: é o caso da venda, por exemplo, de produtos ou serviços imateriais como software, bancos de dados, músicas, vídeos...

Fala-se, por outro lado, de comércio eletrônico indireto quando o bem que se adquire através do contrato estipulado online é um bem material e a entrega se realiza através dos canais tradicionais.

No comércio eletrônico, as operações inerentes à celebração de um contrato compreendem também a busca e a seleção da parte contratada, o que levou a definir o comércio eletrônico com a expressão geral do e-business ou de e-trade.

A disciplina das relações jurídicas no comércio eletrônico deve ser regulada primordialmente em nível global e necessariamente será fruto das técnicas de produção do direito internacional dos cidadãos privados.

Na realidade, a exigência de ter pontos de referência que deem confiança no mercado comum aos internautas levou à formação das primeiras regras espontâneas de cortesia e etiqueta entre os operadores, das quais seguiram alguns códigos de autorregulação introduzidos voluntariamente pelas categorias de sujeitos interessados que, junto às recomendações e aos usos e costumes, constituíram uma normativa interna, sem caráter obrigatório, definida com a expressão soft law.

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Rapidamente, ainda que com certa gradação, a necessidade em si de uma cooperação interestatal com finalidade de tutela jurídica dos sujeitos implicados, e ao mesmo tempo, de evitar os conflitos entre leis, dada a falta de territorialidade e fronteiras na web, levou a uma regulação do comércio eletrônico que tivesse certa eficácia no âmbito nacional e internacional.

2. As primeiras tentativas de regulamentação do e-commerce

Em primeiro lugar, em nível internacional, foram estendidos ao comércio eletrônico alguns princípios gerais essenciais universalmente partilhados derivados da Convenção de Viena sobre os contratos de venda internacional de bens (1. 11 dezembro 1985, n. 765). Dentre estes princípios se destacam: o dever de devolver o que não se devia ou pagar a mercadoria recebida em excesso (art. 52, Conv.); o direito de ficar com a mercadoria por parte do sujeito que a adquire até que os gastos a cargo do vendedor lhe sejam pagos (art. 86, Conv.); a proibição de comportarse em contradição com os próprios atos como manifestação da obrigação de interpretação de acordo com a boa-fé (art. 7, Conv.); o princípio da legítima confiança (art. 16 e 19, Conv.).

Formou-se desta maneira - mas sempre como soft law - uma série de regras e de modelos uniformes de conduta: em 1987, promovido pela Câmera de Comércio Internacional, em 1996, quando a Comissão para o Comércio Internacional das Nações Unidas (UNCITRAL) publica, a título de recomendação, o Model Law on Eletronic Commerce, que continha uma série de princípios e critérios gerais com relação ao dever de interpretar o contrato do comércio eletrônico de acordo com a boa-fé, e ao princípio da diligência necessária nas operações de autenticação e de verificação das mensagens ou da equiparação do documento eletrônico ao de papel.

A política comunitária em matéria de comércio eletrônico esteve desde o início orientada a promover a autorregulação dos operadores e ao mesmo tempo a eliminar os obstáculos que poderiam limitar de alguma maneira a expansão, a globalização desse tipo de comércio, com a finalidade de facilitar o acesso ao mercado e de multiplicar as oportunidades de trabalho. Tudo isso se pode observar nas numerosas recomendações (como a Recomendação 489/97, sobre o pagamento eletrônico, ou a Declaração conjunta EU-USA sobre o comércio eletrônico, de 5 de...

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